Agroecologia: Se o campo não planta, a cidade não janta

A prática, que já conquistou muitos agricultores, está ganhando cada vez mais espaço e suporte na região de Avaré

Bianca Landi
10 min readJan 9, 2019

Você já deve ter ouvido falar da agroecologia, que nada mais é que uma opção sustentável, criada como um contraponto ao modelo convencional de agricultura industrial. Seu método prioriza o uso consciente dos recursos naturais e busca reduzir os problemas causados pelas monoculturas, apresentando opções sustentáveis para que a terra se mantenha produtiva.

O número de produtores rurais no Brasil ultrapassou os 4 milhões no primeiro trimestre de 2018, segundo o Censo Agropecuário feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mais de um milhão e meio de produtores são adeptos do uso de agrotóxicos, segundo pesquisa feita pelo Instituto em 2017, o que mostra que desde 2006 tivemos um aumento de 20,4% na aplicação de veneno para o controle de pragas e doenças.

Em levantamento feito pela Agência Pública em 2018 com base em dados do Ministério da Saúde, nos últimos dez anos cerca de 40 mil pessoas foram atendidas no Brasil após serem expostas a agrotóxicos. Essa média equivale a 7 pessoas intoxicadas por dia.

Desses casos, 1.824 resultaram em mortes devido à intoxicação, e outras 718 pessoas apresentaram sequelas, como insuficiência respiratória, lesões no fígado e problemas nos rins.

A agroecologia surge como uma alternativa ao modelo convencional de agricultura industrial. Imagem: Dênio Simões/Agência Brasília

Com dados tão preocupantes, por que, então, continuamos consumindo alimentos com agrotóxicos?

Para o médico Daniel Evangelista, isso acontece devido à classificação de alguns desses agrotóxicos, que muitas vezes são categorizados como “pouco tóxicos”, levando em consideração apenas a sua capacidade de intoxicação aguda, quando os sintomas aparecem imediatamente após o contato direto com algum contaminante.

Apesar do elevado número de trabalhadores do campo que sofrem com esse tipo de contaminação, o maior problema, para Daniel, é o cumulativo. Esse tipo de complicação aparece após anos de consumo desse tipo de substância, e se manifesta, geralmente, através do surgimento de doenças. Como o câncer, por exemplo.

Diante dessa problemática, o médico propõe que tenhamos uma conduta mais cuidadosa perante o que consumimos, e questiona: “a partir do momento que existe a dúvida se uma substância causa câncer ou não, o que você faz diante disso? Você continua consumindo? Você estimula o consumo, como a gente está fazendo aqui no Brasil? Ou você pára de consumir?”

Segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, a agroecologia é uma alternativa essencial para o futuro da humanidade. Imagem: Pedro Berengani

Daniel também é vegano e adepto da medicina antroposófica, que é considerada um tipo complementar de medicina integrativa, ligada a práticas holísticas e com uma visão mais global do ser humano. É uma alternativa à medicina convencional, que tem se tornado cada vez mais fragmentada e especializada.

A partir da perspectiva que esse contexto lhe proporciona, ele salienta a importância de nutrirmos uma relação mais próxima e consciente com os alimentos que consumimos. “Muita gente está mais preocupada com a gasolina que põe no carro do que com o que consome de alimento”, reforça.

A agroecologia surge como uma solução para esse tipo de impasse produtivo e cultural. Segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), essa é uma alternativa essencial para o futuro da humanidade.

Cerca de 30 países ao redor do mundo já adotaram um marco legislativo composto por regulamentos que facilitam o desenvolvimento da agroecologia na produção orgânica. Alemanha, Suíça, Itália, China, Coreia do Sul e Dinamarca são alguns dos países que compõem esse grupo, entre outros.

Ainda segundo a FAO, a América Latina e o Caribe possuem uma riqueza em recursos naturais fundamental para a sustentabilidade ambiental do mundo: a região representa 15% da superfície terrestre, recebe 30% das chuvas e gera 33% da água do planeta.

No Brasil, há programas de incentivo à agricultura orgânica em 26 das 27 unidades da federação, e em 19 delas há estímulo à produção de hortas comunitárias, segundo o que informam os dados do Censo Agropecuário feito pelo IBGE em 2017.

Enquanto isso, às margens da represa Jurumirim…

Na cidade de Avaré, já temos técnicos, bolsistas, produtores, estudantes e consumidores trabalhando e colhendo — literalmente — os frutos da agroecologia.

Há 6 anos, a Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI), Regional Avaré, fornece auxílio aos produtores da região por meio da Extensão Rural em Agroecologia e Produção Orgânica, através da parceria com o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo — IFSP Campus Avaré.

Essa parceria possibilitou a criação do Núcleo de Estudos em Agroecologia e Produção Orgânica (NEA Avaré). Esse órgão é responsável pelo desenvolvimento de estudos, pesquisas e extensão em agroecologia, e também pela criação e transferência de tecnologia, realização de cursos, oficinas, capacitações, encontros, seminários, debates e dias-de-campo sobre práticas relacionadas à agroecologia e sistemas orgânicos de produção.

O NEA Avaré conta com o apoio da Casa da Agricultura de Avaré, Prefeitura Municipal, faculdades, colegiados municipais e demais instituições relacionadas ao desenvolvimento do agronegócio local, integrando atividades de educação, pesquisa e extensão rural agroecológica.

Sérgio Faria é engenheiro agrônomo e extensionista da CATI Regional Avaré, e explica que a agroecologia, também conhecida como agricultura alternativa, “vai muito além de uma técnica de produção que permite obter produtos sem contaminações por agrotóxicos”. Os seus benefícios incluem também a preocupação com a sustentabilidade ambiental e com as questões socioeconômicas e de segurança alimentar e nutricional.

Além dos malefícios para a saúde de quem consome ou tem contato direto com os agrotóxicos, seu uso contínuo nas plantações também compromete a fertilidade do solo e cria um ciclo vicioso.

Nessas circunstâncias, as plantas tendem a ficar cada vez mais vulneráveis aos ataques de pragas e doenças, que se tornam cada vez mais resistentes; o solo fica cada vez mais pobre e há o crescimento gradativo da necessidade de adubos químicos solúveis, inseticidas e agrotóxicos em geral.

André Albano é agricultor há 10 anos, e conta que inicialmente trabalhava com agrotóxicos e sistema de estufas para melhor proteger a sua plantação de pragas e doenças. Ele relata que isso resultou em uma terra compactada e salinizada, o que comprometia a sua produtividade.

O prejuízo não ficou por aí: além dos efeitos para a terra, ele conta que também sentia as implicações diretas do uso de veneno em sua saúde e na saúde de sua família.

O agricultor agroecológico André Albano e seus pais, em foto tirada em sua propriedade. Imagem: Pedro Berengani

Ao aderir ao sistema de plantio agroecológico com a ajuda da CATI, da Casa da Agricultura e do NEA Avaré, André declara que foi possível melhorar a produção do seu sítio, bem como a matéria orgânica disponível no solo.

Isso só é possível porque a agroecologia faz uso de adubos naturais. Dessa forma, mantém o solo fértil e com alta produtividade o ano todo e, de quebra, ainda reduz o trabalho braçal em torno de 30%. André relata que utilizando o Sistema PMB — Palha, Muda Alta e Biofertilizante®, tecnologia desenvolvida no NEA Avaré, conseguiu reduzir o custo da produção em 50% por meio da cobertura de palha permanente no solo, muda alta no plantio e do uso do biofertilizante, que economiza cerca de 70% da água utilizada na irrigação.

Fernando Franco, biólogo e extensionista da Casa da Agricultura, chama atenção para o fato desse projeto ser o pioneiro na região de Avaré a trabalhar com enfoque agroecológico e em prol da produção de alimentos livres de agrotóxicos. Pequenos produtores rurais, agricultores familiares e movimentos como a Associação Orgânicos Avaré são os principais praticantes da agroecologia.

Ele salienta também a diversidade encontrada na feira, promovida toda semana pelo projeto. Lá, o consumidor pode encontrar os principais gêneros básicos da alimentação do brasileiro, tais como frutas, hortaliças e legumes, frutas da época, além também de pães, bolos, doces, grãos, geléias artesanais e Plantas Alimentícias Não-Convencionais (PANCs).

O biólogo destaca ainda os resultados das pesquisas e tecnologias desenvolvidas pela parceria da CATI com o NEA, IFSP, Prefeitura e Casa da Agricultura. Franco salienta que o idealizador do Sistema PMB foi o agrônomo e pesquisador Sergio Pimenta, profissional com longa experiência em sistemas orgânicos de produção.

É essa a metodologia utilizada no sítio do André e de outros produtores que fazem parte da Associação Orgânicos Avaré (AOA). Ela é, atualmente, amplamente reconhecida em todo o país, e inclusive foi premiada pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) como uma das principais técnicas de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) do estado de São Paulo e do Brasil, tendo sido inclusive publicada em um livro, lançado no ano de 2016.

Além de possibilitar a produção de alimentos agroecológicos e mais saudáveis, o Sistema PMB preserva o meio ambiente, ajuda a diminuir os custos do produtor e reduz o uso de água utilizada durante a produção.

É válido lembrar de outro dado alarmante: a irrigação na agricultura convencional é a responsável pela utilização de 70% de toda a água disponível no mundo, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). No Brasil, esse índice chega a 72%.

Para Fernando, sistemas como esse são fundamentais, pois “fecham um ciclo importante da atividade agrícola, que alia a produção rural com a preservação do meio ambiente, das nossas águas e do nosso solo”.

Segundo Sérgio, a dificuldade na competição entre as agriculturas artesanais de pequena escala com agriculturas industriais de alta produtividade é um dos principais desafios enfrentados ao trabalhar dessa forma. É aí que entra a importância do consumidor.

Segurança alimentar — Você conhece a origem do que consome?

Uma vez que trabalha com circuitos curtos de produção e de consumo, a agroecologia possibilita ao cliente maior segurança de que irá consumir um alimento saudável e sem contaminantes.

Em produções como as que compõem A Associação Orgânicos Avaré (AOA), é possível visitar o local para conhecer suas plantações e como são feitos seus cuidados e manejos das culturas.

Para Fernando, a agroecologia é fundamental também para a segurança alimentar e nutricional, por garantir alimentos de qualidade superior e livres de veneno.

Ele explica que todo e qualquer produto que o consumidor venha a adquirir na Feira Orgânicos Avaré é orgânico certificado ou está em processo de transição agroecológica. “A vantagem para o consumidor é ele estar consumindo um produto isento de veneno e com um preço que é muitas vezes abaixo de um produto convencional, que por ventura possa ter algum agrotóxico”, esclarece o biólogo e técnico da CATI.

Aliada a isso, há também a implantação da rastreabilidade dos alimentos. É o que explica Sérgio. Segundo o engenheiro agrônomo, essa questão possibilita a identificação do local onde o alimento é produzido e as etapas pelas quais ele passa em sua cadeia produtiva até ser comercializado e chegar no consumidor final.

A agricultora agroecológica Lucilena de Oliveira, do Sítio Vale Verde, reforça a importância da segurança oferecida ao consumidor por meio da rastreabilidade: “o consumidor pode ficar tranquilo quanto a receber um produto orgânico e 100% limpo”.

Ela, que também faz parte da Associação, conta que em seu sítio recebe visitas periódicas dos técnicos da Casa da Agricultura de Avaré/CATI. Com essa orientação, Lucilena cultiva de forma sustentável e cuida da documentação que comprova que os alimentos estão sendo produzidos de maneira adequada. Posteriormente, o técnico reporta a situação da produção de Lucilena à Casa da Agricultura de Avaré.

A rastreabilidade de alimentos dá a segurança ao consumidor de ingerir um alimento orgânico e totalmente limpo de agrotóxicos. Imagem: Pedro Berengani

Mariza Neves é frequentadora da feira desde o seu início e comenta que a diferença é perceptível ao consumir um alimento livre de agrotóxicos, pois até o seu sabor é melhor. “Tenho visto que inclusive a minha saúde tem melhorado”, relata.

A valorização e o reconhecimento advindos de clientes como Mariza são o que mantém a agroecologia e as feiras orgânicas vivas. O consumidor tem papel fundamental nesse processo.

Economia Solidária — Um ciclo de consumo responsável

Além de contribuir com a preservação do meio ambiente e de possibilitar uma alimentação mais saudável, a agroecologia também tem um papel importante na economia solidária.

Os circuitos curtos de produção e de consumo também são fundamentais para a cadeia produtiva, bem como para a segurança alimentar. O dinheiro pago pelos alimentos produzidos de forma agroecológica retorna para o produtor, que irá investi-lo no comércio local.

Esse sistema fortalece a economia, a sustentabilidade e o desenvolvimento regional.

A agricultora Lucilena chama a atenção para como a sociedade deixou, com o passar das décadas, de enxergar a importância do produtor rural: “O agricultor não é visto mais como antigamente, como aquele cara que leva tudo para a nossa mesa. Essa desvalorização acontece por causa da globalização, indústria e maquinário.”

“É um trabalho de muita dedicação e muito amor. A terra é muito solidária, é muito generosa com a gente. O ser humano é que não é muito”, ela observa.

Ainda assim, o pequeno agricultor ocupa papel decisivo na cadeira produtiva que abastece o mercado brasileiro: 70% dos alimentos consumidos no país advém da agricultura familiar, segundo o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS).

Além de ser uma alternativa sustentável, a agroecologia tem importante papel na segurança alimentar e na economia solidária. Imagem: Pedro Berengani

Mariza é aposentada e frequenta quase que semanalmente a feira da Associação Orgânicos Avaré. Ela ressalta a relação de proximidade que pode manter com aqueles que plantam os alimentos que ela leva para casa: “a gente vê também o amor deles pela vida do freguês”.

Fernando acredita que o consumidor ganha múltiplas vezes ao optar pelo consumo de alimentos orgânicos ou agroecológicos.

O biólogo ressalta, entre diversos benefícios, que “não tem veneno, é um preço mais acessível, mais barato, e ele (o consumidor) ainda ajuda com essa atitude não só na saúde dele e da família dele, como também a manter o produtor nesse sistema de produção que preserva o meio ambiente, a saúde do solo e a saúde das pessoas”.

Dia de Feira!

A Associação Orgânicos Avaré (AOA) promove sua feira semanal toda quarta-feira, das 8h às 12h, no prédio da CATI/Casa da Agricultura, que fica na Rua Santa Catarina, 1901, em Avaré-SP.

Os alimentos não comercializados na feira são doados para a instituição Voluntários Anônimos de Avaré, o VANA. Dessa forma, se estabelece uma parceria social que contribui com uma alimentação mais saudável e consciente para as crianças e adolescentes assistidas pela organização.

A feira vai até você!

Além da feira, agora os consumidores têm também a opção de solicitar sua cesta de alimentos orgânicos e agroecológicos por delivery, via WhatsApp. Basta entrar em contato com o Delivery Orgânicos Avaré por meio do telefones (14) 99113–4621 ou (14) 99123–1526.

Confira a seguir o vídeo produzido em parceria com a Associação Orgânicos Avaré:

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