O que eu aprendi fazendo uma série de ficção em formato de podcast

André Monsev
Delirium Oficial
Published in
9 min readAug 25, 2015

--

Passei desde o dia 2 de março de 2015 escrevendo, gravando, editando e produzindo junto com um amigo (o Lucas Kircher) uma série de ficção em formato de podcast. Em paralelo, segui trabalhando como redator em uma startup.

Agora, chegando ao final da temporada (e maratona), acabo de perceber que não partilho mais de algumas angústias que carregava. A principal delas: fazer algo que amo e me sentir útil por isso.

E em outubro de 2014 foi o estopim dessa antiga sensação.

Provavelmente impulsionado também pelo inevitável término de uma relação curta, intensa, estranha e negativa. Eu queria escrever, mas não sabia por onde começar. Sentia que tinha muito a dizer mas não sabia onde encaixar. Em que contexto devia colocar tantas ideias adversas?

Além disso, sentia um incômodo por demais projetos que julgava — de forma completamente arrogante — "bobos". "Inúteis". Sabia que era presunção, e tentava controlar esses impulsos de emoções negativas. Isso aconteceu antes de outubro/2014, é claro. E ainda, em agosto daquele ano, me responderam em tom de desafio: faça algo que você acredite ao invés de implicar com os outros.

Era como se tivessem me entregado a razão da existência. É óbvio, se você acha que falta algo no mundo e você tem os meios de tentar fazer, por que não tentar? Quero dizer, eventualmente você descobrirá uma caralhada de incapacidades (e isso irá acontecer sem sombra de dúvidas), mas também achará habilidades que não fazia ideia que tinha. É um pouco decepcionante e muito gratificante. Por isso, no final, é mais gratificante do que decepcionante.

Stephen King costuma dizer que uma das formas para começar a escrever é ler muito.

Você lê de tudo, de todos os estilos. Todos os gêneros. Tudo quanto é história. Um belo dia, você se depara com uma história e pensa "que merda, eu conseguiria fazer algo melhor que isso". E aí você começa a escrever. Foi o Stephen King que disse, não eu.

Foi no dia 1 ou 2 de outubro que falei pro Lucas, meu amigo,"e se fizéssemos as histórias sendo contadas por um personagem, criando o universo que queremos contar as demais histórias a partir desse programa de rádio?". Nenhuma ideia de formato genial. O Welcome to Night Vale já existia e fazia sucesso nos EUA, e inicialmente enfrentamos algumas pessoas que, provavelmente, mal tinham ouvido o A Voz de Delirium falando "é uma cópia". Bem como eu, que pouco tempo antes estava implicando com os projetos dos outros. Era o karma, ou então O Grande Pássaro me ensinando uma lição.

O formato era parecido, de fato. Era uma rádio fictícia. Mas, pelo amor de Deus, nada tão novo assim. Nada que já não tivesse sido feito por Orson Welles em 1938 quando o cineasta adaptou para o rádio, em formato de notícias (fictícias), a obra de H. G. Wells "Guerra dos Mundos".

Nos dois primeiros meses, eu e Lucas escrevemos. E escrevemos muito. Sem muita direção consciente e desenvolvendo a história conforme o desenrolar. Colocamos uma data para lançamento do piloto: 2 de março de 2015. Teríamos 5 meses, e precisávamos de (1) um ator para fazer o Palmito Antares, (2) de equipamento para gravar o áudio, (3) e de uma banda para fazer a trilha sonora. Também precisávamos de (4) um designer para desenhar o logo.

Os testes para Palmito foram um fracasso. Um podcaster que achamos que seria legal, não tinha muito tempo. Bandas não respondiam. As que respondiam, não se interessavam o suficiente (esse tipo de coisa fica clara quando a pessoa finaliza o assunto com um "sim, sim, vamos falando!"). Designer tava difícil também, e nós não estávamos dispostos a botar grana em algo que não é uma empresa nem nada assim. Não havia uma projeção de lucro monetário. Queríamos fazer uma história, desenvolver a escrita, produzir narrativas criativas. Queríamos nos divertir divertindo os outros. Se quem estivesse na produção não estivesse ali por diversão, qual o sentido?

Então lembramos: nós que queremos isso. Ninguém mais se importa, ao menos não ainda.

E faz sentido, quem se importaria com uma ideia?

O Lucas foi construindo o logo, da forma que ele conseguia. Até o resultado ficar tão bom que pensamos "é isso!". Uma injeção de adrenalina.

Eu abri o GarageBand pela primeira vez na vida, conectei o cabo para guitarra do Rocksmith e um teclado midi (é igual a um teclado de música convencional, mas só funciona se conectado a um computador), e comecei a fuçar. Foi bastante divertido. Mandava demos e testes das primeiras músicas para alguns poucos amigos que acompanharam essa jornada inicial, com muita paciência, suportando meus ataques de euforia a cada avanço que para o resto do mundo soava insignificante. "OLHA ISSO QUE EU GRAVEI AQUI, VÊ O QUE VOCÊ ACHA", eu comentava efusivo enviando o arquivo pelo chat do Facebook. "Achei legal!", um súdito do Dalai Lama respondia enquanto bufava de tédio no outro lado.

Você eventualmente cria um amor incondicional àquilo que você se dedica. Isso pode ser muito bom porque permite que você tire motivação do vácuo, mas também pode ser uma armadilha porque faz você ficar meio míope. Mas é o tipo de cuidado que acho que você toma sem poder exatamente tomar cuidado. Tem que tatear e ver até onde você pode ir pisando. Sei lá.

Onde eu estava?

Ah, sim. Antes até tentei editar músicas que já existiam. Tentei a tendência do cinema de "reduzir uma música em 200 vezes", e fiz isso com clássicos do chorinho. Não foi preciso muita coisa pra perceber que estava uma merda.

Então veio o fim do ano com o recesso. Duas semanas inteiras em uma Porto Alegre quente que respira com a ajuda de aparelhos. Se você já passou a virada de ano na capital gaúcha, sabe do que estou falando. Quatorze dias enfurnado dentro de casa, sem nada pra fazer, tentando criar alguma intimidade com aquele maldito teclado. A primeira música acabada pra trilha do AVdD e que pensei que estava razoável foi a "Vague Pela Vagem do Infinito".

Em paralelo a isso, finalmente definimos um Palmito Antares: Lucas Kircher. Após alguns episódios escritos, depois do logotipo e com a minha decisão de "tentar fazer uma trilha pra esse negócio", este foi o último passo para decidirmos que, de fato, encararíamos todos os desafios.

Com o violão apoiado no colo, sentado de frente pro computador na tarde daquele domingo, eu aproveitava os últimos dias de recesso pra tentar criar mais alguma coisa. Ainda não tínhamos a música tema. E foi com essa espécie de relaxamento, tocando acordes meio que a esmo (ao Acaso) e quase desistindo, que a vibração das cordas do violão soou com algo legal. Era um som meio desconfortável, desconsertado e ao mesmo tempo harmônico. Gravei e parti pro teclado.

Foi assim que ficou no Garageband.

Tentando seguir os mesmos padrões de acordes que saiu. Nada genial, mas ficava na cabeça. Além disso, parecia proprietário. Era estranhinho.

Gravei mais algumas faixas em cima (algumas para… esconder uns errinhos), coloquei efeitos e enviei pro Lucas. Era isso, tinhamos uma música tema.

A cifra da música tema do A Voz de Delirium.

O episódio de estreia finalmente saiu. Sem atraso. Dia 2 de março. Eventualmente, quase ninguém ouviu. Possivelmente alguns poucos amigos, familiares e antigos ouvintes do Zombie Talk, um podcast que eu e Lucas fizemos em 2010/2011 com Fábio Nanni e Ivan Mussa. Dentre os ouvintes do ZT, provavelmente o @ivan_pd estava lá.

No início a divulgação foi bem manual. Divulgar é tão importante quanto fazer. Eu tenho medo de importunar as pessoas, então tento divulgar de formas mais sucintas, e fiz isso no grupo de podcasters brasileiros do Facebook. Não postando lá, mas mandando individualmente pra cada um que pedia por "podcasts com conteúdos diferentes". Dentre eles, pro Mau do PQPCast. Com o tempo, os caras se tornaram ouvintes e divulgadores do AVdD. E, a nível pessoal, eu e o Lucas ganhamos ainda por cima bons amigos.

Que inclusive enviaram, lá do Japão, um postal card legal para caraleo.

Um ouvinte do PQPCast comentou na conturbada área de comentários do Anticast sobre o AVdD. Tinha tudo para ser passado despercebido, exceto que não passou. Seja pelo Acaso ou pelas graças dO Grande Pássaro, Ivan Mizanzuk, o host do Anticast, resolveu dar uma chance para o podcast indicado pelo ouvinte.

O resultado não poderia ser mais incrível.

Foi surreal ver o que aconteceu a partir disso. O podcast ganhou repercussão, um grande número de ouvintes e, possivelmente pelo interesse de tanta gente ao mesmo tempo, chegou ao primeiro lugar no top de podcasts brasileiros do iTunes.

E ficou lá, em primeiro, por três dias seguidos.

Mas o mais legal foi ter ouvintes e feedback do trabalho. Era o que queríamos, era o que estávamos buscando. Pessoas para ouvir as histórias. Foi inacreditável pensar que eu e o Lucas, sem habilidades, com uma considerável carga de incerteza, mas ao mesmo tempo incentivados justamente por tentar fazer algo que não sabíamos direito como fazer, conseguimos agradar um número razoável de pessoas. E pessoas tremendamente inteligentes e críticas. É tão gratificante quanto assustador escrever e ter um público de pessoas que são mais inteligentes do que você. Se aprende muito.

Acredito que algumas pessoas também pararam no primeiro episódio. Confie em mim: o piloto do A Voz de Delirium é uma merda. Ele serviu e, na época (que parece muito mais distante do que realmente é), fazia sentido. Mas falar isso agora, com mais de 8 horas de conteúdo em áudio publicado no total é muito fácil. Aqueles eram os 14 primeiros minutos das 8 horas. Em todo o caso, continue ouvindo. Dê mais uma chance. Eu prometo que melhora e muito.

Você disse que iria ensinar algo, e até agora eu não aprendi nada.

Ok, talvez eu tenha me empolgado. Eu espero que tenha dado para aprender um pouco, na verdade, aí em cima. Se você pensar, tem sim alguns aprendizados sobre fazer você mesmo. Como não estou em posição de te ensinar nada, posso dizer o que levei pra mim mesmo, resumindo e retomando, de tudo isso que contei aí em cima.

  • descobri que consigo ser auto-suficiente em muita coisa, e que isso está mais relacionado ao nível de qualidade que quero colocar ali do que qualquer coisa (ou seja, consigo fazer até um nível limitado. O esquema é ajustar a expectativa de se esperar algo bom ou algo maravilhoso).
  • não vou conseguir nunca chegar no resultado ideal que quero para publicar. Então é melhor eu começar a publicar e ir evoluindo com o tempo.
  • fuçar tem valido mais a pena do que ler tutoriais, e é muito mais divertido.
  • não devo planejar nada 100% se quero que aquilo soe diferente/criativo. Preciso deixar um pouco de espaço pra improvisar.
  • posso escrever uma história mesmo sem saber do que escrever. Mas preciso tirar tudo da minha cabeça pra isso. Como? Escrevendo.
  • consigo melhorar tudo depois, inclusive as histórias que não parecem tão boas. Mas, pra isso, elas precisam ser uma história. Se for uma ideia, eu nunca vou conseguir melhorar ela.
  • vale mais a pena criar uma trilha sonora pro podcast eu mesmo (ou conseguir algum amigo que tope), do que ficar me preocupando com direitos autorais depois.
  • é legal deixar as pessoas interpretarem e imaginarem com mais liberdade. O que eu gosto mais é de que elas tirem as conclusões. E gosto de saber quais são essas conclusões.

Acho que é isso. A primeira temporada do A Voz de Delirium está chegando ao fim, e foi uma experiência maravilhosa ter feito tudo isso.

Se você não ouviu, ouça:

Também temos contos aqui no Medium: https://deliriumoficial.com

Além de tudo isso, eu e o Lucas participamos de dois podcasts muito legais sobre o AVdD:

Se você gostou do texto, por favor clique no botão de coração para ajudar a espalhar o conteúdo.

Também pode ficar à vontade para comentar aqui no medium ou falar comigo no Twitter, em @andremonsev. Seria um tremendo de um prazer!

--

--

André Monsev
Delirium Oficial

ux writer/content designer, co-creator and producer of A Voz de Delirium (in portuguese!) https://linktr.ee/avozdedelirium