O estigma do homem preto

Barbara Lewis
7 min readMay 14, 2018

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Imagem capturada do vídeo Literatura e Poesia Marginal com “WJ & SAID”- Grito Filmes

Nos dias atuais, o homem negro é o ser humano que apresenta o estigma mais cruel na sociedade em que vivemos. A eles são associadas às imagens de criminalidade, sexualidade exacerbada e violência.

A construção desta imagem não ocorreu da noite para o dia aqui no país colônia, foi uma imagem negativa trabalhada desde muito cedo de forma minuciosa e perpetuada ao longo de muitos anos por nossos escravizadores algozes. No texto de Renato Silveira “Os Selvagens e a Massa Papel do Racismo Científico na montagem da Hegemonia Ocidental” são detalhados diversos exemplos de como o racismo científico foi uma parte importante da estruturação da uma hegemonia branca sobre o globo terrestre.

“A grande questão entre eles [os negros] é se são descendentes dos macacos ou se os macacos descendem deles. Nossos sábios disseram que o homem é a imagem de Deus: eis aqui uma curiosa imagem do Ser eterno, um nariz negro achatado, com pouca ou nenhuma inteligência! Um dia virá sem dúvida onde esses animais saberão cultivar a terra, embelezá-la com casas e jardins e conhecer a rota dos astros: é preciso tempo para tudo” — Voltaire, Lettres d’Annabel trecho retirado do texto de Renato Silveira

Ao propagar a teoria de negros (e não brancos) desumanizados garante que os traços brancos europeus sejam a referência para padrões intelectuais e estéticos. Estes padrões continuam sendo mantidos ao redor do mundo, inclusive no Brasil. As teorias racistas de inferiorizarão do negro também ocorreram no Brasil. De acordo com a historiadora Lilia Schwarcz, as ideais conhecidas como eugenistas se propagaram no Brasil a partir de aproximadamente 1914 e contaram com a participação da “elite intelectual” da época, como escritores e médicos.

As doutrinas racistas exerceram, em seguida, uma fortíssima influência sobre os meios de comunicação de massa emergentes, sobre a indústria cultural nascente, sobre a educação pública e as diversas manifestações artísticas, legitimando a mais ambiciosa arrancada imperialista de que se tem notícia.Renato Silveira

Esta desumanização não diferenciava mulheres ou homens negros, pois subjugava ambos igualmente, mas nos dias atuais recai sobre o homem negro um peso mais cruel, o da violência. Estudos liderados por pesquisadores de Stanford, Harvard e Census Bureau, analisaram o comportamento social de homens e mulheres (negros e brancos) e perceberam que o racismo tem um efeito muito mais enfático nos homens pretos do que nas mulheres pretas. Para o estudo foram usados dados sociais e econômicos de famílias pretas e brancas, e chegaram a conclusão que, mesmo sendo criados em lares com boas condições econômicas, os jovens pretos ao se tornarem adultos não conseguiam manter o padrão de vida inicial herdado por sua família, enquanto homens brancos não tinham a mesma dificuldade. O estudo apontou ainda que mesmo sofrendo com racismo e sexismo, a mulher preta consegue ascender economicamente, o que não acontece com do homem preto.

O mau desempenho na ascensão econômica e social dos homens pretos foi associado ao racismo e a forma mais violenta que os homens pretos são tratados quando comparados às mulheres pretas.

“Outros estudos mostram que meninos, de todas as raças, são mais sensíveis do que meninas as desvantagens como, por exemplo, crescer na pobreza ou enfrentar discriminação. Enquanto as mulheres negras também enfrentam os efeitos negativos do racismo, os homens negros frequentemente sofrem discriminação racial de forma diferente. Desde a pré-escola, eles são mais propensos a serem punidos. Eles também são parados ou detidos e revistados pelos policiais com mais frequência.” — Emily Badger, Claire Cain Miller, Adam Pearce e Kevin Quealy “Extensive Data Shows Punishing Reach of Racism for Black Boys19 de março de 2018

O homem preto está associado a tudo que é tido como ruim socialmente, como abusador sexual, o violento, o assaltante e em muitos casos hipersexualizado, como por exemplo, “negão com atributos sexuais avantajados”. Esta marginalização é massivamente reproduzida na mídia, que faz questão de apresentar um desserviço quando se trata do homem preto. Um exemplo da hipersexualização do homem preto na televisão foi o personagem do Taiguara Nazareth em “Presença de Anita”, neste seriado o Taiguara representava um jovem jardineiro que se envolvia com uma mulher que tinha um desejo incontrolável pelo jovem. O personagem foi praticamente um objeto sexual.

Há pouco tempo um colega compartilhou um vídeo do “Porta dos Fundos” chamado “Ferrari”, o episódio era uma referência aos homens que têm pênis pequenos e uma associação a quanto menor o pênis do homem, mais caro era o carro de luxo que o homem precisaria comprar para “compensar”. Nos créditos do episódio, já no final, um homem negro entra em cena dirigindo e estacionando um patinete, fazendo uma alusão a um pênis tão grande que não precisaria de carro.

Retirei alguns exemplos de uma publicação feita no facebook na qual são apresentados os personagens representados por negros e se percebe o quanto é desanimador a associação da imagem que é realizada de um homem preto.

Imagem retirada da publicação de Thiago Bonfim no Facebook

A publicação mostra ainda outros personagens como o do Foguinho que foi interpretado por Lázaro Ramos em “Cobras e Largartos”, este personagem era um desempregado, malandro, mulherengo e irresponsável. O ator Ailton Graça desempenhou um papel semelhante, sendo um mulherengo, infiel e irresponsável na novela “América”. O ator Rafael Zulu interpretou o João em “Sol Nascente” e este era invejoso, manipulador, soberbo e sentia vergonha dos pais pobres. O Mussum dos “Trapalhões” era o desempregado, alcoólatra e irresponsável. Todos estes exemplos de personagens de novelas que são populares no Brasil só reforçam uma mesma imagem negativa do homem preto.

Ashleigh Haughton em seu texto “Black Women Will Be Single As Long As America Criminalizes Being A Black Man” evidência outra consequência da marginalização do homem negro, que é o aumento de mulheres negras solteiras. Ashleigh elucida que quando as mulheres negras crescem socialmente e buscam homens com o mesmo perfil elas não encontram. Entretanto, em seu texto, Ashleigh não deixa de destacar que o “sumiço” destes homens esta relacionado à alta taxa de mortes e encarceramento do homem negro, sobre a possibilidade de eles optarem por relacionamentos com mulheres brancas, sobre a possibilidade de serem gays ou simplesmente não estarem mais disponíveis para se relacionar.

No evento Dissecando o Racismo de abril foi discutido sobre o “Erro na Pirâmide de Opressões”. Comumente a mulher preta era colocada na base da pirâmide como se o homem negro tivesse privilégios sociais acima da dela, o que na verdade não é o caso. Como visto ao longo deste texto, ocorreu um forte esforço por parte dos brancos para desumanizar e marginalizar a imagem dos negros em geral, indiferente do gênero. Mas existe um estigma associado aos homens pretos e que não é necessariamente coligado as mulheres, que é o de ser violento e perigoso.

Esta visão violenta associada ao homem negro também traz uma consequência direta no genocídio da população negra. Dados mostram que jovens negros são os principais alvos de assassinatos e encarceramento, pois na lógica racista, por ser perigoso, o homem preto precisa ser exterminado.

“De cada 100 pessoas que sofrem homicídio no Brasil, 71 são negras. Jovens e negros do sexo masculino continuam sendo assassinados todos os anos como se vivessem em situação de guerra”Atlas da Violência 2017.

Como reforça a professora de psicologia da Universidade da Virgínia, Noelle Hurd:

“Não é apenas ser negro, mas ser homem que tem sido hiperestereotipado desta forma negativa, na qual tornamos os homens negros assustadores, intimidadores, com uma propensão para a violência”

Em alguns encontros pretos pude ouvir relatos de mulheres negras que têm medo da figura do homem preto e de certa forma encontra dificuldade de se relacionar como ele devido a esta imagem. Mas eu pergunto, ao longo da história, de todas as barbáries e monstruosidades violentas que o homem branco já nos fez, como continuamos pensando que é mais fácil se relacionar com um branco do que como um homem preto? Evidente que não estou sugerindo com quem devemos nos relacionar, mas apenas reforçando que todas as dificuldades que criamos para nos aproximarmos do homem preto talvez estejam relacionadas com o racismo o qual internalizamos através da má imagem construída do homem preto do que necessariamente do homem preto como um problema em si.

A mudança na imagem do homem negro será gradativa e provavelmente demorada, mas é importante que reflitamos sobre isso e que reforcemos este assunto em nossas pautas para que a mudança se inicie o mais rápido possível. Para um primeiro passo, converse com os homens pretos mais próximos de vocês, seus pais, avós, irmãos, tios e até amigos. Busque entendê-los, procure ouvi-los sempre tendo em vista que o racismo pode ter atingido eles de uma forma muito cruel. Ressalto ainda que, demonizarmos a nossos irmãos como já é feito pelo homem branco, não nos traz benefícios nenhum enquanto uma comunidade em condição de sofrimento e luta devido à situação de diáspora. Então… Reflitamos sobre essa problemática e busquemos dar o primeiro passo! Asé!

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