O dia em que eu virei a Bruxa Má para uma escola de princesas

Bela Magalhães
5 min readOct 7, 2015

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euzinha, sendo criança aos 4 anos.

Outubro, mês das crianças a gente vê todos os coleguinhas do facebook atualizando suas fotos de perfis para imagens desses lindos e antigos catarrentos. Toda essa nostalgia do mês das crianças me faz lembrar o tanto que foi bom crescer em um lar (quase) livre de preconceitos, onde me deixavam exercer minha imaginação para que hoje eu pudesse me tornar o que eu quisesse.

Já faz um tempinho que eu me indigno bastante com a sociedade que vivemos e tento fazer coisas para mudar pelo menos o mundo que está próximo a mim. Eu acompanho e apoio iniciativas legais, e sempre tento problematizar iniciativas que eu acho não tão legais assim. E foi nessa brincadeira de referências e mergulhos na internet que eu encontrei a Escola de Princesas.

Essa escola é uma iniciativa para ensinar ~regras de etiqueta~ para crianças de 4 (QUATRO) a 15 anos. Um exemplo de tais regras:

“O passo mais importante na vida de uma mulher, sem dúvida nenhuma, o matrimônio. Nem mesmo a realização profissional supera as expectativas do sonho de um bom casamento. Enfim, a ideia do ‘felizes para sempre’ é o sonho de toda princesa.”

Nada contra mulheres que querem se casar, nada contra pessoas sonharem com um “felizes para sempre”. Mas tudo contra doutrinar meninas de 4 anos para o matrimônio.

Eu andava meio por fora sobre como essa escola estava crescendo, até descobrir que eles iriam abrir uma unidade na minha linda e amada Belo Horizonte </3. Então da mesma forma que eu questiono marcas como Mc Donalds e Coca-Cola, eu resolvi iniciar um diálogo com a página, falando uma linguagem em que elas me escutariam, criando a ideia de que eu seria uma potencial cliente.

Decidi postar no meu facebook o diálogo com a descrição abaixo para problematizar isso com meus amigos:

Moça a senhora não está entendendo, o “meu filho” quer brincar de PRINCESA e não de príncipe.

Eu começaria a achar uma ideia legal, se “o meu filho” pudesse entrar lá e brincar de princesa com as meninas, seria lindo se fosse um espaço para estimular imaginação, criatividade e igualdade de gênero, imaginem só que quebra de barreiras vindo dessa empresa eu me surpreenderia.

Mas não. E é por isso que eu critico esse tipo de iniciativa diariamente, e é por isso que a gente tem que falar de gênero nas escolas.

Enquanto iniciativas como essa existirem, o “meu filho” não estará no mundo em pé de igualdade a meninas, enquanto a criação de meninos e meninas não for igualitária a gente não vai ter um mundo livre de sexismo.

Trem fofo do facebook ❤

Não, eu não tenho filhos, eu não sou mãe, eu sou só uma designer que trabalha com livros infantis, e por isso conheço dezenas de famílias nas quais essa situação poderia ser real. Eu criei esse diálogo na esperança de talvez ser surpreendida e repensar a minha opinião sobre essa iniciativa.

Mas é claro que isso não foi possível. É claro que não seria permitido meninos e meninas brincando em pé de igualdade! Onde já se viu em pleno 2015, em que todas as crianças são apaixonadas pela Elsa, uma escola tratar princesas como simples dondocas que arrumam o cabelo e esperam pelo príncipe encantado?!

Bom, eu tenho uma notícia desagradável para vocês: o Príncipe Encantado não existe :(. Mas existe aqui fora (longe dessa caixinha onde as pessoas separam meninos de meninas) um mundo mágico cheio de amor e pessoas que compreendem que encantado mesmo, é ser quem você é! Encantado e mágico é exercer a sua criatividade e se divertir independente de gênero.

Quem me mostrou esse mundo mágico e encantador, no qual eu não vivo sozinha, foi você internet ❤ recheada de pessoas incríveis que compartilharam e curtiram o meu post milhares de vezes, chegando até mães que repensaram o papel do gênero e dessa escola nessa história toda.

Essa foi só uma das mensagens lindas que acompanharam o compartilhamento do meu post

Pode ser que a escola de princesa realmente consiga abrir sua franquia em BH, pode ser que esse furor da internet contra essa página passe em 3 dias, eu sei que eu não vou conseguir mudar o mundo, mas ao meu redor todo esse amor compartilhado já mudou (mais uma vez) o meu mundo.

Infelizmente essa página de princesas do século passado não entendeu que a regra número 1 dessa nova molecada da internet é o diálogo e o aprendizado. Felizmente na nossa sociedade não existem mais espaços para vocês e essa mentalidade digna de Idade Média. Eu temo pelo futuro dessas garotas doutrinadas, pois o tempo não pára, o casamento homoafetivo não vai voltar a ser tabu, as nossas crianças estão cada dia mais livres e a história vai acabar atropelando vocês.

ps.: para a página, que agiu da pior maneira possível, excluindo os comentários problematizadores e mantendo os transfóbicos, homofóbicos e principalmente misóginos eu quero só mandar um recado do fundo do meu coraçãozinho ~malévolo~ e feminista:

Nós [feministas], somos mesmo, essas bruxas más, somos netas das bruxas que a inquisição de vocês nunca conseguiu ou conseguirá queimar.

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