Cada som, cada detalhe

Artífice de Ideias
3 min readOct 27, 2021

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Photo by Marius Masalar on Unsplash

Eu gosto de música, mas não sou especialista. Na verdade, eu gosto só de um leque pequeno de músicas: rock. E eu tô cagando para esse papinho que roqueiro tem de que é o único estilo que presta. Eu gosto de rock, mas ouço de tudo e acho que toda música presta pra alguém e que cada um ouça o que gosta e seja feliz.

O meu ponto é que eu sempre ouvi bastante rock e, mesmo leigo, conseguia distinguir um arranjo mais rebuscado de um outro mais "simples". Até por isso eu sempre gostei mais de metal e rock progressivo do que de punk. Sem julgamentos, só gosto!

Só que gostar dessas coisas mais rebuscadas não eram mais do que gosto. Eu sou um leigo em música e nunca tive vontade de ouvir uma parada e entender que "Nossa! Tava Ré menor e agora foi pra Sol maior no meio do refrão!". Legal para quem entendia, mas pra mim sempre foi de boa ouvir sem entender.

Acontece que há uns anos eu passei a comer sanduíches de vez em quando. Só que os sanduíches possuem o poder de alterar nossa percepção. Ouvir Pink Floyd depois de comer um sanduíche passou a ser uma experiência interessante. Cada sonzinho ali ativava uma parada diferente e eu curtia minha digestão.

Esses dias eu estava ouvindo um álbum que eu já devo ter ouvido centenas de vezes: Ritual, do Shaman. Esse álbum é metal, mas cheio de “pirotecnias” clássicas e foi paixão à primeira ouvida em 2002. Só que dessa vez eu estava fazendo digestão e passei a perceber cada sonzinho colocado ali. Andre Matos era maestro e as músicas são cheias de detalhezinhos sonoros.

Só que o que me pegou foi pensar que cada som, cada detalhe desse álbum foi pensado, ensaiado, gravado e mixado. Aquele "ôôôÔÔÔôôô", com backing vocal feminino, foi pensado para ser trocado pelo coro da plateia nos shows.

Ou o pandeirinho diferentão que entra antes do solo de Over your head ou da introdução de Fairy tale (nem sei se é o mesmo instrumento). Alguém (provavelmente o Andre) pensou nele, procurou o instrumento perfeito, encontrou esse instrumento, pode ter contratado um músico especialista nesse instrumento, aquilo foi gravado, colocado na música, foi tirado para se notar a diferença, colocou-se de novo e ficou na obra final.

Esse processo do pandeirinho pode ter levado dias para parar ali em um trecho de segundos da música e que 99% do público nem vai dar valor.

A questão é que esses detalhes são colocados pelos artistas em todas as suas obras para que ela fique perfeita em uma vista geral. O pandeirinho está ali para compor a música como um todo, não para que alguém pause a música e fale: "deixa eu me preparar para essa parte do pandeirinho porque ela é a minha favorita".

Então a gente não precisa ficar se apegando aos detalhes para apreciar uma obra, mas eles estão ali para quem quiser ter essa viagem mais profunda. E isso não se aplica só à música.

Confesso que a última vez que assisti a'O Senhor dos Anéis - A Sociedade do Anel, eu vi nessa pegada de notar os detalhes. Foi uma experiência incrível, mas eu só fui ter depois de assistir ao filme umas vinte vezes e acho que foi a hora certa porque eu acabei me desligando um pouco do enredo para notar cenário, figurino etc.

Então, ao revisitar uma obra que você gosta muito, se algo te chamar a atenção — seja um instrumento, um objeto de cena, uma palavra não usual em uma frase do roteiro, um traço a mais em um desenho — pare e pense no motivo daquilo estar ali e no processo que levou aquele pequeno detalhe até a obra final.

Eu estou fazendo isso e amando.

AVISO IMPORTANTE: Só coma sanduíches se eles são permitidos no seu país e tenha ciência dos riscos que comer sanduíche podem trazer à saúde.

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Artífice de Ideias

Um observador da sociedade que abastece a mente filosofando sobre o cotidiano.