Entre as vantagens de viver em uma cidade tão segura como Coimbra está a liberdade de poder perder-se por caminhos desconhecidos pelo simples prazer de, ao final, se encontrar em um lugar já conhecido.
Quando queria ficar sozinha com meus pensamentos, saía de casa sem destino — ou com destino certo, mas sem horário –, aventurava-me em becos e ruelas desconhecidos ou subia ladeiras e escadas para descobrir o que tinha no topo. Ao invés de medo, carregava comigo o prazer de apreciar e registar os detalhes que encontrava pelo caminho, e de saber que ao final chegaria a algum lugar conhecido. Isso trazia uma sensação de segurança e de controle.
Eu, literalmente, me perdia para me encontrar, sem receio do que pudesse acontecer no trajeto.
A própria mudança para Portugal foi uma experiência de desvio de caminho. Coimbra surgiu em minha vida sem aviso e sem planejamento. Durante os dois anos em que lá permaneci vivi um constante processo de me perder e me (re)encontrar. Fiz isso literal e metaforicamente por tantas vezes que um dia, quando me perdi durante uma viagem à França, ao invés de medo ou preocupação, fui impulsionada a descobrir aonde tinha chegado.
Havia descido na estação de trem errada. Não havia bilheteria ou funcionários que pudessem prestar informações e nenhuma sinalização a indicar onde eu estava. Por sorte, um rapaz muito solícito esforçou-se para explicar que eu deveria descer para pegar a linha do outro lado da estação e aguardar pelo próximo trem. Mas para desespero dele, não foi o que fiz (senti-me levemente culpada por deixá-lo preocupado, mas o impulso de explorar foi mais forte).
Apesar de entender quase nada de francês, compreendi o que ele disse, mas aquele era meu momento de me perder: saí da estação e fui conhecer aquele lugar. Descobri que estava em Massy, em meio ao caminho francês de Santiago de Compostela.
Minha sensação foi de ter chegado a um lugar conhecido, mesmo sem jamais ter estado lá antes.
Foi então que compreendi: não importa quantos desvios façamos em nossa vida, Deus sempre nos guia a um lugar seguro, o lugar certo.
É assim que tenho encarado minha vida ultimamente. Foram muitos os desvios que fiz nos últimos anos e durante algum tempo angustiei-me com a sensação de estar perdida, de não saber para onde estava sendo levada, ou que fazia naquele “lugar”. Mas aos poucos pude compreender que todos me levaram a um lugar seguro no processo de autoconhecimento. Os novos caminhos, planejados ou não, acabaram por revelar novas nuances de mim mesma.
Sinto-me hoje capaz de assumir o controle da minha própria vida e, ao mesmo tempo, segura para enfrentar as surpresas que ainda virão.
Sei que agora posso decidir aonde quero chegar, traçar um percurso e seguir sem medo de pegar atalhos, ou de me perder durante a caminhada porque, de uma forma ou de outra, chegarei ao destino certo.