Ruas fáceis e difíceis

Anthony Almeida
2 min readJun 9, 2023

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“Ruas difíceis me apaixonam”, pesquei isso, duvido que vocês adivinhem, numa crônica de?

Sim, foi dele mesmo.

Minhas primeiras caminhadas têm sido pelo bairro das Mercês, onde fica o hostel. Ou será que se fala de outro jeito, bairro Mercês, talvez? Onde estou provisoriamente, no Mercês ou nas Mercês?

Ficarei com a última opção. Seguirei o mesmo padrão do bairro caruaruense onde me criei, o bairro das Rendeiras. É lá nas Rendeiras que moram minha mãe e meu pai.

Nas Mercês caminho e, aos olhos, as ruas são muito fáceis. As calçadas são largas, algumas têm até jardinetes e cercadinhos. Dentro deles, diante dos restaurantes da Avenida Manoel Ribas, a clientela pode degustar os sabores dos pratos e vinhos enquanto contempla as andanças alheias. Sou parte destes alheios.

Perambulo as largas calçadas, pavimentadas de paralelepípedos. Alguns são azulados e outros cinzentos. Desenham mosaicos no chão fácil. Fácil e, de certo modo, agradável, bonito mesmo, para os olhos. As avenidas e até algumas ruas residenciais têm o chão de asfalto. Outras ruas também são de paralelepípedos, estes, por sua vez, são meio amarronzados e harmonicamente encaixados entre si.

É um bairro bacana, de bacana, e bacana para desafiar com os pés. Desafio aceito, lá vou eu. Vou e volto. Vou e torno a voltar. Os sapatos são o principal meio de transporte destes meus primeiros dias curitibanos. Levo 40 minutos daqui até o Centro e mais 40 de lá para cá. É, nesse vaivém espacial, que o fácil torna-se difícil.

Ter que andar esta quase hora e meia para e ir voltar não é bem uma dificuldade. Tenho achado este pêndulo até proveitoso. Os pulmões e os olhos me agradecem. São os pés que me reclamam. Em especial, os tornozelos.

O chão de paralelepípedos, apesar de vistoso, é irregular e a caminhada, com os dias, vai tornando-se penosa para as plantas dos pés. Trouxe comigo só um velho par de tênis vermelho. Revestido de tecido, em certa medida confortável, avaliei que ele seria capaz de enfrentar o chão curitibano. Os tornozelos, contudo, gritam-me que não são.

Calma, meus amigos. Aguente só mais um pouco, eu.

Desço a ladeira de paralelepípedos das Mercês, com estes velhos sapatos encarnados, para buscar algo de bom. Um reforço para enfrentar as ruas difíceis. Vou arrumar um par de tênis de skatista. Um auxílio confortável e valente para enfrentar este chão. Vou e voltarei, mais uma vez pêndulo, com os pés abrigados contra a ladeira, os paralelepípedos e o mundo.

Curitiba, 20 de maio de 2023.

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Anthony Almeida

Geógrafo, professor e cronista. Pesquiso a Geografia Literária, escrevo e estudo a crônica brasileira. Doutorando em Geografia. Editor-adjunto da Revista RUBEM.