Teclado sem @

André Timm
4 min readJul 26, 2015

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Troquei o computador pela máquina de escrever. Ao menos no que diz respeito a escrever ficção. A não ser que você seja um procrastinador, preferencialmente, um procrastinador-escritor, eu não espero que você realmente entenda as motivações por trás disso. O caso aqui é disciplina. Ou a falta dela. Conheço escritores que têm a determinação necessária para produzir, sem distrações, pelo tempo que for preciso. São os mesmos que conseguem sentar e escrever, diariamente e por um período fixo de tempo, mesmo que a título de prática, exercício do ofício mesmo. Não é o meu caso. Sofro cronicamente de uma inércia que me faz protelar, por períodos que se estendem de dias a anos, tudo que diz respeito à minha produção. E, uma vez iniciada, há uma série de outras limitações que ajudam a tornar tudo mais arrastado.

A tecnologia, embora não seja ela o problema em si, fornece uma série de ferramentas que contribuem para a procrastinação. Você senta para escrever, entra no editor de textos, mas resolve dar uma checada nos emails. Não custa nada, é rápido. No embalo, você já dá uma conferida no Facebook e aproveita para espiar o Twitter. É claro que eu sei que se trata apenas de sair desses aplicativos, não conectar-se a tais serviços ou simplesmente não entrar na internet. Mas quando você se depara com aquela descrição que não vai pra frente, com aquele diálogo que não rende ou quando você não tem a mínima ideia de para onde a história deveria ir, uma boa escapada é a primeira coisa que seu cérebro vai sugerir.

Porém, nada disso é mais nocivo do que a mais enganadora das artimanhas da mente procrastinadora: a pesquisa. Ingenuamente, você acredita com todas as forças que pesquisar sobre um determinado fato, um período histórico, um lugar ou qualquer outra coisa que, supostamente vá ajudar a construir uma melhor trama ou personagem, é exatamente o que você precisa naquele momento. E aí, de um site qualquer você pula para o próximo, depois para outro, para mais um e, quando percebe, você está a anos luz de distância do objeto inicial da pesquisa. Da Revolução Russa aos cortes de cabelo do Nicolas Cage em alguns cliques.

E não me entenda mal. Eu sou o maior entusiasta dos computadores, tablets, smartphones e gadgtes em geral, mas, de uns tempos para cá, tenho percebido que a minha inabilidade em me desconectar (além da rotina brutal nas minas de carvão da propaganda) têm comprometido a minha produção literária. E se a coisa não foi pra frente, não é por falta de tentativa. Eu já instalei no computador, por exemplo, programas que permitem que você defina uma lista de softwares a serem bloqueados toda a vez que você precise se lançar a uma tarefa específica, no meu caso, escrever. Ou seja, só o editor de texto fica liberado e você não pode fazer mais nada. Funciona bem quando você não sai do aplicativo, não reinicia o computador e assim por diante.

Pois bem, é aqui que entra a máquina de escrever. A coisa é muito simples: é você e ela. Pra começar, não há copy, cut and paste, nem backspace. Alterar, apagar, voltar e reescrever são verdadeiros assassinos de produção intelectual porque são ferramentas que induzem a uma postura totalmente racional enquanto, nesse momento, tudo deveria ser completamente intuitivo. Se trata de entrar em um estado onde é possível seguir o fluxo de consciência, que possibilita que o que está sendo posto no papel (nesse caso, literalmente) venha em uma forma mais bruta, não lapidada, e, portanto, mais autêntica, mais pura. Naturalmente, existe um momento onde o texto vai ser mudado, reescrito, reorganizado e melhorado, mas isso deve acontecer depois. A máquina de escrever só permite duas opções: ou você para ou prossegue.

O mesmo princípio se aplica às demais distrações. Não há facebook para onde fugir, nem emails piscando na barra de tarefas nem Google para se lançar em pesquisas sem fim. A máquina de escrever não é multitask e essa é sua grande vantagem. E, claro, há também os prós óbvios: você não fica impossibilitado de escrever quando falta luz, não há sistema operacional para travar, nem vírus, nem o risco de você perder subtamente diversas páginas que acabou de escrever.

No final das contas, a coisa toda é um experimento. E tem sido bem divertido. A escolha do modelo, por si só, já foi um deleite. Optei pela Olivetti Lettera 32, uma portátil da década de 60. A minha foi fabricada no México. Achei no Mercado Livre, por R$90,00. Gastei mais uns trocados para a revisão e ela ficou impecável. O fato de ser o mesmo modelo que Cormac McCarthy usava, um dos meus escritores prediletos, também pesou na decisão. Por sinal, esse texto foi escrito nela e tudo correu muito bem. Sem emails, sem internet, pesquisas ou distrações digitais. E, cá entre nós, tem um certo charme na imperfeição de um texto datilografado, aquela folha castigada, com aquela intensidade irregular entre letras ao longo do texto.

E, claro, ela não tem arrouba no teclado. Mas até agora, não tem me feito nenhuma falta.

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