Tango curitibano

Anthony Almeida
4 min readJun 28, 2023

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Cheguei na cidade rebocando a minha bagagem e os meus anseios, procuro abrigo, uma casa sazonal que me sirva pelos próximos pouco mais de dois meses. Antes da viagem, via internet, eu até que olhei alguns hotéis e pousadas, mas decidi que não reservaria nada. Pelo menos não para a temporada inteira. Um quarto de hostel para a primeira noite e logo de manhã meterei o pé na rua. Me permitirei a experiência de caminhar pelo Centro de Curitiba, me entregarei numa busca empírica pela casa. Que a cidade me diga onde será o meu novo lugar. Cheguei, vou às ruas e as ouvirei.

Dia 1
Quinta-feira
18 de maio de 2023

Para começar, escolhi o hostel mais barato que encontrei na internet. Com uma decoração temática de música, cada quarto tem um estilo. A recepcionista me mandou que repousasse no dormitório clássico. Fui, apreciei a melodia por uma noite e, logo mais, tchau. Vou em busca de algum lugar agora de manhã e, no início da tarde, quando vencer a diária daqui, me mudo para lá. Simples.

Penso, quem sabe, o Hotel do Sesc? Tenho a carteirinha de associado do Serviço Social do Comércio, certamente terei desconto nas diárias. Não tem Hotel do Sesc em Curitiba. Parto, então, numa caminhada pelas ruas do Centro, que os letreiros e fachadas me digam o que podem me oferecer.

Caravelle Pallace: sem vagas. Hotel Vitória Régia: “não aceitamos hóspedes por temporada, mas temos quartos disponíveis por 2h, caso o senhor deseje”. Hotel Don Juan: trancado. Pensionato Sauer, no primeiro andar da Panificadora Fênix: “aí em cima, o prédio tá abandonado, moço, essa placa é antiga”. Hotel Tibagi: 2 mil reais até o fim do mês não é um valor que cabe no meu orçamento. Fim da primeira manhã. Além das ruas, decido consultar um mapa online.

Flat Hotel Paraty: não atende a campainha. All You Need: descoladíssimo e caríssimo. Hotel Curitibano: sem vagas. Hotel Cervantes: sem vagas. Pensionato no primeiro andar do Sebo Só Ler, visto no mapa online: anúncio, aparentemente, falso. Fim da primeira tarde. Eu não esperava que a dança para encontrar outro abrigo fosse tão difícil. Volto para o hostel, pago mais uma diária, mais uma ficha na radiola de música clássica, e começo a me preocupar. Peço, inclusive, que os meus contatos curitibanos me acudam, caso saibam de algo.

Dia 2
Sexta-feira
19 de maio de 2023

Pé na rua novamente. Pousada Atalaia: sem vagas. Pensão Solares: “estamos sem quartos disponíveis no momento, senhor”. Hotel Golden Star: hóspede apenas no sistema de pagamento de diárias. Pensionato que não vou nomear: que tal um quartinho todo mofado, no fundo do prédio? Windsor Flat Curitiba: “aqui é um condomínio residencial, senhor”. Hotel Lisboa: sem vagas. Piratini Hotel: não aceita hóspedes por temporadas. City Hotel: “pra negociar o mensalista, só com a gerente, daí, e ela não tá aí, daí”. Fim da segunda manhã. Passo, então, a contatar por telefone alguns dos endereços que me mandaram em auxílio.

Casa do Estudante: em reforma. Fast Flat: o contrato deve ser feito para uma temporada mínima de três meses. “Dois e meio, não?”. “Não”. Pousada Shalom: contrato mínimo de seis meses. Monsenhor Flat: um pouco caro, mas, pelo andar da situação, pode ser que seja um plano b factível. Hotel Piemont: sem vagas. Tinylife: quarto com a cama sem colchão. Pensionato que não vou nomear 2: parece um cativeiro. República Rebouças: longe. Kitnet Jardim das Américas: contrato de seis meses. Gup Hostel: caro para dormir em quarto coletivo. Fim dos contatos. Retomo as caminhadas.

Grande Hotel Itamaraty: sem vagas. Rede Andrade Mercado: “tá lotado até a segunda-feira, senhor”. Casa do Estudante Luterano: não atende a campainha. Pousada que não vou nomear 3: um muquifo. Pensionato Casa Amarela: não atende. Hotel Solar Residence: “talvez a gente tenha uma vaga, mas só vamos saber na quarta-feira, senhor”. Mansão Amarela: pagamentos apenas no dinheiro. Fim da segunda tarde. Mais uma ficha na radiola.

Dia 3
Sábado
20 de maio de 2023

Com os pés e os tornozelos doloridos de tanto andar à toa, invisto na retomada do mapa online e em outra abordagem: a suposição pessimista. Aymoré Hotel: deve ser caro. Laos Hotel: vai dar errado. Pensionato Ermelino: não vai ter vagas. MoreBem Hotel: vai ser só por seis meses. Pensionato no primeiro andar do Bom de Queijo: não vai ter quarto. Fim da terceira manhã e da minha paciência. Vou é ficar aqui mesmo.

Fico, mas me mudo de quarto e de ritmo. Acho que o quarto tango combina direitinho com o contexto. Nele, Carlos Gardel, estampado na parede, declara:

“Pero el viajero que huye
Tarde o temprano detiene su andar”

Detiene, sim, Gardel. Cansei de huir, pena que não percebi isso logo temprano.

Curitiba, 21 de maio de 2023.

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Anthony Almeida

Geógrafo, professor e cronista. Pesquiso a Geografia Literária, escrevo e estudo a crônica brasileira. Doutorando em Geografia. Editor-adjunto da Revista RUBEM.