Por que términos doem tanto?

Aline Cardoso
NeuroBreak
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6 min readSep 6, 2020

Existem vários significados para palavra drama, no teatro por exemplo, drama pode significar um texto escrito para ser encenado. Na linguagem popular, mas não muito longe do teatro, uma pessoa que faz drama ou dramática, é aquela que frequentemente torna suas queixas maiores do que realmente são com objetivo de sensibilizar alguém, sempre envolvendo sofrimento e angústia com exagero.

Essa pessoa pode ser um ator encenando uma grande peça teatral ou a sua amiga dizendo que nunca mais será capaz de amar alguém depois de passar pelo término do primeiro namoro. Acontece que assim como no teatro e nas mais diversas formas de arte, na vida real o fim de um relacionamento amoroso quase sempre carrega uma carga pesada de drama e isso não é por acaso.

A verdade é que não importa quanto tempo você esteve com alguém, ou o quanto você minta pra você mesmo, o término de um relacionamento nunca é fácil, principalmente para aqueles que foram “terminados”.

Términos trazem inevitáveis ondas de emoções que variam entre solidão, tristeza, angústia, sofrimento, raiva. Alguns podem ser tão ruins que você perde a vontade de sair da cama, comer, ou falar com outras pessoas. Tudo o que você quer fazer é ficar deitado, olhando pro nada, preso em seus pensamentos, chorando e torcendo pras sensações de alívio chegarem logo e você retornar a um estado de felicidade depois da fatídica volta por cima.

Todo mundo vai passar por isso um dia.

Pode acontecer uma, duas, três, várias vezes ao longo da vida e toda vez que acontecer vai ser tão ruim quanto a primeira.

Mas por que uma pessoa adulta mesmo depois de passar por essa situação tantas e tantas vezes só não aprende a lidar com isso da maneira mais fácil e menos dolorosa possível?

Talvez a resposta esteja na maneira como nosso cérebro processa separações e rejeições.

Por muito tempo cientistas das áreas da psicologia e neurociências têm discutido a importância da conexão social para a sobrevivência humana.

Alguns descrevem que foi através da vida em comunidade que o ser humano conseguiu garantir a obtenção dos recursos necessários para sobreviver como espécie. Isso porque em grupo era muito mais fácil coletar comida, procurar água, construir abrigos, ou até mesmo lidar com as ameaças de predadores.

As teorias de apego descrevem que os humanos, assim como outros animais, aprendem desde muito cedo a procurar refúgio em quem confiam, tanto em momentos de necessidade, como fome e frio, quanto para procurar conforto através do toque.

Isso acontece porque bebês humanos nascem relativamente imaturos, ou seja, sem a capacidade de se alimentar ou cuidar de si mesmos e por muitos anos precisam dos cuidados desses laços sociais para sobreviver.

Estudos mais recentes têm tentado avançar ainda mais essa ideia, propondo que, assim como a falta de outras necessidades básicas,

a falta de conexão social também pode ser dolorosa.

A falta de conexão social é capaz de envolver:

  • os componentes afetivos da dor - que são aqueles relacionados aos sentimentos desagradáveis que surgem após um estímulo doloroso. Ex.: angústia e sofrimento.
  • os componentes sensoriais da dor - que são aqueles relacionados a seus aspectos discriminativos. Ex.: a capacidade de saber qual é o local da dor, qual a sua intensidade e por quanto tempo está doendo.

Antes de continuar falando sobre a parte evolutiva da dor eu quero que você tente imaginar os seguintes cenários…

No primeiro…
Você acorda pela manhã e ainda meio sonolento decide fazer um café, mas acaba se atrapalhando e derrama uma xícara de café quente no seu antebraço e sente uma dor intensa.

No segundo…
Você está checando suas redes sociais e vê as fotos do seu ex-namorado ou namorada, uma pessoa com quem você recentemente teve uma separação indesejada; ao ver cada foto, você se sente rejeitado e experimenta outro tipo de dor.

Um estudo científico muito importante publicado em 2011 pelo psicólogo e pesquisador Ethan Kross e sua equipe reproduziu em laboratório os cenários descritos anteriormente com objetivo de entender quão semelhantes são os processamentos da dor social e da dor física no cérebro.

Para fazer a pesquisa os pesquisadores usaram uma máquina de ressonância magnética funcional que permite visualizar a atividade cerebral. Durante o experimento os participantes eram colocados na máquina de ressonância e enquanto estavam dentro da máquina eles viam fotos de seu ex-namorado ou namorada ou então recebiam estímulo de calor no antebraço.

Os resultados da pesquisa mostraram que as mesmas regiões do cérebro que são ativadas na dor física causada pelo calor, também são ativadas durante a dor da rejeição causada pela visualização das fotos do ex.

E o mais importante de tudo, esse estudo foi capaz de mostrar que não somente as regiões do cérebro relacionadas aos componentes afetivos da dor eram ativadas, mas também as regiões relacionadas aos componentes sensoriais da dor, que são aqueles que nos permitem experimentar sensações em partes distintas do nosso corpo.

De modo geral, o resultado foi essencial pra mostrar que uma experiência intensa de separação ou rejeição social é capaz de gerar uma experiência única de “dor social” que compartilha as mesmas regiões que são ativadas durante uma dor física.

Uma possível explicação para esse resultado é, por conta do longo período de imaturidade dos seres humanos, o sistema neural do apego social — aquele que promove os laços sociais — pode ter pego carona no sistema neural de dor física,

emprestando o próprio sinal de dor para indicar quando as relações sociais estão ameaçadas e assim promover a sobrevivência, e sentir dor por conta dessas experiências de separação social pode ser uma forma adaptativa de evitá-las.

Ok, mas isso faz muito sentido quando a gente pensa que para um bebê ou um adulto humano na selva, estar separado de um cuidador ou de um grupo familiar é uma grave ameaça à sobrevivência, mas parece não fazer tanto sentido quando pensamos adultos vivendo em cidades

Mas acontece que toda circuitaria envolvida com o processamento da dor se manteve ao longo da evolução nos deixando com todas essas sensações e sentimentos dolorosos que se manifestam sempre que passamos por situações intensas de separação, rejeição ou perda.

Não é à toa que usamos palavras e expressões como “sentimentos feridos”, “corações partidos” ou “peito dilacerado” para descrever essas experiências.

Frida Kahlo Las Dos Fridas

Resumindo, términos são horríveis!

Então para aqueles que acabaram de sair de um relacionamento ou pra quem não passou por isso, mas está se sentindo sozinho e isolado é importante lembrar que, por mais terrível que pareça, a dor não durará para sempre… E que até lá é importante tirar um tempo pra se curar.

Ah, e sorvete sempre ajuda.

Referências

Kross, E., Berman, M. G., Mischel, W., Smith, E. E., & Wager, T. D. (2011). Social rejection shares somatosensory representations with physical pain. Proceedings of the National Academy of Sciences, 108(15), 6270–6275.

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Aline Cardoso
NeuroBreak

Estudando o comportamento humano e tentando entender o meu; (ela/dela); Doutoranda em Fisiologia — Neurociência (UFRJ); Brasil