Como é a produção do Tempos Fantásticos

Da concepção à impressão

Angelo Dias
8 min readOct 24, 2016

Eu edito e escrevo um jornal de ficção especulativa, o Tempos Fantásticos. A ideia do jornal é se parecer ao máximo com um jornal de verdade —tenho anúncios, colunistas, quadrinhos, notícias, obituário e outros elementos que vão surgindo pelo caminho (como textos tendenciosos e anúncios cheios de mistério).

A maior diferença entre o meu jornal e uma publicação real é a questão temporal. Os jornais são diagramados, preenchidos e impressos em questão de horas, enquanto o Tempos leva em torno de 30 dias para ser produzido.

A concepção

Ao contrário do jornalismo diário —área em que trabalho— o Tempos Fantásticos é pensado com o design antes da informação. Primeiro a página é montada visualmente para depois preenchê-la com conteúdo. Com essa liberdade, posso brincar com os formatos sem me preocupar com cortar textos ou deixar espaços de sobra.

A diagramação do jornal é feita no software InDesign CC. Como eu já tenho um projeto gráfico (tema para outro texto), já sei como os formatos se comportam na página. Penso em um risco e o aplico. O problema é que devo equilibrar os módulos fixos (como o editorial ou obituário) com os móveis (manchete, notícias, notas e anúncios).

Para ilustrar usarei imagens como a acima. A cor cinza significa o que está fora da mancha editorial, ou seja, o que não pode ser modificado, como o título do jornal e a pequena tira que fica ao pé da capa. A cor verde simboliza módulos fixos —no exemplo, dois colunistas e um editorial. A cor amarela simboliza elementos visuais, como infografias e ilustrações —no exemplo, a tira Perdido no Espaço.

No exemplo ao lado temos outra possível montagem da capa do Tempos Fantásticos. Nele, movi as duas colunas para a página dois e aumentei o número de textos na capa. O único elemento fixo textual é o editorial e os quadrados amarelos são a tira e uma infografia ou ilustração.

Perceba que eu não excluí as colunas, elas apenas foram movidas para o verso do jornal. O real quebra cabeças é fazer com que tudo encaixe de um jeito bonito sem deixar nada de lado.

Duas páginas

Vamos supor que o exemplo acima foi o escolhido. Vamos incrementá-lo com a segunda página e adicionar uma nova cor para os anúncios.

Uma das maiores inspirações do Tempos Fantásticos é o livro Mez da Grippe, do curitibano Valêncio Xavier (aceito de presente). Portanto, a inserção de anúncios não tem cunho comercial e sim narrativo. Alguns deles são reais, com produtos ou serviços de verdade, enquanto outros só seguem a linha ficcional de viagem no tempo do jornal.

Agora temos os dois espaços para os colunistas, o espaço central para o obituário e dois módulos de texto —um para uma notícia e o outro para o colunista Marcus Maximiliano —que não é um elemento fixo por motivos especiais.

Agora é a hora de pensar no que vai entrar nos espaços livres.

Os textos

Preciso decidir que texto vai entrar em que lugar. O editorial fica sempre por último, junto com o obituário. Sobram oito espaços textuais a preencher e cinco gráficos (contando os anúncios). É nesse momento que entram os colaboradores.

Os colaboradores são pessoas que gostam de criar e da premissa do Tempos Fantásticos. São escritores, desenhistas, designers e/ou desocupados a fim de exercitar a criatividade. Aciono os colaboradores com uma lista de espaços livres e o tamanho de cada texto.

Vamos supor que um colaborador gostou dos espaços azuis da capa e decidiu escrever dois textos, um para cada espaço. Também contatei os colunistas e eles vão escrever no tamanho solicitado —ou, como sempre, vão escrever muito mais e eu vou precisar cortar texto. Já resolvi quatro espaços de texto. Decido que vou escrever os três textos no topo das páginas e lembro o desenhista da tira do seu compromisso.

Acompanhe: além de editar o jornal, escreverei o obituário, o editorial e três textos. Dois colaboradores vão preencher as colunas e um irá criar dois textinhos, além da tira que será preenchida quase sempre por último. Ainda falta um espaço de texto à direita da capa, a ilustração no topo e os três anúncios. É agora que abro para o público os espaços restantes e espero novos colaboradores.

Bordas sólidas: meus textos. Bordas tracejadas: colaborações

Lombadas

Claramente as coisas mudam. Um colaborador surgiu e decidiu pegar o texto à direita da capa, porém o colaborador dos textos sob a tira decidiu não participar mais. Além disso, a ideia magnífica que tive para a história da segunda página acabou não sendo tão boa assim. Resolvi começar tudo de novo e repensar os temas. Ainda nem comecei a rascunhar a manchete do jornal, não recebi os textos dos colunistas e ninguém se interessou pelos anúncios ou infográfico.

Divulgo os espaços para o público e um colega se interessa por um textinho. Outro quer fazer um anúncio, o pequeno. As colunas chegam, uma delas com mil caracteres a mais do que esperava, outra com trezentos a menos. Minha segunda ideia para o texto da segunda página é melhor mais ainda não é nota dez. Isso em torno do 7º dia de edição:

Atualização do exemplo

Paro de escrever para editar as colunas. Consigo cortar os mil caracteres e peço para o outro colunista acrescentar trezentos. Para a minha alegria, ele adiciona logo quinhentos e eu sou obrigado a cortar as sobras. O colaborador envia o anúncio em cores —por mais que o Tempos Fantásticos seja preto e branco. Peço uma correção.

Tive uma ótima ideia para o texto que sobrou na primeira página e o preencho rapidamente. Ótimo, três textos a menos.

Após alguns dias recebo o anúncio correto e os dois textos da capa. Porém, um colaborador surpresa quer o espaço que eu já havia preenchido. Não tem problema, salvo o texto para a próxima edição.

No 10º dia já escrevi os dois textos da página dois. Faltam os anúncios e o obituário.

Os textos finalizados estão hachurado

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Por volta do 15º dia o jornal está quase completo, e isso significa problema.

Um dos colunistas quer mandar uma nova versão do texto. O colaborador da capa disse que vai atrasar a entrega. Começo a escrever a manchete ainda sem infografista ou ilustrador. Divulgo mais uma vez os espaços vagos nas redes sociais e um colega quer preencher um dos anúncios. Diz que me envia até o dia seguinte.

O colunista envia uma nova versão com os mesmos mil caracteres a mais. Paro tudo e vou cortá-los. A tira chega e —pasmem— cabe perfeitamente, sem edições. Peço para um colega fazer a infografia e ele diz que talvez, se der, não sei. Melhor que um "não". Esqueço a ideia da manchete e vou para o obituário, minha seção favorita do jornal.

Até o 20º dia todos enviaram suas colaborações. Agora só preciso ler todos os textos, editá-los e revisá-los, escrever o que falta (manchete, obituário e editorial), cobrar o infográfico e inventar dois anúncios.

Quase lá

Pronto para a impressão

Em torno do 25º dia, tudo está pronto. A manchete foi escrita, o infográfico chegou, os anúncios foram inventados e os textos, revisados. Reservo dois dias para a finalização do obituário e a escrita do editorial.

Após esse tempo, o jornal está completo, pronto para a impressão.

Pronto, tudo completo.

Por razões financeiras, imprimo o Tempos Fantásticos em uma papelaria bem comum. É de praxe dar problema na impressão e demorar horas para sair de lá com vinte cópias do jornal.

Caminho até a papelaria, pego a senha, dou meu pendrive ao atendente, observo sua briga contra a impressora (e como ela sempre o subjulga). A primeira impressão sai e… o segundo anúncio está com problema. Saiu em branco.

Volto para casa, faço um novo PDF, volto à papelaria e o jornal sai como deveria sair. Porém, por algum motivo, o preto da tira está muito carregado e preciso voltar para casa para deixá-lo mais cinza.

Após idas e vindas, retorno com vinte cópias do Tempos Fantásticos sob meus braços. São poucas cópias feitas com suor e amor, no tempo livre, entre trabalho, comida e cama.

Acima, cinco edições do Tempos Fantásticos

A venda

A pior parte do processo é a venda. Sou um péssimo marketeiro e horrível vendedor. Adoro fazer o jornal mas não sei vendê-lo. O coloco à mostra no trabalho e o anuncio via internet. Infelizmente, das vinte cópias só são vendidas três ou quatro.

Estou trabalhando em um modo de oferecer o jornal por assinatura. Eu adoraria ouvir (ou ler nos comentários) se você se interessa por esse formato.

Ainda tenho cópias de todas as edições do Tempos Fantásticos em estoque.

Se você leu até aqui e gostou do processo, o que acha de adquirir um exemplar ou dois? Melhor ainda, você pode baixar a primeira edição de graça aqui.

Acesse A Loja Atemporal e adquira a edição digital do Tempos Fantásticos agora mesmo, ou mime a sim mesmo e compre a melhor versão: em papel A3 preto e branco, frente e verso.

Tem perguntas? Dúvidas? Críticas? Comente abaixo e vamos estabelecer um canal de comunicação.

O que acha de clicar no coração aí embaixo e compartilhar esse texto com os amigos? Assim mais pessoas podem conhecer a maravilha da imprensa intertemporal, o Tempos Fantásticos.

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Angelo Dias

Designer e escritor. Edito e escrevo um jornal de ficção especulativa em www.temposfantasticos.com. Conheça meu trabalho em www.angelodias.com.br