Perder-se para se encontrar

Ângelas
3 min readNov 17, 2018

Entre as vantagens de viver em uma cidade tão segura como Coimbra está a liberdade de poder perder-se por caminhos desconhecidos pelo simples prazer de, ao final, se encontrar em um lugar já conhecido.

Quando queria ficar sozinha com meus pensamentos, saía de casa sem destino — ou com destino certo, mas sem horário –, aventurava-me em becos e ruelas desconhecidos ou subia ladeiras e escadas para descobrir o que tinha no topo. Ao invés de medo, carregava comigo o prazer de apreciar e registar os detalhes que encontrava pelo caminho, e de saber que ao final chegaria a algum lugar conhecido. Isso trazia uma sensação de segurança e de controle.

Eu, literalmente, me perdia para me encontrar, sem receio do que pudesse acontecer no trajeto.

Caminho que encontrei quando me perdi: Coimbra, Portugal

A própria mudança para Portugal foi uma experiência de desvio de caminho. Coimbra surgiu em minha vida sem aviso e sem planejamento. Durante os dois anos em que lá permaneci vivi um constante processo de me perder e me (re)encontrar. Fiz isso literal e metaforicamente por tantas vezes que um dia, quando me perdi durante uma viagem à França, ao invés de medo ou preocupação, fui impulsionada a descobrir aonde tinha chegado.

Havia descido na estação de trem errada. Não havia bilheteria ou funcionários que pudessem prestar informações e nenhuma sinalização a indicar onde eu estava. Por sorte, um rapaz muito solícito esforçou-se para explicar que eu deveria descer para pegar a linha do outro lado da estação e aguardar pelo próximo trem. Mas para desespero dele, não foi o que fiz (senti-me levemente culpada por deixá-lo preocupado, mas o impulso de explorar foi mais forte).

Caminho francês de Santiago de Compostela — Massy, Ile-de-France

Apesar de entender quase nada de francês, compreendi o que ele disse, mas aquele era meu momento de me perder: saí da estação e fui conhecer aquele lugar. Descobri que estava em Massy, em meio ao caminho francês de Santiago de Compostela.

Minha sensação foi de ter chegado a um lugar conhecido, mesmo sem jamais ter estado lá antes.

Foi então que compreendi: não importa quantos desvios façamos em nossa vida, Deus sempre nos guia a um lugar seguro, o lugar certo.

É assim que tenho encarado minha vida ultimamente. Foram muitos os desvios que fiz nos últimos anos e durante algum tempo angustiei-me com a sensação de estar perdida, de não saber para onde estava sendo levada, ou que fazia naquele “lugar”. Mas aos poucos pude compreender que todos me levaram a um lugar seguro no processo de autoconhecimento. Os novos caminhos, planejados ou não, acabaram por revelar novas nuances de mim mesma.

Sinto-me hoje capaz de assumir o controle da minha própria vida e, ao mesmo tempo, segura para enfrentar as surpresas que ainda virão.

Sei que agora posso decidir aonde quero chegar, traçar um percurso e seguir sem medo de pegar atalhos, ou de me perder durante a caminhada porque, de uma forma ou de outra, chegarei ao destino certo.

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Ângelas

Versões de mim que não cabem no que sou. Ou o que sou disfarçada em diferentes versões para caber no mundo.