Odisseia junina

Anthony Almeida
3 min readJun 29, 2023

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Eu nem cogitei escrever sobre o São João daqui de Curitiba. Para que me aperrear com isso? Sei que não há grandes festejos juninos na capital paranaense. Vocês, entretanto, se preocuparam comigo e com essa ausência. Agradeço a preocupação, muito obrigado. Li as muitas mensagens de celular enviadas, ouvi vocês pessoalmente e senti as apreensões dos que estão por lá e dos que estão por cá.

“Nossa, você deve sentir muita falta de lá, né? Um monte de comida gostosa nessa época e você aqui…”, lamentou um paranaense.

“Achou alguma festa de São João por aí? Vai comer algum milhinho?”, me questionou, esperançoso, um pernambucano.

“Ah, mas temos a feirinha de inverno, podemos tomar um delicioso quentão. Tem com marshmallow e com gemada, eu prefiro puro”, tentou amenizar, encontrar um lado positivo, uma paranaense.

“Olha aí, meu filho, tô te mandando uma foto da nossa fogueira de São João e também um milho assado, pra esquentar a tua alma”, me consolou e também me atiçou o meu pai.

“Pelo menos não está tão frio”, me apaziguou a paranaense.

“Algum lugar você deve encontrar por aí, nem que seja só um milho cozido e dois nordestinos batendo bombo e cantando forró”, me alentou o pernambucano.

Pessoal, agradeço novamente. Mas, preciso ser sincero, não fui atrás nem de milho e nem de quentão. Dispensei a fogueira e me agasalhei com a jaqueta jeans, que o frio está pequeno. Aquecido dentro do que me foi possível, fui foi ao cinema. Na programação do Cine Passeio, um clássico — 2001: uma odisseia no espaço. Tenho certa simpatia pela jornada de Odisseu, escolhi, portanto, este filme para atravessar a noite de São João. Dela, duas coisas tenho para contar.

Primeiro, que um filme clássico, quando passa no cinema, atrai muita gente. Assistir àquelas belas cenas no telão é uma oportunidade singular. Fui comprar o meu ingresso na bilheteria, mas, enquanto falava com o bilheteiro, avistei o totem de autoatendimento. Achei que comprar direto no totem combinaria muito mais com o filme. Fui até ele e, ao tocar a sua tela e ir avançando na compra, cheguei à escolha do assento. Só havia uma poltrona disponível. Era a minha. Foi ela que o destino me reservou. Da F3 fui até o espaço.

Segundo, lembro-me que já tentei assistir a este filme. Como tantos espectadores, dormi, naturalmente. Justifico-me, a tentativa ocorreu no meio duma madrugada. Claro que cochilaria. Logo após a festa de Ano Novo de 2000 para 2001, depois do show da virada, a odisseia espacial passou na TV. Achei um belo gancho. Tentei ver, mas falhei. Tanto melhor. O futuro me reservou o impacto diante da telona.

Ao final da sessão, sensibilizado pelo filme e pelas vossas mensagens, saí a caminhar pela noite curitibana e, sem tanta vontade, resolvi testar o destino mais uma vez, averiguar se ele me daria um forró pelo percurso. Lembro-me que, numa das ruas que ladeiam a Praça Santos Andrade, outra noite, eu vinha passando e escutei um forró chocho saindo de um botequim. Coloquei o tal boteco, então, na minha rota.

Mas, mesmo sendo 24 de junho, hoje não foi dia de forró. Entrei e testemunhei a fauna toda animada com um sambão. Cantavam, dançavam e suavam. Dispensei-os e segui o meu rumo. Hoje não foi dia de forró.

Antes de terminar a noite, porém, procurei um lanche: um x-calabresa, duas pepsis ks e depois a cama. E, para não fechar a data sem nadica de São João, degustei uma bela paçoca de rolha de sobremesa. Comprei um pote. Vocês querem uma?

Curitiba, 24 de junho de 2023.

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Anthony Almeida

Geógrafo, professor e cronista. Pesquiso a Geografia Literária, escrevo e estudo a crônica brasileira. Doutorando em Geografia. Editor-adjunto da Revista RUBEM.