Foto: Piron Guillaume/Belgium

A Hipocrisia Da Medicina

Isabela Siyao Chen
4 min readApr 10, 2020

PROMETO SOLENEMENTE consagrar a minha vida ao serviço da humanidade;

A SAÚDE E O BEM-ESTAR DO MEU DOENTE serão as minhas principais preocupações;

RESPEITAREI a autonomia e a dignidade do meu doente;

GUARDAREI de máximo respeito pela vida humana;

São as frases que mais ansiamos proferir quando somos alunos de medicina. Elas significarão o fim de mais uma etapa em nossas vidas, e muito mais que isso, significarão nossa capacidade de fazer a diferença na vida das pessoas, nas quais aplicaremos o que nos foi ensinado por nossos mentores durantes 6 anos. Bom, é um engano até poético, para não dizer inocente.

Fazer a diferença na vida das pessoas vai além de um diploma e um CRM. Quem escolheu se dedicar a saúde, seja ele médico, enfermeiro, farmacêutico, fisioterapeuta ou terapeuta ocupacional, dentre muitos outros, ressignifica os conceitos de empatia, humanidade e sacrifício todos os dias. Não somente por escolher dedicar as próprias vidas em salvar outras, mas durante toda a construção de suas carreiras, buscam ser o exemplo, em sua melhor versão, do que em suas formaturas juram na frente de seus mestres, familiares e amigos.

NÃO PERMITIREI que considerações sobre idade, doença ou deficiência, crença religiosa, origem étnica, sexo, nacionalidade, filiação política, raça, orientação sexual, estatuto social ou qualquer outro fator se interponham entre o meu dever e o meu doente;

RESPEITAREI os segredos que me forem confiados, mesmo após a morte do doente;

EXERCEREI a minha profissão com consciência e dignidade e de acordo com as boas práticas médicas;

Laboratório de Robótica de Bristol, Stoke Gifford, Reino Unido. Foto: Louis Reed/United Kingdom

Há muito o que se dizer acerca da arte de cuidar. Em meio a crises, a maioria fala da saúde como se fosse meramente um setor que pode ser afetado, sem ao menos entender a sua real importância até necessitar. Concomitante a cobrança de uma maior agilidade nos atendimentos e de uma maior infraestrutura capaz de atender eficientemente toda a população, há a progressiva redução de verbas direcionados para pesquisas e universidades públicas, não só pelo (des)governo atual, como também por seus antecessores, sem lembrar que quando gritam por saúde nas ruas, também gritam por ciência. Então por que cobrar algo quando tiram a outra?

A qualidade da educação médica é fortemente afetada por crises como a pandemia do Covid-19, no qual instituições privadas se veem na urgência em equiparar a educação presencial com o ensino a distância, versus, as preocupações dos alunos em manter e desfrutar do alto nível do curso e a estabilidade financeira familiar, uma vez que, recorrentemente, cursos como a Medicina são negligenciados em relação ao pacote de redução da mensalidade, justificadas como auxílio àqueles afetados pela crise que devasta o hodierno. Em contraste com a realidade das universidade federais que estão impossibilitadas de dar continuidade ao cronograma. Tais decisões colocam as famílias dos alunos em uma fantasia utópica que custam a carreira de pessoas tão boas que fariam a diferença em um cenário futuro análogo ao que estamos vivendo, que serão tão heróis quanto aqueles que estão na linha de frente se expondo à nova doença.

Por quê?

Foto: Hush Naidoo, Johannesburg, South Africa

PORQUE como todos aqueles que escolheram a saúde e a ciência, escolhemos cuidar da vida além da própria, ser fiel ao método científico, sermos mais do que o necessário. Nem todos pela vaidade ou pelo dinheiro, mas pelo sacrifício por um bem maior, e isso não acontece no dia da formatura — ledo engano — mas no dia que nos comprometemos diante de nossas famílias a estudarmos para ingressar no curso de Medicina, e por cada dia que clamamos a Deus para guia-nos com fé a fim de alcançar nosso maior potencial, em nosso melhor momento e no melhor lugar com as melhores circunstâncias.

Humanizem a medicina, os alunos e principalmente valorizem os professores, para que aqueles desconhecidos heróis e irmãos que lutam por nós agora sejam honrados em todos seu valor e se orgulhem, porque no futuro seremos nós quem lutaremos por eles e seus legados.

PORQUE escolhemos ser mais humanos do que a humanidade merece.

FOMENTAREI a honra e as nobres tradições da profissão médica;

GUARDAREI respeito e gratidão aos meus mestres, colegas e alunos pelo que lhes é devido;

PARTILHAREI os meus conhecimentos médicos em benefício dos doentes e da melhoria dos cuidados de saúde;

CUIDAREI da minha saúde, bem-estar e capacidades para prestar cuidados da maior qualidade;

NÃO USAREI os meus conhecimentos médicos para violar direitos humanos e liberdades civis, mesmo sob ameaça;

FAÇO ESTAS PROMESSAS solenemente, livremente e sob palavra de HONRA.

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Isabela Siyao Chen

(爱)| Amarela | Paulista | Acadêmica de Medicina | Ambientalista | Voluntária | Colunista da Revista Brado | Um Mistério em Várias Línguas |