Paradoxo da Inteligência Artificial #4: Encontrando sentido numa utopia tecnológica.

Ariel Cardeal
Professional Time Traveler
4 min readFeb 9, 2018

O texto abaixo foi publicado originalmente em inglês pelo meu amigo Joaquin Aldunate em Julho de 2017(aqui o link para o artigo original), sendo o quarto e último de uma série de quatro textos sobre os paradoxos da inteligência artificial.

#1: Já fomos dominados pela Inteligência Artificial?

#2: Escravos Artificiais

#3: Deus Artificial

Se a entidade ou entidades da inteligência artificial se tornassem a base sustentadora da vida humana, além de nossas melhores amigas, como nós humanos encontraríamos sentido em nossa própria existência em tal contexto? Nós precisamos dar a essa nova espécie a capacidade de prover aos humanos uma existência significativa também.

Algumas das visões distópicas sobre a Inteligência Artificial consistem na extinção ou obsolescência de humanos em conflito com as máquinas (Como visto em “Eu, Robô” de Asimov, ou na trilogia Matrix). Acredito que uma utopia distópica tecnológica se deve ao conflito de sentido entre a presença de máquinas e a função dos humanos; talvez porque podemos ter sucesso em criar máquinas para cuidar de nós, mas não saibamos lidar com o fato de nos tornarmos crianças eternas sob os cuidados da nossa criação. Depois de umas três gerações favoráveis a um aumento de inteligência, a Inteligência Artificial se tornará algo desassociado de nós. Não seremos mais os criadores da IA à medida que ela começar a recriar a si mesma; tornando-se então um meio ambiente naturalmente redesenhado, que estará cuidando de nós ativamente.

Depois do aumento de inteligência, nós não seremos capazes de tomar nossas próprias decisões; mas não por estarmos vivendo em um estado totalitário. Imagine que você se envolva em uma relação amorosa com uma pessoa e se case com ela. Agora imagine que essa pessoa consiga ver o futuro e tenha um conhecimento onisciente de quais decisões você deveria tomar para ser feliz: abrindo mão da sua capacidade de decisão, seria imoral e estúpido escolher o contrário. Às vezes é bastante complicado tomar decisões frente à incerteza, mas a certeza completa parece ser um entrave ao exercício da liberdade, e tem um profundo impacto na percepção de alguém consigo mesmo, sendo uma das características inerentes ao ser humano, e que começa então a ser posta fora de jogo.

Também existe uma óbvia falta de sentido por trás do trabalho em uma utopia tecnológica. Num sentido de que todo trabalho será uma forma de brincadeira, aprendizado ou arte. Estes três conceitos se mesclam em tal cenário, porque o único espaço para a decisão ou criação humana será a atividade que é feita por livre e espontânea vontade, somente pelo prazer intrínseco de fazê-lo. Brincar/jogar já não é tão diferente de trabalhar (começamos a jogar jogos tão meticulosos como Minecraft), e o resultado do trabalho de criação só pode ser arte, porque não pode servir a um propósito prático e direto, somente a sua auto-expressão. Muito embora jogar, trabalhar e fazer arte se misturem, essa nova entidade explode em muitos outros novos conceitos como o game-play, o faz de conta, o jogo social, o brincar, etc. Dessa forma, será necessário criar um novo universo que esteja a salvo da presença das máquinas, de maneira que os humanos possam descobrir sua humanidade nesse contexto virtual. Mas as decisões permanecem em um plano expressivo. Se você iludir os humanos para fazê-los acreditar que fazem parte de um mundo normal e desafiador (como no filme Matrix), o objetivo da IA seria derrotado. Talvez seja possível que esse novo mundo seja desafiador, como em um jogo, mas não mortal como em nosso mundo atual. Ainda que isto seja feito, se faz necessária a deliberação sobre o design desse novo ecossistema natural.

Em termos de relações interpessoais, eu não consigo pensar por quê isso poderia ser mudado em uma utopia tecnológica. Humanos se relacionam de forma afetiva, estabelecendo diferentes formas de relações afetivas com outras pessoas. Relações afetivas como a amizade, amor romântico, respeito, admiração, ódio, etc. Porque no sentido de amar uma pessoa, o sujeito não é substituível. O amor é orientado à identidade da pessoa que é amada. Poderá haver uma mudança na maneira como nos inter-relacionamos, no caso de que a inteligência artificial se mescle com os cérebros humanos biológicos, produzindo uma desencarnação da identidade. Os humanos podem querer desencarnar sua consciência para poderem viver em um mundo melhor e simulado; mas se essa desencarnação da identidade for também a destruição ou difusão da identidade da pessoa, seria o equivalente ao suicídio, o que não é humanamente desejável. É por isso que as relações inter-pessoais serão o que nos restará de significado sobre o que é ser humano; enquanto isso aconteça com e entre seres artificiais.

O autor do texto Joaquin Aldunate é chileno e tem graduação em Design Industrial pela Universidad Diego Portales, no Chile, e mestrado em Produção de Novas Mídias pela Universidade de Aalto, na Finlândia.

LinkedIn de Joaquin.

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