Um podcast sobre o livro Mulheres que correm com os lobos
Eu e a Mariana Bandarra criamos o projeto Talvez seja isso e gravamos um episódio para cada capítulo da obra de Clarissa Pinkola Estés
Fui uma adolescente fã de Legião Urbana, admito. Sei tantas letras de cor, mas algumas frases parecem se destacar do contexto da música — ficam ricocheteando por áreas obscuras da minha consciência e, do nada, vêm à tona. “Me apaixono todo dia / é sempre a pessoa errada”. Mais precisamente: “Quando eu lhe dizia / me apaixono todo dia / e é sempre a pessoa errada / você sorriu e disse / eu gosto de você também”. É uma música, mas é uma conversa. É como a gente fala. E o que, dessa letra, sempre volta é só um pedacinho: “Me apaixono todo dia”.
Eu me apaixono todo dia. Me apaixono pelo jeito de falar das pessoas, pelo fato de cada um de nós termos experiências e ideias tão diferentes, pelo quanto algumas se dedicam a estudar um assunto, a defender uma causa ou simplesmente a tentar viver em paz. Quem convive mais de perto sabe: a mulher que entrevistei nessa semana sempre tem a história mais emocionante de todas; o texto acadêmico que estou lendo é o que diz tudo que eu sempre quis saber; todo mundo deveria ler este livro, e este também/colocar no Arte1 se decidir assistir TV/ouvir esse podcast/dançar flamenco/meditar. Ok, já entendi que nem tudo que eu amo os outros vão amar também. E mais: já não me sinto tão culpada quando uma nova paixão me faz deixar de lado as anteriores. É sempre a coisa errada? Não sei. Acho que o certo é se apaixonar.
Estou apaixonada pelo livro Mulheres que correm com os lobos. Estou apaixonada pela experiência de ler este livro do lado da Mariana Bandarra. Foi ela que recomendou a leitura. Eu não levei muito a sério em um primeiro momento. Parecia meio nada a ver comigo. A capa da edição brasileira, eu acho essa capa meio esquisita. Imaginava que deveria ser um livro de auto-ajuda ou algo do tipo. Não sei bem como mudei de ideia, mas no segundo semestre do ano passado decidir comprar e começar a ler. Mil perguntas e sensações começaram a surgir, todas dentro do mesmo tema: “Não estou entendendo o que ela diz, mas ela está falando de mim”.
Então propus pra Mari: “Lê comigo?”. Ela já tinha lido. Eu disse: “Sozinha é muito difícil”. Ela sabe — várias amigas para quem ela havia recomendado a leitura não tinham ido até o final. Ela também sabe que o livro tem o poder de reunir mulheres que têm como objetivo lerem juntas, falarem sobre o que estão descobrindo e sentindo. Não é uma leitura fácil. Primeiro, porque a autora, a Clarissa Pinkola Estés, é uma psicanalista junguiana e, por mais acessível que seja a linguagem dos contos que ela apresenta, existem conceitos ali que não fazem parte do nosso dia-a-dia. Arquétipos, por exemplo — taí uma palavra com a qual eu não tenho tanta familiaridade. E o livro todo é sobre o “arquétipo da mulher selvagem”. Em segundo lugar, é difícil porque a gente vai se dando conta de umas merdas sobre a própria vida e o próprio jeito de ser no mundo. Tem um tanto de dor. Deve ser por isso que dá vontade de estar perto uma da outra: “Sozinha é muito difícil”.
Lermos juntas poderia ser legal. Mas o que seria ainda mais legal, mais apaixonante? Produzir algo que possa beneficiar outras leitoras e outros eventuais leitores. Então decidimos: “A gente lê cada um dos capítulos, conversa, grava essa conversa e publica em formato de podcast”. Podcasts, vocês sabem, são outra paixão minha. Aí começamos a nos reunir no verão. Marcamos um dia para falar sobre a Introdução do livro. A Mari fez um drink que envolvia chá de hibisco. Estávamos na casa de uns amigos dela, em um pátio. Tinha árvores, pássaros e cachorros em volta. E dá para ouvir tudo isso no áudio. Alguém poderia dizer que dá para ouvir até o hibisco, porque a conversa ficou bem louca (o hibisco ou o tantinho de álcool que acompanhava o hibisco?). Ficamos felizes e colocamos na agenda a gravação de uma conversa sobre o capítulo 1, que fala da história de La Loba. Não tínhamos certeza de que iríamos publicar os áudios. Fomos assim até o capítulo 4, quando respondemos “sim” à pergunta: “Já dá para dizer que conseguiremos ir até o fim, né?”.
Precisávamos de um nome. Nem lembro das ideias que apareceram antes, só lembro que uma hora a Mari disse: “É que o legal seria que as pessoas nos encontrassem, mulheres que podem não saber muito bem o que estão procurando, mas que talvez seja isso, sabe?” Nos olhamos e tivemos a ideia louca de adotar temporariamente o nome de “Talvez seja isso” — até pensarmos em algo melhor, meio que já sabendo que não encontraríamos nada melhor, porque o nosso projeto é bem assim. Talvez seja isso — mas talvez não seja. Não temos respostas certas.
Eu estava com três episódios gravados para o podcast Coisas que a gente cria, três entrevistas incríveis que eu não conseguia editar por falta de tempo (desculpem eu ainda não ter publicado, gurias). E ainda me sinto em dívida porque nos últimos que publiquei eu dizia que faria um episódio especial de final de ano falando sobre tudo que aprendi com as entrevistadas ao longo de 2016. Toda vez que penso no Coisas que a gente cria, me sinto em dívida. A edição é um tanto demorada, e, vou ser sincera, está longe de ser minha parte favorita do processo. Alguns de vocês devem entender o sentimento: têm algumas coisas guardadas nas gavetas ou nas nuvens, mas mal conseguem olhar para aquela direção, com medo de serem fulminados pelos raios desintegradores de pessoas que não fazem seus projetos até o fim, sabem? Bem, não sei se é um sentimento tão comum assim. É meio como me sinto.
Aí, chegou a hora de colocar no mundo o Talvez seja isso. Lá vamos nós registrar domínios. Montar sitezinho. Criar conta no Libsyn (a ferramenta que eu uso para publicar podcasts), criar teaser, pensar em como vamos divulgar, em quais são as coisas que gostaríamos de colocar no mundo junto com os áudios. Imaginamos que as mulheres que iriam ouvir poderiam querer conversar. E que nós, obviamente, íamos querer muito conversar com elas também. Afinal, elas nos escutam falar sobre as nossas experiências com o livro — nada mais justo que elas também compartilhem seus insights conosco. Criamos um grupo fechado de Facebook, só para mulheres.
Editar cada um dos episódios, gravar introdução para cada um deles, pensar na imagem, nos textos que acompanham — tudo isso dá um trabalho! É um investimento de energia, tempo e algum dinheiro. Vale a pena, claro, porque sentimos que estamos fazendo algo que é útil. O Coisas que a gente cria eu fiz completamente sozinha, mas agora é diferente. Além de mim e da Mari, temos apoiadoras que contribuem financeiramente para que o projeto fique de pé. Essa é uma daquelas coisas pelas quais nos apaixonamos tanto que faríamos de graça — na verdade, fazemos de graça, só estamos tentando dividir os custos. Pensamos em como recompensar as apoiadoras que estivessem dispostas a contribuir com valores mais significativos e inventamos caderninhos artesanais temáticos — um para cada episódio, criados e costurados por nós. São incríveis, vejam ;)
Mais uma foto deles, porque são mesmo incríveis:
Quando o episódio está no ar, os caderninhos a caminho da casa das apoiadoras, o grupo trocas emocionantes e riquíssimas, as leitoras chegando por amigas que contam umas para as outras do projeto ou por recomendação do YouTube ou do Google ao buscar Mulheres que correm com os lobos, eu só posso ficar feliz de ser assim tão apaixonada por criar coisas. Por tanto tempo, tive muitas ideias de coisas que gostaria de fazer, mas poucas saíam da cabeça. Agora, olho para projetos como o Talvez seja isso e mal acredito que sou, em parte, responsável por isso existir. Escrever mais é outra coisa: mil ideias para textos, pouca concretização.
O que será que tem de tão apaixonante na leitura coletiva do Mulheres que correm com os lobos? Cada uma de nós parece estar colocando algo em movimento. Estou apaixonada por todas as mensagens, insights, histórias que cada uma compartilhou até agora conosco.
Quando ouço novamente cada episódio depois de publicar, mal acredito que a gente construiu essa compreensão em conjunto, no quanto aprendi a cada conversa com a Mari, no quanto falei de mim mesmo sabendo que aquilo seria ouvido por gente desconhecida — e conhecida! Mas sou assim, me apaixono todo dia.
Uma das minhas paixões atuais é essa e, se ainda não clicou em nenhum dos links acima, te convido a conhecer o nosso projeto ;)
Nosso site: http://www.talvezsejaisso.com/
Os episódios estão disponíveis no YouTube: http://bit.ly/talvezsejaissonoYT
Os três mais recentes estão no SoundCloud: http://bit.ly/talvezsejaisso_Sound
Dá para assinar lá no iTunes: http://bit.ly/talvezsejaisso
E nos demais players de podcasts, se não encontrar pela busca, pode usar o endereço do feed: http://talvezsejaisso.libsyn.com/rss
Se quiser nos apoiar com valores a partir de R$ 3, ficaremos muito felizes: https://apoia.se/talvezsejaisso
E pode nos mandar um e-mail também: sim@talvezsejaisso.com
Talvez seja isso?
No meu caso, não tenho dúvida :)