Estrela de corte (ou perto da distância)

Anthony Almeida
3 min readJul 20, 2023

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Eu sou um sujeito peculiar. Ontontem, comecei a aprender como funciona uma goiva, usei-a para fazer incisões numa matriz de linóleo — mais adiante, farei os talhos numa matriz de madeira — , escavei uma figura de cinco pontas, experimentei outros cortes. Tateei a diferença entre P.A. e H.C., fiz minha primeira P.E., numa impressão a seco. Duas, fiz duas. Uma em giz de cera verde; outra em giz de cera preto. Assinei-as a lápis, como aprendi que tem que ser. Hoje, pretendo imprimir com tinta.

Esse palavreado todo vem da arte da xilogravura e a minha peculiaridade está em começar a experimentá-la justamente em Curitiba. Sendo eu do estado de Pernambuco, já vi algumas muitas xilografias enquanto estive por lá. Mestre Dila, na cidade de Caruaru; J. Borges, em Bezerros; Gilvan Samico, no Recife; inúmeros outros que não gravei os nomes. Todos pernambucanos. Conheço a xilogravura e a linogravura faz tempo. Sei delas por, muitas vezes, apreciá-las impressas em folhetos de literatura de cordel e noutros papéis e painéis.

É um tipo de arte que me interessa faz tempo. Mas, foi aqui em Curitiba que comecei a tateá-la. Agora, me lembrei de um aluno de Caio, impressionado depois de ouvir uma história dele. “Virasse corintiano em Camocim de São Félix, foi, Caio?”. Foi. A experiência de torcer para o time paulista se deu e mexeu com Caio foi numa cidadezinha do interior de Pernambuco e não em São Paulo. Não foi na capital paulista que ele se tornou corintiano, foi em Camocim.

É, pois, em Curitiba, que me disponho a ser xilógrafo. Esta, porém, não é minha única peculiaridade. Também morei no estado de São Paulo. Foi lá, na cidade de Presidente Prudente, que me vi fazendo minhas primeiras aulas de alfaia, o tambor do maracatu. Maracatu que, antes, muito ouvi pelas ruas de Pernambuco. Lá também batuquei zabumba e tilintei triângulo em alguns muitos forrós. Zabumbadas e trianguladas que, antes, muito escutei pelas ruas de Pernambuco.

“Virasse trianguleiro em São Paulo, foi, Anthony?”. De certo modo, sim. “Zabumbeiro também??”. Sim. “Tocador de maracatu em Presidente Prudente!?”. Sim, sim. “Fazedor de xilogravura em Curitiba!!??”. Sim, tô tateando. E não só.

Foi distante de Pernambuco que comecei a escrever sobre o meu lugar, sobre estar com um pé lá e outro acolá. Foi distante de Pernambuco que virei cronista dos meus lugares de anseio e de memória. Foi distante de Pernambuco que escrevi sobre voltar para Pernambuco. Foi de longe da inspiração que trouxe ela para perto de mim. Foi distante que dei um jeito de ficar perto.

É nisso que me acho peculiar. Mas sinto que não sou o único a ter dessas vivências. Apesar de ter surgido duma experiência de natureza diferente, o exemplo do corintiano Caio talvez possa me ajudar a validar esta hipótese. Talvez. Só talvez. E eu, também talvez, aprenda a fazer boneco de barro e a tocar pife bem longe de Caruaru.

Curitiba, 20 de julho de 2023.

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Anthony Almeida

Geógrafo, professor e cronista. Pesquiso a Geografia Literária, escrevo e estudo a crônica brasileira. Doutorando em Geografia. Editor-adjunto da Revista RUBEM.