Afrofuturismo: a importância de novas narrativas

Andressa Marques
4 min readFeb 2, 2019

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Imagine um De Volta Para o Futuro onde só tem pretos. Ou melhor, imagine que todas aquelas tecnologias e novas narrativas não só foram feitos por pretos como também é totalmente voltado à África. Um futuro afrocentrado em terras onde o eurocentrismo reina é difícil de imaginar ainda nos dias de hoje.

O Afrofuturismo é um movimento que tem como exercício refletir sobre o passado que nos foi negado, modificar o presente de genocídios e desigualdade que nos é imposto e transformar esse movimento em ação para projetar um novo futuro com protagonismo através da nossa própria ótica.

O afrofuturismo vem pra cumprir uma ausência. Ausência dos próprios negros em tudo. O movimento nos oferece a oportunidade de criar as nossas próprias narrativas afrocentradas em espaços ocupados sempre pelo eurocentrismo e fundamentar uma nova identidade de futuro a partir do reconhecimento de ciência, tecnologia, intelectualidade e arte de nossos ancestrais africanos, cujo não são reconhecidos nos livros e nos estudos escolares e acadêmicos.

Chimamanda Adichie em sua palestra ao TEDGlobal narra algo que, na minha opinião, diz muito sobre a importância dessa nova narrativa:

“Há uma palavra da tribo Igbo, que eu lembro sempre que penso sobre as estruturas de poder do mundo, e a palavra é “nkali”. É um substantivo que livremente se traduz: ‘Ser maior do que o outro’. Como nossos mundos econômico e político, histórias também são definidas pelo princípio do ‘nkali’. Como é contada, quem as conta, quando e quantas histórias são contadas, tudo realmente depende do poder. Poder é a habilidade de não só contar a história de outro, mas de fazê-la a história definitiva daquele.” — Chimamanda Adichie- “O perigo de uma única história” para o TEDGlobal.

É importante saber que apenas colocar pessoas pretas nas suas narrativas não é eficaz, o intuito do afrofuturismo é você mostrar estilo, espiritualidade e amor a partir do nosso conhecimento de África.

A oportunidade que o afrofuturismo nos traz é a ideia de construir e não continuar a partir do que o eurocentrismo nos propôs. Ideia de que nós, intelectuais negros, possamos se desprender da ideia de representação e ir em busca do protagonismo e proporcionalidade. Exemplo claro -ou melhor, escuro- que temos de afrofuturismo hoje é o filme Pantera Negra, que parte do imaginário africano e nos mostra o real protagonismo negro e vindo do Continente Africano. Ao contrário de várias representações de Egito que vimos em todos esses anos sendo protagonizado por brancos. (o que sabemos que é i m p o s s í v e l)

O afrofuturismo na literatura tem sido o maior responsável por criar e mostrar outros pontos de vista, principalmente em ficções cientificas onde o futuro tecnológico é presente. Uma literatura total afrocentrada futurística que temos como exemplo hoje no Brasil é a de Fábio Kabral, com sua obra O Caçador Cibernético da Rua 13, onde ele apresenta elementos da mitologia Iorubá em uma aventura futurista.

Mas é importante lembrar que: o afrofuturismo não é só textão, não é só vídeo, não é só representação de internet. Afrofuturismo é, principal e fundamentalmente, o resgate de tudo o que os nossos mais velhos já fizeram, o afrofuturismo é transcender. É preciso que chegue em todos os âmbitos, não é uma narrativa seletiva. É preciso que chegue tanto nas crianças quanto na dona de casa negra, que nunca foi representada na novela sem ser como empregada. Ou no gari, que nunca se viu em outdoor. É preciso estudo, acima de tudo. Não podemos criar novas narrativas de futuro se a gente não souber sobre o nosso passado.

“Um povo sem o conhecimento da sua história, origem e cultura é como uma árvore sem raízes.” — Garvey

Representatividade X Proporcionalidade

Sabemos que representatividade, principalmente no Brasil, é algo raro quando se trata do público negro, e quando tem uma pessoa negra em um espaço, isso faz com que ela tenha o peso de representar toda a comunidade negra. E aí entra a urgência da proporcionalidade.

Não somos todos iguais (pasmem). Temos o colorismo, fenótipo, gêneros e vários outros fatores que nos mostra o quão vasta e diferente é a nossa negritude. Apenas uma pessoa não consegue dar conta do que somos em essência. É importante ressignificar esses locais e contrapor um ideário único da existência e representação dessas histórias. Precisamos descentralizar o protagonismo de um perfil homogêneo.

Precisamos ser proporcionais e não somente a coisas que nos limitem a questões negras. Construir uma contra-narrativa faz parecer que estamos sempre partindo do outro. Entendemos que isso seja importante quando se trata de racismo e desigualdade, mas também, precisamos partir da gente e construir. Construir pessoas que já saibam que tem seu lugar no espaço, que sabem que a nossa história não começa na escravidão e sim, com reis e rainhas, cientistas, tecnólogos, intelectuais, matemáticos e artistas.

“No fundo eles sabem que as estatísticas mostram um país extremamente racializado, o que vão fazer se percebermos que somos a maioria e que isso pode mudar todas as coisas?
As vozes na senzala, e fora dela, não esquecem nunca dos seus verdadeiros defensores.” — VICE — O medo que o Brasil tem dos próprios negros.

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