Virgindade Intelectual: o perigo das fake news

Andre L. Souza, Ph.D
4 min readFeb 19, 2017

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A gente vem ao mundo sem saber muita coisa. E é por isso que para aprendermos a viver bem no mundo, precisamos dos outros e das informações que eles nos passam sobre como as coisas funcionam. Nesse sentido, confiança é um componente altamente necessário para o nosso desenvolvimento humano e social. Se não há confiança, não há aprendizado.

Uma das principais características do ser humano é a capacidade de monitorar quem são as fontes confiáveis de informações. E a gente faz isso desde muito cedo. Já com dois anos de idade, por exemplo, crianças são capazes de distinguir quem, entre duas pessoas, é a pessoa mais confiável para dar uma informação nova. E isso é feito com base em o quão confiável essa pessoa foi no passado.

Vou dar um exemplo: imagine uma criança que já saiba o que é uma bola. Daí o Átila pega uma bola, mostra para essa criança e diz "olha, uma bola". O André, por sua vez, mostra uma bola pra essa criança e diz "olha, um carrinho". Daí mais tarde, a gente coloca na frente dessa criança um objeto que ela nunca viu na vida e que ela não sabe o nome. Se o Átila disser que o nome do objeto é dax e o André disser que o nome do objeto é wug, a criança vai acreditar no Átila e não no André. Ela faz isso pois percebeu que o Átila foi o que forneceu uma informação correta anteriormente.

Mas isso só funciona por que essa criança já sabia o que era uma bola e pôde avaliar que foi o Átila que deu a informação correta anteriormente. Quando nos deparamos com (fake) news, o que acontece na maioria das vezes é que estamos diante de informações que não temos conhecimento prévio e não temos como avaliar a veracidade. Se alguém te diz que aquecimento global é balela e outra te diz que aquecimento global é coisa séria, como não sabemos como aquecimento global é mensurado, ou como são feitas as projeções sobre a temperatura do planeta Terra daqui a 100 anos, não vamos dar conta de avaliar qual informação é a correta.

Mas esse, na minha opinião, nem é o maior problema, até por que existem algumas maneiras de verificar a veracidade de uma informação (sendo uma delas, por exemplo, buscar entender mais sobre a ciência e as fontes que fornecem as informações). O problema— e esse está diretamente relacionado a como a nossa mente funciona — é que muitas vezes, mesmo depois de provado que uma informação é falsa, aquela informação continua afetando a nossa percepção da realidade, e consequentemente as decisões que tomamos com base nelas. Em outras palavras, exposição a fake news pode ter um efeito devastador na maneira como agimos e tomamos as nossas decisões mesmo depois de saber que a notícia é falsa. E isso é sério!

Mas por que isso acontece? Existe um fenômeno conhecido como continued influence effect. Basicamente, esse fenômeno diz respeito ao fato de é muito mais difícil para o nosso sistema cognitivo modificar uma informação depois que ela entra no nosso sistema cognitivo. E mesmo depois de saber que a informação que entrou no sistema cognitivo está incorreta, os traços de memória que ela criou são difíceis de serem modificados. Quer uma analogia mais mundana: é como perder a virgindade. Depois que perde, mesmo que tenha sido com a pessoa errada, não tem como voltar atrás.

E para agravar ainda mais a situação, muitas das fake news que vemos todo dia não têm o intuito único de te dar uma informação errada, mas sim, o objetivo de criar uma cadeia emocional vinculada a uma situação específica. Toda essa carga emotiva faz com que os traços de memórias associados à notícia falsa sejam ainda mais fortes. Isso explica por que muita gente ainda acredita que vacina causa autismo, que aquecimento global é balela e que o Barack Obama na verdade nem nasceu nos Estados Unidos.

Voltando à analogia da virgindade: mesmo depois que você descobre que perdeu a virgindade com a pessoa errada, toda aquela experiência e emoções associadas a ela farão parte da sua memória em relacionamentos futuros — e irão, em certa medida, influenciar as decisões que você vai tomar no futuro.

Mas têm como se proteger disso? Sim. Escolha com quem quer perder sua virgindade intelectual. Avalie bem as fontes de notícia, peça opinião de pessoas ou especialistas que você confie e pare de ter exposição aos meios de comunicação que tendem a propagar notícias falsas e emocionalmente carregadas. Tenha sempre a curiosidade de buscar informações de primeira mão e, quando isso não for possível, busque entender como as informações que você está lendo foram coletadas. É evidente que, para algumas situações, não há como ter certeza sobre a veracidade da informação, mas quanto mais você buscar entender o que está lendo ou assistindo, mais fácil vai ser para você avaliar a confiabilidade da fonte.

Não tem como ter certeza se sua primeira vez será boa, mas tem como tentar escolher um parceiro que tem uma probabilidade menor de fazer desse momento um grande desastre.

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