Ser ilustrador

Relatos de Laerte, Sean Lewis, Bicicleta Sem Freio, Catarina Sobral, Thales Molina e Maíra Valentim.

Beatriz Marassi
Caronte Design
10 min readJan 9, 2018

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Ilustrar é uma palavra curiosa, significar deixar ilustre, esclarecer, elucidar. Conversei com profissionais de diferentes meios e suportes para entender como chegaram a esta conclusão: ser um ilustrador.

Laerte Coutinho

cartunista e chargista. São Paulo, Brasil.

Laerte. Piratas do Tietê. Publicado na Folha de S.Paulo em 22/11/2017.

Quando escrevi pra Laerte não esperava que ela pudesse me retornar. Por sorte me enganei. Ela foi a primeira. Laerte tem mil projetos e arruma tempo pra tudo. É engajada, atenciosa e não para! Não atoa, considerada uma das mais importantes cartunistas brasileiras.

Laerte publica tiras para a Folha de S.Paulo e também em seu site. É responsável pelos personagens de Piratas do Tietê, Hugo Baracchini, Deus, Overman e outros. Além das tiras, Laerte já escreveu textos para a TV Pirata, Sai de Baixo. Atualmente apresenta o programa Transando com Laerte no Canal Brasil.

Laerte. Piratas do Tietê. Publicado na Folha de S.Paulo em 13/12/2017.

Ali pela puberdade eu entendi que desenhar era um meio de expressão que me servia especialmente bem.
Mas eu me interessava por outros meios também, e até os 20 e poucos anos não tinha definido o desenho como profissão.
Foi depois de uma conversa com um professor muito querido — de Música — que eu cheguei a essa definição.

Laerte, via e-mail, 2017.

Laerte. Piratas do Tietê. Publicado na Folha de S.Paulo em 28/11/2017.

Quando questionei sobre como ela vê o trabalho que faz hoje em relação ao trabalho que fazia no início de sua carreira ela disse que passou por curvas, subidas e descidas. “Acho que, em linhas muito gerais, deixei de lado certos procedimentos que, em determinado momento, pareceram estar me limitando — como o uso de personagens e de fórmulas narrativas de humor.”

Senti que precisava de algo que tinha interrompido lá no meu início — e venho tentando trabalhar com essa “retomada”, combinada com aspectos da maturidade profissional que me interessam manter.

Laerte, via e-mail, 2017.

Laerte. Overman. Publicado em seu site. Acesso em 2 jan. 2018.

mais de Laerte em:
Livro: Carol, autoria de Laerte.
Entrevista: Laerte para Brasil de Fato. Laerte Coutinho: Gênero é algo que pode e deve ser discutido.
Filme: Laerte-se, na Netflix.

Bicicleta Sem Freio

estúdio de ilustração. Goiás, Brasil.

Eles são espontâneos como nunca vi. Em uma palestra que assisti há muito tempo, deixaram todos chorando de rir ao contar que deletaram um e-mail cujo assunto era T-shirt Nike achando que era spam, e na verdade era o convite para estampar uma camiseta para a empresa. No fim das contas estamparam essa camiseta e fizeram mais um monte de outras coisas incríveis.

Bicicleta Sem Freio. Mural para o Lollapalooza em Santiago do Chile.

O nome diz muito, como publicado no site do estúdio eles são “três moleques pilotando uma bicicleta a toda velocidade, sem nenhum tipo de freio”.

A gente ainda não percebeu [que pode viver de ilustração], a gente ainda está lutando diariamente. Tem que desenhar todo dia. A evolução de traço e trabalho está diretamente ligada a constância de uma produção continua.

Renato do Bicicleta Sem Freio, via e-mail, 2017.

Além da Nike, eles já fizeram trabalhos para a Absolut, Levi’s, Sony, Converse, AlmapBBDO, Agência Africa, MTV, UFC, Editora Abril e diversos murais em festivais de música e arte.

Cada projeto é uma experiência nova, com novas referencias. Geralmente atendemos bandas independentes a grandes marcar internacionais. E dedicamos a mesma energia para todas.

Renato do Bicicleta Sem Freio, via e-mail, 2017.

Os suportes são os mais variados. Do papel ao muro. Os meninos já estamparam embalagens, roupas, posters de eventos e ilustraram o clipe “My Favorite Way” da banda Black Drawing Chalks.

Bicicleta Sem Freio. Clipe “My Favorite Way” para a banda Black Drawing Chalks.

Nosso trabalho está diferente hoje, mas a essência ainda continua a mesma, o trabalho manual, o apego pelo desenho e cuidado em cada parte.

Renato do Bicicleta Sem Freio, via e-mail, 2017.

mais de Bicicleta Sem Freio em:
Portfólio

Catarina Sobral

ilustradora e autora de livros e de filmes de animação. Portugal.

Catarina Sobral. Fragmento da obra “Vazio”, publicada em Portugal pela Editora Pato Lógico e publicada no Brasil pela Editora 34. Esta obra foi destaque no White Ravens 2013 e na 3x3 Best of Show 2015. ver mais

Catarina Sobral é ilustradora e autora portuguesa, tem dez livros publicados, sete deles foram escritos por ela e já publicados em treze línguas diferentes. Aqui no Brasil encontramos os títulos Vazio que foi publicado pela Editora 34, Achimpa e Greve publicados pela Martins Fontes.

Acima um exemplo da mesma obra publicada em diferentes países e idiomas: “Mein Opa”, alemão publicado pela Knesebeck Von Dem Gmbh; “Mio Nonno”, italiano publicado pela La Nuova Frontiera Junior e “Mój Dziadek” em polonês pela Kocur Bury.
Catarina Sobral. O meu avô, título original da obra. Esta imagem está no site da Catarina Sobral.

Além das obras editoriais Catarina ilustra para a imprensa, discos e cartazes, dá aulas de ilustração e faz filmes de animação. O destaque é um curta metragem chamada Razão entre dois volumes que deve estrear este ano. “A história tem duas personagens principais: o Sr. Vazio, que nasceu num livro de 2014, e o Sr. Cheio, o oposto psicológico daquele. Eles conhecem-se no filme e esse é o grande motor da narrativa.”

Entrei [no mestrado de ilustração], comecei a fazer alguns trabalhos para revistas e jornais e fiz os meus dois primeiros livros ainda durante o mestrado. Naturalmente que era difícil viver só da ilustração nos primeiros anos mas as coisas foram correndo bem e até bastante depressa.

Catarina Sobral, via e-mail, 2017.

Ela disse que aprendeu muito sobre ilustrações e sobre as publicações ao longo da sua carreira. “As escolhas que tomo são menos intuitivas, tenho de experimentar menos até perceber o que funciona, consigo organizar melhor o trabalho, em suma, trabalho mais depressa e mais eficazmente.”

Catarina Sobral. Fragmento da obra “Tão tão grande”. saiba mais

Coisas simples como definir a composição da página, o tipo de contraste, organizar a sequência das páginas de forma dinâmica, ou mais complexas como saber quem sou, em termos autorais, tornaram-se mais fáceis de responder. No entanto, é-me agora mais difícil escrever, sinto uma responsabilidade maior com cada palavra que escolho ou com a sonoridade do texto. De qualquer forma, tenho mais ferramentas para ilustrar e para escrever hoje do que tinha antes, e um discurso sobre ilustração que me ajuda a compreender o meu trabalho e o dos outros.

Catarina Sobral, via e-mail, 2017.

Catarina Sobral. Fragmento de “Citybox Lisboa?”. ver mais

mais de Catarina Sobral em:
Livro: Vazio, autoria e ilustração de Catarina Sobral
Livro: Achimpa, autoria e ilustração de Catarina Sobral
Entrevista: Estante
Site da Catarina Sobral.

Sean Lewis

pintor e ilustrador, Toronto, Canadá.

Sean Lewis, The Oil Baron, disponível no seu Behance.
“Through most of my 20’s I worked at a canoe tripping camp, those experiences and my love for the outdoors informs a lot of the imagery in my work.” Sean Lewis, via e-mail, 2018.

Sean é um ilustrador canadense, bacharel em ilustração na OCAD University (The Ontario College of Art and Design University). Seus pais são artistas e o encorajaram desde criança a desenhar, esta ideia persistiu até a vida adulta. Parte das imagens que ele constrói hoje tem referência a um emprego que teve em um acampamento de canoagem (canoe tripping camp).

Ele não imaginava que fosse se tornar um profissional já que não se sentia particularmente habilidoso, gostava de desenhar personagens estranhos e coisas que achava divertido. Então, no programa de ilustração ele teve a orientação de professores que o fizeram perceber a amplitude da ilustração, e que ela poderia ter o trabalho dos sonhos.

It wasn’t until university that I realized illustration was a career option at all. I chose it over drawing and painting because I didn’t consider my work to be particularly artful, I liked drawing eerie characters and things that made me laugh, I thought the painting program would be too serious. With the wise guidance of a few professors, I realized the breadth of illustration, my work evolved a lot and a career in illustration seemed like a dream job.

Sean Lewis, via e-mail, 2018.

Sean conta que no início era muito exigente consigo mesmo. Ele achava que seu trabalho só seria reconhecido se feito a mão, e o medo de explorar novas técnicas e cores o deixou com medo de produzir. “The process became less exciting and the act of painting proved more daunting than satisfying.”

Hoje, no entanto, seu trabalho amadureceu. Usa meios e suportes diferentes e se desafia a criar coisas novas, inclusive na pintura a óleo e projetos animados, digitais.

Now I use many different mediums and it’s a joy and challenge to create visual harmony between the different approaches. I also have a certain level of confidence and a belief in my intuition that I lacked at the beginning.

Sean Lewis, via e-mail, 2018.

Imagem disponível em https://www.seanlewis.ca/

I’m excited about learning, pushing myself into world’s I didn’t think about before. Pursuing animated projects and investing more time into oil painting.

Sean Lewis, via e-mail, 2018.

mais de Sean Lewis em:
Portfólio
Prints

Thales Molina

designer, ilustrador e infografista. São Paulo, Brasil.

Vagaluz, 2016. Quadrinho autoral independente de Thales Molina.
Publicado pela Rochedo Press, selo de Thales e Raul Aguiar.

Thales é responsável por muita coisa boa que vemos por aí, trabalhou 6 anos com design editorial para a Editora Abril, nas publicações Runner’s World, Mundo Estranho e Superinteressante. Atualmente trabalha com design thinking na Fjord.

Como ilustrador fez projetos para a Editora Positivo, de Curitiba, Folha de S.Paulo, Playboy, Superinteressante, Mundo Estranho, Galileu, GQ, Você S/A, Capricho, Ubisoft, Riot Games e outros.

Paulista de mãe paraibana criado em Pernambuco, onde se formou em design e percebeu que queria ser ilustrador.

Eu nunca fui de chegar em casa e desenhar até dormir — sempre preferi procrastinar e ir jogar videogame, assistir tv, ficar no mIRC na adolescência. Fazia desenhos no fundo do caderno, mas nunca pintava ou ia finalizar no tempo livre. Era uma coisa pra passar o tempo na aula mesmo. Anos depois, no terceiro semestre da UFPE-CAA (Universidade Federal de Pernambuco — Centro Acadêmico do Agreste, Caruaru), surgiu uma matéria chamada “sketch e rendering”.

Thales Molina, via e-mail, 2017.

Thales me mandou um link com os trabalhos dele da época da UFPE-CAA, estas postagens no WordPress ajudaram a captar o primeiro cliente. Ver aqui. Atualmente ele posta os trabalhos dele no Flickr e no Behance.

Processo criativo de “Mau” postado no Behance:
https://www.behance.net/gallery/18542659/Mau

Não consigo desvincular as duas coisas [design e ilustração] porque minha formação é em design, então acho que a forma de pensar em cima de um briefing, de uma composição, parte muito do que vi na faculdade. Me especializei com infográficos na Editora Abril, então adoro desconstruir as coisas visualmente e elucidar conteúdos de forma imagética, porque fica mais claro tanto pra quem cria quanto pra quem recebe a informação.

Thales, via e-mail, 2017.

mais de Thales Molina em:
Livro: Vagaluz, autoria de Thales Molina
Projeto: Mapas da Cultura Pop, Mundo Estranho

Maíra Valentim

ilustradora. São Paulo, Brasil.

Maíra Valentim. Ilustração para publicidade da Corneto. ver mais

Maíra é formada em design gráfico pela Belas Artes de São Paulo. Hoje é ilustradora em uma produtora de animação e também atua como freelancer.

[Já na faculdade] comecei a focar todos meus estudos em ilustração 3D e a procurar estágios na área. Consegui um estágio em um estúdio de ilustração onde podia usar meus conhecimentos de design gráfico e ao mesmo tempo aprender 3D, eu digo que foi aí que tudo começou.

Maíra Valentim, via e-mail, 2018.

Maíra Valentim. Ilustração para a capa da Superinteressante de outubro/2016.

Ela já fez trabalhos para editoras como Abril, Positivo, Moderna e também para a publicidade as marcas Harley Davidson, Cultura Inglesa, Corneto e outras. “Meu trabalho é criar imagens que transmitam o que meu cliente quer passar.”

Para fazer um projeto acertivo, que cumpra com todos os objetivos que o cliente quer alcançar com a imagem, Maíra ressalta a importância da clareza da comunicação.

O trabalho começa sempre lendo o briefing do cliente tentando entender o que ele quer passar com a imagem. Se eu tiver dúvidas, pergunto tudo antes de começar. Assim que entendi a proposta do trabalho, começo a fazer alguns estudos até chegar a um rafe básico da composição geral da imagem para o cliente ver onde cada elemento vai estar. Essa etapa é muito importante para o cliente validar, se a imagem esta no caminho correto, porque impede mudanças muito drásticas, as vezes tendo que refazer toda a ilustração no final.

Maíra, via e-mail, 2018.

Ela destaca o projeto Pequenos Exploradores para a Editora Positivo como um desafio muito interessante. “Foi me passado um briefing para desenvolver 6 personagens (um menino, uma menina, um jabuti, uma arara azul, um tamanduá e um crocodilo) todos em um estilo meio toy art, com cara de brinquedo. Eu gosto muito de poder trabalhar em projetos lúdicos assim, como dar personalidade amigável para um crocodilo que pega ondas e gosta de tirar fotos.”

Maíra Valentim. Personagem desenvolvido para o projeto Pequenos Exploradores da Editora Positivo. ver mais

mais de Maíra Valentim em:
Portfólio

Obrigada.

Cada um tem seu caminho e seu estilo, não existe uma receita. A ilustração é uma carreira que conecta as pessoas. Gostaria de agradecer a todos estes artistas que dispuseram de tempo e muita gentileza para escrever e contribuir com este projeto.

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