PEDAGOGIA DA NAVALHA E MOLOTV

Ayra Cristina Sousa Dias
2 min readApr 8, 2020

Travestis são historicamente marginalizadas, assassinadas, violentadas, mesmo pelo movimento em que nossas corpas foram ferramentas de revolução, razão pela qual Sylvia Rivera faz no ano de 1973 o seu famoso discurso “todos deveriam ficar calados” onde denuncia o processo de invisibilização vivenciado por travestis dentro do movimento LGBT, passados 47 anos parte disso ainda se mantem, precisamos lutar por espaços que historicamente nós construímos.
Lazára Barracuda, importante figura na cena Balrrom nacional disse em live
reproduzida através do instagram no dia 03 de abril de 2020 que “transfobia é tudo aquilo que nos tira da curva da normalidade, que nos coloca na posição de agressiva, vitimista”, esta fala é extremamente significativa pois para fazer sinalizações quanto as agressões que sofremos precisamos revisitar nossas dores, algumas nem tão distantes, mas para aqueles que ainda nas palavras de Lazára “jamais saberão o que é ocupar esse corpo” parece tarefa fácil.
Somos violentamente colocadas na posição de educadoras, forçadamente responsável pelo processo de desconstrução de todos que nos cercam, pois ao que parece se quisermos ser tratadas com o mínimo de respeito devemos ocupar este lugar, no entanto, não é confortável para muitas de nós sorrir e ainda construir uma fala doce para poder ensinar aquele que acabou de nos agredir a ser menos babaca.
Aquelas que se dispõe a estar na posição de educadoras tem suas falas refutadas, mesmo quando embasadas cientificamente, pois como bem pontuou Florence em live colaborativa com a professora Leticia Carolina no dia 30 de março de 2020 “nós somos sempre colocadas em posição de pessoa marginal e não como aquelas que produzem ciência” dessa forma pessoas cis concebem nossas falas apenas como fruto de nossas dores, diante disto é importante salientar que muito se tem produzido no sentido de fornecer material teórico para que a sociedade possa melhor compreender a trangeneralidade e para que possamos nos fortalecer enquanto sujeitas.
Na ocasião supracitada Leticia Carolina diz que “não existe passabilidade trans, somos sempre matáveis” a fala da professora é precisa, pois o Brasil está entre os países que mais mata pessoas trans segundo dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais — Antra, aproveitando para fazer recorte intersecional Sara York em uma partilha emocionada com
Leticia no dia 31 de março de 2020, falou sobre seu histórico de vida, onde relatou que tem 45 anos, esteve em situação de rua e só está viva por ser branca, enquanto que suas amigas travestis pretas estão todas mortas.
Tenho 23 anos, sou uma travesti negra e constantemente sofro com ataques que são direcionados a mim de maneira explicita e velada, sou cobrada para que tenha uma postura didática, e até mesmo empática com aqueles que me agridem, minhas dores não são lavadas em conta mas eu devo considerar o processo dos outros. Sinalizações doces parecem não surtir efeito, então, ante o exposto tenho adotado aquilo que chamo de pedagogia da navalha e molotov, com falas que por vezes são compreendidas como duras, agressivas, mas que são imediatamente escutadas, serei amarga e dura e quem quiser doçura que produza sua rapadura em casa.

--

--

Ayra Cristina Sousa Dias

Travesti Negra, pesquisadora, escritora, ativista e produtora cultural.