Coisas que aprendi em 100 dias consecutivos de meditação com um app
Admito que nunca tinha passado seriamente pela minha cabeça a ideia de meditar até topar com este artigo da New Yorker sobre um cara chamado Andy Puddicombe. Achei curiosa a história: aos 18 anos, após acontecimentos trágicos, o guri britânico iniciou uma jornada incomum. Passou a década seguinte em monastérios budistas. Lá pelas tantas, voltou para Londres e passou a viver como professor de técnicas de meditação em uma clínica médica, onde conheceu Rich Pierson, um de seus alunos. Juntos, Puddicombe e Pierson lançaram um app chamado Headspace em 2012. Até a data da reportagem, o aplicativo registrava 3 milhões de usuários. Claro que a matéria levanta as críticas — em muitos momentos faz a ideia de um app de meditação parecer meio ridícula.
O fato de este app existir do jeito que é, fazer sucesso e ter tornado seu criador uma espécie de guru para empreendedores estressados do Vale do Silício gera debates infinitos. Eles estão na matéria da New Yorker.
E eu só vim até aqui pra contar que usei o app por 100 dias seguidos. Inspirada pela autora da matéria da New Yorker, decidi fazer o teste dos 10 dias (período de uso gratuito). No segundo, estava empolgadíssima: devo ter crédito por pelo menos mais uns 10 downloads do app em Porto Alegre, já que TODOS ao meu redor tiveram que ouvir elogios ao Headspace. Lá pelo sexto, a rotina me fez deixar a ideia de lado. Em que momento do dia eu encontraria 10 minutos para meditar?
(Não é tão difícil. Só reprogramar o despertador — para quem, como eu, gosta de acordar cedo, o sacrifício é bem pequeno.)
A retomada veio só depois de uma dessas passagens por livrarias de aeroporto me colocar de frente com o livro 10% Mais Feliz, de um cara (jornalista) chamado Dan Harris. O texto da contracapa começa assim:
Dan Harris era um jornalista promissor, que construía com garra sua carreira de apresentador na rede de televisão americana ABC News. Mas a obsessão pelo trabalho, a autocrítica exagerada e a extrema competitividade o levaram a um ponto sem volta: o dia em que teve um ataque de pânico ao vivo, na frente de milhões de telespectadores.
Um resumo em 4 minutos:
Deixando de lado a parte da competitividade, não foi muito difícil me identificar com o autor. E o texto é meio engraçado. Narra uma jornada pessoal no caminho da meditação. De tentar entender se, como e por que a meditação pode ser uma coisa boa para alguém. Me convenceu. Voltei ao app. Até paguei a mensalidade.
Baixei também o Buddhify. E busquei podcasts com outras meditações guiadas. E comprei (sim, sou dessas) o audiolivro Mindfulness in Action. Como o Headspace registra o número de dias seguidos de meditação — as demais "sessões" foram complementares, nunca substituindo os minutos diários com o Andy. A meditação virou tema no consultório, nas sessões de análise. É uma combinação interessante de práticas.
Aprendi muito, muito mesmo, nestes 100 dias. Só parei com o Headspace porque enjoei da voz — isso é uma vantagem do Buddhify, a diversidade de vozes. Adoraria resenhar o app, mas não quero me distrair do propósito deste texto. Voltando. O que quero é contar o que aprendi até agora:
Não precisa ser calmo e focado para meditar. Essa é a grande lição do livro do Dan Harris. Se esse cara consegue, qualquer um é capaz. Muitas pessoas reagiram me dizendo que eu já sou bem tranquila e paciente, então não preciso de meditação. Complementando este aprendizado, portanto: não precisa ser calmo e nem precisa ter como objetivo ser calmo para meditar. Eu não quero ser mais calma. Quero ser mais capaz de manter o foco no momento presente.
Não conseguir meditar não é motivo para não meditar. Pelo contrário, e isso eu adorei aprender. A prática da meditação incorpora a distração: pelo menos aqui no meu nível iniciante, é bem legal o exercício de reconhecer a distração e retornar o foco ao que deveria ser objeto de concentração (no meu caso, a respiração). Eu na maioria das vezes não conseguia concluir uma contagem até 10 do número de inspirações e expirações. No 3, já estava pensando em outra coisa. Aí aparece o Andy para dizer: "ei, você pode ter se distraído, e tudo bem. Só reconheça a distração e retorne a atenção à respiração." Simples, né? Só começar de novo. E de novo. E de novo.
Meditar está me ajudando a viver mais o agora, com menos ressentimento pelo passado e menos ansiedade em relação ao futuro. Acho que o ápice deste exercício foi durante um voo de Porto Alegre para São Paulo. Não curto muito voar, e esse dia estava tão ruim que teve até arremetida. Lembrei de algumas lições: comecei a me perguntar "o que está acontecendo agora?". Comecei a investigar minhas sensações.
O que está acontecendo agora é que eu estou com medo, minhas mãos estão suando, meu coração está batendo mais rápido. Estou com medo e essa sou eu sentindo medo. Bem, então o que está acontecendo agora é que eu estou com medo do que pode acontecer no futuro — mas não aconteceu nada ainda. Se eu estou sentindo medo dentro do avião, é porque o avião está voando e eu estou viva dentro do avião. Estou com medo do futuro. Do que pode ou não acontecer. Mas agora estou aqui, viva. Por enquanto, tudo bem. Ok, então está tudo bem. Não adianta eu ter medo do futuro. Só preciso ficar aqui, respirando. Não tenho com o que me preocupar enquanto o avião estiver voando e eu estiver respirando. E isso é tudo que eu posso fazer agora. Então ok.
Mas o exercício com o passado é ainda mais interessante:
Eu não gosto desta pessoa, porque ela já agiu desta e daquela forma — mas como seria se eu estivesse conhecendo ela agora? Se tenho que trabalhar (ou conviver) com ela, como posso fazer deste momento o mais produtivo, o mais interessante, o melhor? O que eu preciso ouvir ou falar agora para que a gente consiga ir em frente? Quero aprender o que é possível com o passado e dar os próximos passos. O que ela pode oferecer para este momento? O que eu posso oferecer agora?
Outra lição bem pessoal: ser gentil com os outros é ser gentil consigo mesmo. Imagino que para cada pessoa o peso dessa frase caia para um lado diferente. Eu acho fácil ser gentil com a maioria das pessoas, tendo a achar que elas estão fazendo o melhor que podem (não necessariamente o melhor possível), e por isso merecem crédito. Desejo o bem aos outros com muito mais frequência do que o mal. Às vezes as pessoas erram, às vezes elas se distraem. Reconheço e aceito isso nos outros muito melhor do que em mim mesma. Em uma das meditações guiadas do Buddhify, o exercício é desejar o bem e a felicidade mentalizando primeiro uma pessoa querida, depois eu mesma, depois um conhecido aleatório, depois todos os seres. Desejar o próprio bem e felicidade é uma revelação e tanto. Parar uns minutos para desejar o bem e a felicidade dos outros é uma experiência incrível. Não é fácil pra ninguém essa vida, e é bom reconhecer isso.
A sensação de que hoje "não deu certo" não é motivo para não voltar a tentar amanhã. Viver a tentativa de meditar, sendo gentil com as próprias distrações e dificuldades, reconhecendo que elas existem, ensina muito. Elas podem estar no centro da experiência em um minuto e, no seguinte, não mais. No seguinte, nos esforçamos e estamos concentrados na inspiração, inflando os pulmões, observando e sentindo o ar percorrer seu caminho. E a respiração está disponível o tempo todo, é só voltar. É só recomeçar. De novo e de novo. Devia estar de dieta e comeu um sorvete? É só recomeçar. Matou a academia por preguiça? Vai amanhã. Não fez uma ligação ou deixou de responder uma mensagem? Responde agora. Caiu? Levanta. É quase uma sensação exagerada de que não existe tempo perdido. Tudo pode começar — ou recomeçar — neste instante.
Reconhece a sensação de fracasso, aprende o que é possível, volta para a respiração.
Acho que incorporei mais coisas do que consegui lembrar agora, mas me conheço o suficiente para saber que este texto nunca ficará pronto. Então vou publicar assim mesmo. Posso voltar e continuar depois.
May you all be well. May you all be happy.