Suicídio e Medicina

Isabella de Oliveira
6 min readNov 29, 2017

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Essa semana as redes sociais se encheram com a notícia do segundo suicídio em dez dias na faculdade de Medicina FAMINAS (BH), assim vieram várias mensagens retomando o assunto saúde mental do estudante de medicina — debate sempre válido. Faz tempo que não escrevo um texto "grande" e a desculpa é a clássica: "não tenho tempo". Mas diante de toda essa discussão resolvi escrever.

Já vi de "perto" o suicídio. A primeira experiência com ele foi o desejo, isso foi há dois anos atrás e é um assunto que nunca foi falada aqui e pouco é falada entre meus próprios amigos. Admitir que você já pensou em suicídio é algo difícil e me trará julgamentos. Mas o assunto é tão sério que não deve ser escondido. O que eu quero dizer é que a ideação suicida pode estar na mente de qualquer um, pessoas que você nem imagina. Pense bem, você achava que eu já tive essa experiência? Não vou entrar em detalhes pois é algo muito pessoal e complicado de falar, ainda mais que tudo que é dito sobre o assunto deve ser muito bem pensado (falar sobre suicídio incentivando-o é crime, MAS NÃO ESTOU INCENTIVANDO, PELO CONTRÁRIO). Esse primeiro momento foi quando as coisas estavam trabalhosas. Mas tive uma rede de apoio muito sólida de amigos, família, médico e psicólogo que me protegeram de qualquer mal. Além disso, a faculdade em si me ajudou me liberando de algumas aulas (eu me preocupava com faltas mas não tinha condições de enfrentar aquele ambiente) e dando auxílio não só para mim mas como meus pais, que estavam dispostos a me ajudar de qualquer maneira mas um pouco perdidos.

Pensar em suicídio não é sinal de fraqueza, mas gera uma sensação de culpa gigantesca. Você pensa que não é capaz de lidar com seus erros e problemas, pior ainda quando alguém fala que "todos estão conseguindo lidar com a faculdade, porque você não?". Quando esses pensamentos vêem à tona, procure ajuda. De verdade. Procure qualquer tipo de ajuda para fugir desse caminho, fale abertamente sobre o assunto, peça ajuda com todas as palavras e justificativas necessárias. Não esconda o jogo.

A segunda experiência foi pouquíssimo tempo depois da primeira, ou seja, eu estava fragilizada. Minha colega se foi assim. E eu não sei o que a motivou para tal e por um tempo foi difícil de aceitar e respeitá-la por isso. Achei injusto. Quando isso aconteceu as luzes vermelhas de alerta acenderam mais uma vez e meus pais e amigos me acolheram novamente. Nesse momento encontrei carinho e compaixão em professores que perceberam que eu estava sob risco e sofrendo.

Como os próprios alertas que vi no instagram divulgando o problema social e de saúde pública do suicídio entre estudantes de medicina, lembro de algumas frases:

  1. Não é normal ter insônia ou dormir menos de 5 horas por noite por causa da faculdade;
  2. Não é normal desenvolver ansiedade e ter crises de pânico por causa da faculdade;
  3. Não é normal ter que tomar antidepressivos por causa da faculdade;
  4. Não é normal sentir-se inferior aos outros devido notas de provas/trabalhos;
  5. Não é normal querer trancar a faculdade para poder "viver";
  6. Não é normal abdicar da sua saúde para cuidar da saúde dos outros;
  7. Não é normal se afastar da família e dos amigos por causa da faculdade, principalmente se essas pessoas lhe fazem bem e etc.

Ok, pronto. Já sabemos algumas coisas que não são normais mas, estranhamente, nos descuidamos e caímos em armadilhas (muitas vezes criadas por nós mesmos). Agora algumas ideias sobre como lidar com esses problemas acima:

  1. O sono é um momento de relaxamento, descanso para o corpo e para a mente, fundamental para o aprendizado e para a recuperação de um dia exaustivo. Perder o sono (ou madrugar) para estudar é uma roubada. A insônia, mais grave ainda, é quando esse quadro de falta de sono se instala de maneira mais crônica. As consequências são muitas: irritabilidade, memória prejudicada, sintomas ansiosos e depressivos. Para não perder o sono… Higiene do sono. Evitar celulares, computadores e TV por pelo menos uma hora antes de dormir, evitar estudar e fazer outras coisas na cama (cama é lugar sagrado do sono), crie uma rotina (tente dormir todos os dias no mesmo horário ou em horários próximos), reduza o café/chá preto ou verde/estimulantes a partir das 17h, crie um ambiente confortável e relaxante. Nada pior do que ir dormir olhando para uma pilha de problemas (lê-se trabalhos, livros e folhas de estudo). As dicas são muitas. Mais em: http://www.absono.com.br/leigos/a-higiene-do-sono/
  2. A ansiedade e crises de pânico são talvez as condições que eu mais conheço e reconheço em colegas de faculdade. Preocupações excessivas e muitas vezes infundadas, sintomas físicos como reflexo desse sentimento como palpitações, sensação de sufocamento e morte iminente, taquicardia, sudorese, tremores, náuseas, dor de barriga, diarreia, tonturas, medo de morrer ou de perder o controle. Um conselho que posso dar é permitir-se enfrentar esse momento (se ansiedade já instalada). Não se cobrar para dar conta de tudo ou ter medo de faltar aula, trancar faculdade… Ansiedade é uma doença e merece tempo para tratamento. Você merece. Outra coisa muito importante é procurar um psiquiatra e/ou um psicoterapeuta para lidar com essa condição e tratá-la. Uma coisa que aprendi com essa crise dos últimos dois anos foi de que não se pode ter controle sobre tudo, a vida é um mar de incertezas. Preocupar-se com o inevitável ou sofrer por antecedência só nos faz mal. Relaxe! Indico também técnicas como yoga, mindfulness, exercícios físicos no geral (o que for melhor para você, seu corpo, seus desejos), leitura, música, aromas, natureza... Conecte-se com o mundo e consigo mesmo para não se preocupar tanto.
  3. A depressão também é muito comum, podendo ser gerada também pela ansiedade. Diminuição do prazer e da vontade de fazer as coisas, perda ou ganho de peso, insônia ou sono excessivo, cansaço e falta de energia, pensamentos negativos e de morte, culpa e sofrimento. São sintomas do transtorno depressivo maior e que deve ser tratado com medicação e/ou psicoterapia, necessariamente. Não é uma fase, não vai passar se você não mudar o contexto em que está vivendo.
  4. Notas. Às vezes parece que somos esses números que representam o quanto, teoricamente, aprendemos de uma matéria. Já tirei notas baixas em assuntos que domino e já tirei 10 em provas de conteúdos que não sei mais de nada. Prova é algo do momento e não quantifica o que você sabe. Além de conhecimento, é necessário tem bom senso, raciocínio, sagacidade e compaixão (afeto). Não basta saber o que fazer, é preciso saber como fazer. Uma nota baixa não representa tudo que você é e vice versa.
  5. O desejo de parar a faculdade para poder ter uma vida social ou fazer coisas que você gosta também já deve ter passado na sua cabeça. A vida é agora e não depois. Já me vi pensando que a vida começava depois que eu entrasse na faculdade (quando estava no cursinho), depois a vida começaria depois de anatomia (calourice), depois começaria depois de X coisa… E assim a vida foi passando por mim. Viva o presente pois esse é o único momento que temos potencial para fazer algo extraordinário.
  6. "É preciso estar bem para cuidar de alguém."
  7. Conexões são a melhor profilaxia (prevenção) de transtornos mentais comuns (ansiedade e depressão). Converse, esteja presente, ame, abrace, compartilhe. Não se vive só e não se enfrenta momentos difíceis sozinho também.

Se você estiver precisando de ajuda, eu estou aqui. É preciso falar sobre saúde mental do estudante de medicina.

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