Obrigada, Google — mas ainda não é o bastante
É preciso dar às buscas por transtornos alimentares a atenção que merecem.
Em abril de 2016, escrevi esse texto sobre como era necessária uma grande mudança na maneira a qual o Google apresentava os resultados de busca para termos relacionados a transtornos alimentares. Com a repercussão, recebi informações de que havia uma reforma em curso e me aquietei — até agora.
Diferentemente de outros transtornos mentais — não é comum buscar “como ficar deprimido” ou “como desenvolver ansiedade” — , guias de como começar, manter e até mesmo morrer por anorexia ou bulimia são muito comuns por toda a internet.
Para deixar ainda mais claro: blogs que não são atualizados há anos aparecem nas primeiras pesquisas dos termos oferecendo dicas de como desenvolver um transtorno alimentar. Essas páginas são responsáveis pelo adoecimento de muitas pessoas que chegam a elas querendo perder peso rápido e saem delas cheias de dicas de como esconder dos amigos e da família, como aguentar mais tempo, como enganar os médicos, etc.
Além disso, essas páginas ensinam passo-a-passo a mentalidade que gera esses transtornos (a "pureza", o ódio ao próprio corpo, a lógica do desafio, da meta inatingível, da culpa…). E, como já disse no outro texto, grande parte delas está hospedadas no Blogger (.blogspot), plataforma de blogs do Google.

Foi inserida uma nova caixa (ao lado) ao pesquisar "anorexia" ou "bulimia" — assim como para muitas outras doenças físicas e mentais — com informações clínicas importantes, inclusive com aba de "sintomas" e recomendando tratamento psicológico.
Mas não é suficiente.
Quando procuramos "quero morrer", "suicídio", "como me matar", encontramos sempre uma caixa com o número de telefone da grande ONG de combate ao suicídio de diferentes países, mas as pesquisas também apontam para sites que parecem oferecer a solução para o suicídio "perfeito", mas que carregam mensagens positivas.
No caso de termos como “como vomitar para emagrecer”, “pró-mia”, “ser anoréxica”, “ser bulímica", como miar”, “miar emagrece”, "cardápio de uma anoréxica", não somente falta aviso de que algo pode estar errado mas os primeiros resultados ainda incentivam e ensinam as "práticas".
Outra razão pela qual ainda não é suficiente é que a nova "caixa" só aparece após buscas pelos termos isolados (ou "anoréxica"/"bulímico"): em "como ter bulimia", "dicas de bulimia", "como ser anoréxica" ela não é exibida — e, como já disse, está cheio de "dicas" nos primeiros resultados.
Diferentes redes sociais como o Tumblr, o Instagram e o Pinterest já possuem suas diferentes maneiras de lidar com os resultados — e parecem estar buscando aprimoramento.

O Instagram, que anteriormente só bloqueava as tags “anorexia” e “bulimia” e oferecia um link para uma descrição do que é um transtorno alimentar, hoje oferece para continuar vendo as publicações mas avisa o que aquele comportamento pode significar e oferece uma janela de apoio, com três "possibilidades": enviar mensagem a um amigo próximo que você confia, entrar em contato com uma linha de apoio ou um guia para "ajudar a si mesmo criando um momento de tranquilidade", com dicas desde respirar fundo até assistir a vídeos de animais engraçadinhos.

Transtornos alimentares matam mais que qualquer outro transtorno mental. No Brasil não existem dados estatísticos de nível nacional sobre doenças como a anorexia e a bulimia, porém já se sinaliza amplamente a relação entre as “comunidades online pró-ana e pró-mia” e o agravamento das condições clínicas de transtornos alimentares. Segundo dados norte-americanos, 1 a cada 5 mulheres sofre com transtornos alimentares ou comportamento alimentar disfuncional; 90% das pessoas que sofrem com transtornos alimentares são mulheres entre 12 e 25 anos; 51% das garotas entre 9 e 10 anos se sentem melhor consigo mesmas quando estão “de dieta”. 20% das pessoas que sofrem com anorexia morrem prematuramente de complicações relacionadas a seu transtorno.
Transtornos alimentares matam mais que qualquer outro transtorno mental. Não há uma fórmula para resolver e há muito trabalho a ser feito, mas cada passo é importante — e esse é fundamental.
Google, vamos conversar?
P.S.: Comer compulsivamente também é um transtorno alimentar reconhecido e catalogado, mas é— por razões óbvias — pouco incentivada não ser que venha acompanhado de induções ao vômito. Portanto, esse texto chama a atenção à promoção desenfreada de comportamentos anoréxicos e bulímicos.