De bike ao trabalho: 12 descobertas em 6 meses

Anselmo Massad
8 min readMay 10, 2016

--

Depois de adiar o plano de usar os pedais como meio de transporte urbano cotidiano, comecei. O que aprendi ao ir de bike ao trabalho durante os primeiros 180 dias

Após algumas semanas de uma mudança interestadual, instalado em Joinville (SC), decidi passar a ir de bike ao trabalho. E a voltar também, é claro. São 6,5 km por trecho, totalizando 13 km por dia. Em meu ritmo de iniciante, são 25 minutos pela manhã e outros 25 pela noite. Desde que fiz essa opção, posso dizer que aconteceram algumas mudanças na percepção do ambiente a minha volta, do trânsito e da nova cidade.

Tem bicicleta na pista Foto: Commons Wikimedia

Aos curiosos, a bicicleta que comprei é usada, mas confortável. O caminho, uma via de mão-dupla bem sinalizada, sem ciclovia, precisando de uma duplicação. O asfalto está em estado de conservação sofrível, pedindo um recapeamento amplo, geral e irrestrito.

Passa moto, passa carro, passa caminhão e ônibus. Tem bastante gente dando banda de zica, pra falar em “catarinês”, poucos caminhantes. Muitas chácaras, algumas fábricas, dois postos de gasolina, um radar de controle dos 60 km/h de velocidade máxima e muitos veículos correndo além desse limite em todo restante do caminho.

De bike ao trabalho, cansa mas chega

Como não tem ciclovia em trecho algum, sigo o que o Código Brasileiro de Trânsito em seu artigo 58 prevê:

Art. 58. Nas vias urbanas e nas rurais de pista dupla, a circulação de bicicletas deverá ocorrer, quando não houver ciclovia, ciclofaixa, ou acostamento, ou quando não for possível a utilização destes, nos bordos da pista de rolamento, no mesmo sentido de circulação regulamentado para a via, com preferência sobre os veículos automotores.

Em português: conduzir a bike pelo lado direito da pista, facilitando ultrapassagens sempre que possível.

São poucas subidas e descidas, relativamente suaves. Então, aos tópicos:

1. O que tem pelo caminho

Além das chácaras e das indústrias, tem muita coisa que só pude notar ao passar de bicicleta. Tem dois cemitérios no meu caminho, um desativado e outro, dinâmico como um cometa. Pode não ser o melhor dos presságios. Bem mais animador são dois córregos cruzando a estradinha, que ficam escondidos, assim como quatro floristas e dois mercadinhos. De ônibus ou de carro, nada disso era visível.

Cemitério desativado e cinematográfico. Foto: Cemitério sem Mistério

2. A fauna e a avifauna

Se tem pequenos sítios é porque tem galo, galinha, cavalo, boi e vaca. Tem também pássaros. Para além dos sabiás de coleira e laranjeira, dos bem-te-vis, curruíras, tico-ticos, canários-da-terra, que estão pela cidade toda, há outras espécies. Garças brancas embelezam a paisagem com seu voo elegante, apesar do pouso e decolagem pouco precisos. Quero-queros em abundância, ninhos de joão-de-barro também se amontoam em árvores e postes. Mas meu preferido é a caraúna cara-branca, um pássaro de penas marrom-escuras, quase pretas, porte parecido com uma garça e bico claro, longo e curvo. Tão bucólica visão. Mas nem tudo são flores, mato e roça, porque a urbanidade está toda ali nos carros que passam.

A deselegância discreta do coró-coró. Foto: Cristiano Voitina / Aves Catarinenses

3. Tirar fina é proposital?

Minha velocidade média está abaixo dos 15 km/h, em uma via de 60 km/h. Praticamente todo carro ou caminhão que se aproxima me passa sem dificuldades. A esmagadora maioria dos veículos que me deixa para trás mantém uma distância sadia.

Até entendo que nem sempre haja espaço para manter o 1 metro estabelecido por lei. Mas menos de 20 cm simplesmente não é aceitável. Nos primeiros dias, ao sentir uma fina tirada, me surpreendi pela falta de necessidade daquilo. Com o passar do tempo, notei que as finas mais chatas são tiradas por veículos não em uma curva nem em afunilamento. Nem em um momento em que outros carros estão vindo na direção oposta, reduzindo o espaço na via.

As piores finas, as que passam mais perto, tirando tinta ou até puxando os pelinhos da perna, parecem ser feitas com dolo. A intenção parece ser a de assustar (fosse para machucar, este ciclista teria se esborrachado na primeira tentativa do algoz). Por que assustar? Pouco importa. Pra chegar, pedalar é preciso.

4. Buzina é o novo raio desintegrador

Foto: Filme “O Dia em que a Terra Parou/Divulgação (estrelando Gort, o nada simpático ET.)

Se alguém tivesse inventado um raio desintegrador a preços populares, eu não estaria aqui para escrever isso tudo. Então, sem poder fazer desvanecer no ar o que está na frente, o motorista de enervamento mais agudo usa a buzina. Que não é nova. E tampouco resolve. Alguns motoristas desaceleram e buzinam. Buzinam. Buzinam. Mesmo se não houver para onde ir e mesmo com bastante espaço para ultrapassar.

É o buzinaço em tom de “desapareça”. “De-sa-pa-re-ça!”, “Deeeee-saaaaa-paaaa-reee-çaaaa”.

Entendi, entendi… Só não posso ajudar agora.

5. Nem toda buzinada é igual

“Bi-bi” é uma coisa. “Béééééééééééé… filhodilma…”, é outra bem diferente. Nem toda buzinada é para fazer o ciclista desaparecer, até porque o pedalante não está imune a erros nem a imprudências. Há alertas de “preste atenção” que o motorista sensato usa, para as quais nem se pode reclamar. Fato é que são minoria. E mesmo assim, igualmente dispensáveis.

6. Motoristas de ônibus odeiam mais

É um feeling, mas tomei mais fechadas, mais buzinadas e mais finas tiradas de ônibus do que todos os outros veículos somados. Constatações sem explicação precisa.

Caminhões assustam, mas respeitam mais, como elefantes que evitam passar perto de um rato. Carros muito velhos respeitam bem. Os de mais de 15 anos de fabricação parecem ter motoristas menos pacientes ao volante.

Carrões cheios de cavalos gostam de rodar muito acima da velocidade máxima permitida, mas passam longe, talvez pra evitar risco de arranhar a pintura. Felizmente são ocasionais. Tive o mesmo tipo de incompatibilidade com ônibus em São Paulo, mais de 10 anos atrás, pedalando a lazer.

7. Buracos não são o pior

Buracos na pista são ruins para um carro, péssimos para a suspensão do caminhão, temíveis para os pneus de um ônibus. Para uma bicicleta, dá-se tudo isso em dobro, porque podem furar a câmara e entortar a roda, derrubar o incauto. Pior do que as falhas no asfalto só as poças d’água, porque são buracos de dimensões e profundidade desconhecidas. Precisam ser desviados com o dobro de rigor.

8. Tinha uma pedra no meio do caminho

Pedregulhos e brita na pista são terríveis e temíveis. A roda da bicicleta perde aderência, a velocidade é reduzida e o esforço se redobra. Mais desagradáveis do que ondulações do asfalto, mais traiçoeiras do que buracos, mais frequentes do que você imagina, as pedrinhas incomodam. E é improvável que elas saiam de lá.

9. Sinalização favorece

É verdade que eu só inclui esse tópico pra dizer que carregava na bolsa, durante as primeiras semanas, uma capa de chuva amarela, estilo Pica-Pau nas Cataratas do Niágara.

Capas de chuva amarela, uma marca registrada. Foto: Reprodução

Ela não era bonita, só funcional.

Mas também é verdade que, ao usá-la, ganhava mais cordialidade dos motoristas. Minha percepção é semelhante à de outros ciclistas que adotam tipos variados de sinalização. Ao chamar mais atenção, parece que o motorista médio se distancia mais, adota mais civilidade no trânsito. Foram zero fechadas tomadas vestindo a tal capa de chuva.

Praticamente é um escudo antifina, uma armadura forjada a plástico e falta de senso de ridículo.

10. Chuveiro no trabalho é bom, não imprescindível

Chegar suado ao escritório é uma cena que desmotiva muita gente a ir pedalando ao trabalho. Uns se imaginam com a chamada pizza debaixo do braço — aquela mancha de suor implacável e nada elegante. Outros temem pelo odor exalado sobre os narizes dos colegas. Há os que não suportam a ideia do suor seco na pele. E os que, como era meu até pouco tempo, só queriam uma desculpa para não começar. Para todos esses, um chuveiro com vestiário no trabalho, associado a uma bolsa ou mochila portando uma muda de roupas, toalha e sabonete, resolvem. É bom contar com esse tipo de estrutura. Mas, diferentemente do que eu acreditava, isso é menos decisivo.

Não era bem esse tipo de pizza na camisa que preocupa. Foto: belovedshirts.com

Após alguns dias na rotina de pedalar, tomar banho no trabalho e ir trabalhar, aconteceu: esqueci toalha e sabonete. Um banho só de água seria tão ineficiente quanto me secar com a camiseta molhada de suor. Alonguei, respirei fundo, lavei o rosto na pia mesmo. E segui o dia sem banho.

Para minha surpresa, o dia transcorreu sem maiores transtornos. Tinha uma blusa reserva na bolsa, que facilitou. Dias mais quentes seguramente são mais críticos, mas à medida que os dias passam, o condicionamento físico vem, a frequência cardiorrespiratória melhora e o suor diminui, relativamente. Ainda prefiro a ducha pós-exercício, é fato. Mas ela definitivamente é dispensável em boa parte dos dias.

11. Foi mais fácil do que parecia

Antes, tinha dúvidas sobre o pós-pedalada, temores sobre o trajeto, receios quanto ao tempo decorrido. Na prática, incorporar ao dia a dia esta etapa da jornada foi mais fácil do que eu esperava. São 5 minutos de alongamento prévio e posterior, uma parada para calibrar os pneus (bike usada já não segura a pressão por muitos dias) e vambora. Tem coisas pra melhorar na bicicleta, e até agora parece que a opção de ir ao trabalho foi bastante vantajosa.

12. Uma pedalada de cada vez

Quando faz muito sol, quando o vento está frio, quando chove… Cada dia tem seu motivo para tirar vontade de pegar a magrela. Pode ser parecido com o ânimo minado de ir à labuta ou fazer qualquer outra atividade rotineira da vida. Às vezes, a preguiça que bate é bem parecida com a que eu tinha de ir até o ponto de ônibus.

Não dá pra comemorar batalha ganha e outros aprendizados ainda virão.

Quando isso acontecer, volto pra contar.

Mas o que impede você de começar a pedalar e ir de bike ao trabalho? Hein? Hein? Hein?

--

--

Anselmo Massad

Marketer, palmeirense, jornalista e pai. Não necessariamente nessa ordem. Também na função de ajudar donos de negócio e contadores na contaazul.com