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Beatriz Mendes
6 min readJun 7, 2023

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Sandro Botticelli: a Tartaruga Ninja que ficou de fora

Antes de Leonardo, Rafael e Michelangelo, havia Sandro

Por Beatriz Mendes

Você provavelmente já se deparou com a icônica figura de Vênus nua e enrolada em seus cachos, enquanto se equilibra no centro de sua enorme concha. E não é para menos: a obra é tão famosa que apareceu em milhares de filmes, livros, releituras, réplicas e até em estampas de meias e camisetas, ao longo dos séculos.
(Figura: Auto Retrato de Botticelli em sua Adoração dos Magos).

Responsável por duas das obras mais emblemáticas, não apenas do Renascimento Italiano, mas de todos os tempos, Sandro Botticelli revolucionou a pintura com traços finos, cores marcantes e retratos femininos de tirar o fôlego.

Mas se Botticelli foi de fato tão importante, por que, geralmente, não recebe o mesmo prestígio e lugar de destaque que seus sucessores? No texto de hoje, conheceremos um pouco mais sobre o homem que deu nova vida aos mitos gregos e romanos. Vamos lá? 😉

Afinal, quem foi Botticelli?

Nascido em Florença em 1445, Alessandro di Mariano di Vanni Filipepi iniciou sua aprendizagem como ourives no ateliê do renomado artista da época, Filippo Lippi. Com um nome gigantesco desses, resolve atender pelo diminutivo “Sandro” e adota o apelido pelo qual seu irmão era conhecido: Botticelli (palavra oriunda de Botticello, que significa pequeno barril ou tonel).

Com o passar dos anos, passa a integrar a corte de artistas neoplatônicos da família Medici e logo se torna o queridinho de Lorenzo, o Magnífico. Debaixo das asas de Lorenzo, Sandro cria suas mais famosas obras, antes de partir para Milão e Roma.

As obras de Botticelli tornam-se sinônimo quando o assunto é beleza clássica, inspiradas pelos mitos e lendas gregos e romanos, como é o caso de seu mais consagrado trabalho: O Nascimento de Vênus.

Embora menos conhecido do que os trabalhos de Michelangelo, Sandro também foi responsável por algumas pinturas da Capela Sistina, a pedido do papa Sisto IV, como é o caso do afresco “As Tentações de Cristo”, de 1482.

Principais Obras

O Nascimento de Vênus (1484)
Encomendada pelos Medici para ornar o quarto de uma de suas villas, provavelmente como presente de casamento para algum recém casal de pombinhos, a obra retrata a deusa Vênus, equivalente romana da deusa do amor e da beleza Afrodite, no momento do seu nascimento. Após Saturno castrar seu pai, Urano, ele joga os seus genitais no mar e da espuma oriunda do momento, nasce Vênus.

Na obra ela é retratada com a pose clássica da Vênus Pudica, com as mãos estrategicamente posicionadas, enquanto Zéfiro, o vento oeste, e sua mulher Clóris, sopram sua concha em direção a praia, na Ilha de Chipre. Na areia, uma Ore, umas das filhas de Saturno que possivelmente representa a primavera ou o verão, espera com um pano estendido para recebê-la.

Botticelli era tão atento aos detalhes que sua obra é recheada deles: as rosas, segundo a mitologia clássica, só apareceram pela primeira vez no mundo após o nascimento da deusa. Na pintura, elas podem ser vistas rodeando os personagens. Sandro também utilizou de sua experiência como ourives para realçar os detalhes das folhas e da própria concha com ouro.

Primavera (1478)
Os mesmos personagens podem ser encontrados em outra famosíssima obra de Botticelli, “A Primavera”, também encomenda dos seus patronos da família Medici. Ela retrata o momento em que Zéfiro, como um bom cavalheiro (só que não), rapta a ninfa Clóris e a faz sua esposa. Ela aparece na próxima figura já grávida e na forma da divindade latina Flora. No centro da obra, Vênus novamente torna-se protagonista (como em muitas obras do pintor), simbolizando o amor e a beleza. Acima dela, encontra-se seu filho Cupido, na forma clássica de um anjinho com seu arco e flechas. Do lado esquerdo da obra, as três graças comemoram a chegada da primavera enquanto o deus Mercúrio espanta as últimas nuvens do céu com seu caduceu. Os detalhes aqui também surpreendem: os tipos de flores e plantas são tantos e cuidadosamente escolhidos, que botânicos utilizam a obra como motivo de estudo até os dias atuais.

Diferente de seus sucessores, como Leonardo, que era fascinado por figuras tridimensionais e a técnica do sfumato, as obras de Sandro são lineares, bidimensionais e de traços simples, características que reforçam os aspectos sonhadores e alegóricos das obras.

Embora não seja tão famoso por este motivo, o mestre também tem sua parcela de obras religiosas, que diferente das citadas acima, são mais ricas em profundidade e realismo, como é o caso da Madonna del Magnificat, uma de suas mais famosas pinturas do gênero, pintada em um painel circular ou tondo.

A Musa das musas

Imagine ser tão bela a ponto de ser eternizada nas mais importantes obras da humanidade e ser considerada o padrão de beleza de toda uma geração. Simonetta Vespucci talvez seja a única mulher que pode se gabar deste feito (ou poderia, se ainda estivesse viva). Parente distante do navegador Amerigo Vespucci, Simonetta foi considerada a mais bela mulher do Renascimento Italiano e tornou-se a musa maior dos trabalhos de Botticelli. Não é à toa que ao se observar as obras do mestre, o mesmo rosto feminino parece se destacar em todas. Sendo assim, este é um truque fácil para identificar uma obra de Sandro!

E não foi apenas Botticelli, que pediu para ser enterrado aos pés da jovem quando morresse, que se encantou por sua beleza. Algumas fontes afirmam que Simonetta, casada na época com Marco Vespucci, era amante de Giuliano di Medici, irmão mais novo de Lorenzo. Dizem que o casal pode ser visto representado em outra famosa obra de Sandro, que retrata os deuses amantes Vênus (sim, ela de novo) e Marte.

Simonetta morreu de tuberculose aos 23 anos e dois anos depois, Giuliano foi assassinado na missa de Páscoa, no Duomo de Florença, no episódio que ficou conhecido como A Conspiração dos Pazzi.

Decadência

Se Botticelli de fato parecia ser “o cara”, por que sua popularidade declinou com o passar dos anos? Acontece que além de Lorenzo, Sandro era muito próximo do frei dominicano Girolamo Savonarola, inimigo político dos Medici.

Com a queda da família do poder e a crescente popularidade de Savonarola, com suas profecias apocalípticas e aversão à arte, muitas pessoas passaram a abrir mão de itens supérfluos e tudo o que fosse ligado ao “pecado dos Medici”. Botticelli caiu na conversa do padre e chegou a destruir muitas de suas obras na chamada “Fogueira das Vaidades”.

Sendo assim, caiu na miséria e acabou morrendo em 1510. Seu nome ficou esquecido por cerca de 300 anos até ser resgatado pelos artistas do movimento “Pré-rafaelita’’, que exaltavam as técnicas e estilo de pintura do mestre.

Tour Botticelli

Se você, assim como eu, fascina-se pela história e pelas pinturas de Sandro e pretende vivenciar de perto a aura de magia que ele conseguiu transmitir através de suas pinceladas, não pode deixar de visitar os seguintes pontos em sua próxima viagem para a Itália:

Galleria Uffizi
A maior galeria de arte renascentista do mundo e o maior museu de Florença abriga dezenas de obras do pintor, com seções inteiras dedicadas às suas pinturas. É lá que você pode namorar de pertinho obras como O Nascimento de Vênus, A Primavera, Adoração dos Magos, Madonna del Magnificat, Minerva e o Centauro e muitas outras.

Chiesa di San Salvatore in Ognissanti
Menos conhecida entre as dezenas de igreja de Florença, a Chiesa di Ognissanti é parada obrigatória para fãs do mestre. Isto porque ninguém menos do que o próprio Botticelli está enterrado ali, junto de sua musa Simonetta. A igreja também é repleta de afrescos e pinturas de Sandro e outros pintores. Vale muito a pena ser visitada!

A verdade é que, mesmo se entregando ao fanatismo religioso no final de sua vida e sendo esquecido por muito tempo, a contribuição de Sandro Botticelli para o mundo da arte é imensurável e serviu como base para diversos outros artistas e movimentos. Na minha opinião, uma quinta Tartaruga Ninja talvez tivesse sido uma ótima forma de homenagear esse grande e injustiçado mestre! 😊

Texto feito para a Newsletter do Italiano a Tutti

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Beatriz Mendes
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• Jornalista • Redatora • Especialista em História da Arte • Fotógrafa • Copywriter