3 séries que talvez ninguém tenha te sugerido até agora

e suas formas delicadas de abordar o elemento humano

João R.

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Game of Thrones, Stranger Things e How I Met Your Mother:
Exemplos que figuram com segurança no hall das séries mais indicadas em rodas de amigos. Fala a verdade: Se você tem entre 15 e 80 anos, já ouviu amigos ou familiares falando sobre qualquer uma delas — de forma passional, provavelmente. São nomes que fazem parte do inconsciente coletivo.

Sem querer ser aquele seu amigo que nunca gosta de nada que está na moda e só consome conteúdo que ninguém nunca viu, meu humilde objetivo nesse texto é te falar de três séries excelentes que não tiveram o mesmo sucesso no boca a boca, e como suas formas de lidar com constantes humanas podem estar relacionadas a isso.

Derek

Reino Unido, 2012–2014, 2 temporadas
Channel 4 / Netflix

Um dos projetos menos conhecidos de Ricky Gervais (consagrado pela criação da série The Office e famoso por apresentar premiações de forma controversa), a série de apenas 14 episódios retrata a vida de Derek Noakes, um ajudante numa casa de repouso. Sua personalidade simplória e infantil mesmo na vida adulta e sua motivação cega em busca da felicidade das pessoas ao seu redor possibilitam pontos de vista emocionantes, intensificados pelo ambiente onde está inserido: Independentemente da falta de recursos latente do local, ou de pessoas externas que trazem problemas pessoais a seus parentes idosos e da proximidade da morte desses, Derek oferece de coração aberto — e sem as capacidades tradicionais de uma pessoa adulta — carinho incondicional a toda e qualquer pessoa.

Derek apresenta personagens, tramas e locações num primeiro momento deploráveis (um protagonista aparentemente atrasado, cercado por pessoas à beira da morte, numa casa de repousos pequena e pobre) para nos desarmar de qualquer porto seguro e então nos oferecer a simples bondade do ser humano como contraponto inevitável a todo e qualquer problema ou julgamento.

“Just be good. I’m good. Not cos I think I’ll go to heaven but because when I do something bad, I feel bad. And when I do something good, I feel good.”

Detalhe especial: Não bastasse derreter o coração do espectador através do amor fraternal, Derek também ama intensamente os animais. Durante o seriado há não só cenas emocionantes envolvendo o assunto como outras divertidas, como essa e essa, onde Derek assiste vídeos musicais de bichinhos no youtube.

Please Like Me

Austrália, 2013–2016, 4 temporadas
ABC / Netflix

Logo na primeira cena do seriado, conhecemos Josh e acompanhamos o término de seu namoro. Claire, até então sua namorada, explica que não podem continuar por um fato: Ele é gay. Sem ter pensado na questão anteriormente, Josh aceita/admite e segue sua vida ao lado de seus pais separados, seu cachorro John e seus amigos mais próximos, Tom e Claire (sim, a mesma Claire). Durante o seriado, somos conduzidos tanto pela nova fase de Josh — conhecendo e se relacionando com garotos, se identificando como gay — como pelos elementos que continuaram iguais independente do fato inicial — sua relação com sua mãe, depressiva e com tendências suicidas, e a batalha de todos nós por grana e estabilidade na vida adulta.

Na verdade, apesar do ponto focal do seriado ser a descoberta da sexualidade de Josh, o que nos é oferecido perifericamente chega a ser igualmente importante: Um retrato do jovem adulto contemporâneo que, em minha humilde opinião, acerta de forma mais leve e menos cosmética que os grandes expoentes atuais do gênero — como Girls e Master of None — e, acima de tudo, um texto extremamente contundente sobre problemas mentais e suas consequências individuais e coletivas.

“Did you know the reason your heart physically hurts when it breaks is because your body doesn’t understand what’s going on? Your body doesn’t know you broke up with someone. It just assumes you must be in trouble, like, poisoned or something. So it’s like, ‘Oh my god, this guy just ate an apple from a witch. Quick, heart, beat faster. We need action now!’”

Detalhe especial: Algo que perpassa a série e a deixa ainda mais interessante é o trabalho musical. Além da abertura contagiante que a cada episódio mostra um momento diferente, várias cenas marcantes através dos episódios têm músicas como pontos de partida: Veja essa, essa, essa, essa e essa (que acabou se tornando a cena mais icônica de todo o seriado, onde Josh e seus amigos cantam Someone Like You ao redor da canja que fizeram de Adele, uma galinha que tinham).

Halt and Catch Fire

Estados Unidos, 2014–2017, 4 temporadas
AMC

No final da década de 80 e início dos 90, o mundo passou pelo boom da computação. Projetos de garagem tornavam-se empresas multimilionárias, empresas que até o momento fabricavam utilidades elétricas tentavam convergir para a onda do momento, gênios da programação despontavam ao redor do globo e a figura hoje comum dos gurus da tecnologia começava a tomar forma. Nesse contexto, em uma empresa de eletrônicos do Texas que recebe a visita de um visionário buscando construir o futuro da computação, se passa Halt and Catch Fire, título que vem de uma expressão utilizada nos princípios da programação a fim de criar uma corrida por prioridade entre diversas funções de um sistema computacional, ocasionando em um possível curto-circuito da máquina. Não só o título se justifica pela relação tecnológica como pelo paralelo conceitual entre as trajetórias de cada pessoa, de cada empresa, de cada invenção: Os elementos definidores dos personagens e suas tramas são a competição, a disputa e o inevitável curto-circuito.

Certamente, o mais interessante de cada arco que a série cria — ao contrário do que geralmente se consome no entretenimento — não é a inovação ou a competição, e sim o curto-circuito. As falhas, tão comuns e necessárias para qualquer campo de trabalho (em especial o tecnológico). Cada personagem se constrói e se destrói diversas vezes ao longo dos anos abordados durante as temporadas. Junto com eles, empresas surgem e vão à falência. Tecnologias são criadas e ficam obsoletas. Ideias nascem, crescem, e morrem. Sem dúvida, o maior diferencial de Halt and Catch Fire é oferecer, ao invés da narrativa de superação comum na ficção porém rara fora dela, histórias sobre os fracassos que são muito mais frequentes à vida real.

“Authenticity is what inspires people. If you want to lead people, you have to show them who you really are. Otherwise, you’re just a thousand-dollar suit with nothing inside.”

Além disso, uma temática que permeia crescentemente a narrativa é a do feminismo. A série, que começa basicamente com dois protagonistas homens, acompanha duas mulheres à margem da história que se provam cada vez mais importantes até se tornarem parte determinante do universo retratado: Conquistam — a duras penas — posições de protagonismo num ambiente tradicionalmente tomado pelos homens.

Destaque especial: A série, que entrou na grade do canal AMC durante o término da consagrada Mad Men, herdou desta o cuidado e a competência com a ambientação de época. Os elementos estéticos mais marcantes das décadas retratadas são representados com perfeição e dão corpo para a produção: Do punk ao eletrônico, dos escritórios e ternos em cinza e bege ao embrião das start-ups modernas e descoladas, do atari aos jogos tridimensionais (aliás, o videogame tem sua própria evolução como um elemento narrativo paralelo às personagens, durante todas as temporadas). Embalando o clima tecnológico-retrô ao início de cada episódio, uma das minhas aberturas preferidas.

Não sei se eu espero que você já tenha, sim, ouvido falar de todas e de preferência assistido a elas (se já conversou pessoalmente comigo sobre séries, certamente já ouviu falar) ou se espero que não conheça — e aí tome com boas impressões as minhas recomendações.

O fato é que são séries que chegaram sem fazer barulho na minha vida e me deixaram boquiaberto de formas diferentes ao longo dos anos. São séries, todas as três, que têm a vantagem do azarão: Precisam de menos para virarem boas surpresas. E são séries, acima de tudo, que falam sobre a vida de formas únicas: Seja pela bondade incondicional, pelo cotidiano de cada relação ou pelas falhas no meio do caminho.

Espero que gostem!
Fiquem à vontade para deixar suas próprias impressões nos comentários! ❤

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João R.

Macaco, praia, carro, jornal, tobogã, eu acho tudo isso um saco.