O Neopentecostalismo no Brasil

Bianca Sandes
6 min readMar 5, 2018

--

Texto originalmente publicado no meu blog www.juizoemcritica.blogspot.com.br

Como cansei da plataforma, resolvi republicá-lo aqui.

Reprodução

Para se entender como o movimento pentecostal se deu no Brasil é preciso saber que ele nunca foi homogêneo. Desde seu início, no começo do século XX, as duas primeiras igrejas pentecostais do Brasil: Congregação Cristã (1910) e Assembleia de Deus (1911) apresentavam (e ainda apresentam) fortes diferenças institucionais. Foi só a partir dos anos 50, com a chegada dos missionários da Cruzada Nacional de Evangelização, vinculadas à Igreja do Evangelho Quadrangular (o nome decorre dos quatro atributos de Cristo nos quais a igreja baseia sua mensagem: salvador, santificador, curador e rei) que houve uma diversificação forte nas ênfases doutrinárias e nas inovações proselitistas, como explica o pesquisador Ricardo Mariano na sua obra Neopentecostais (Sociologia do Novo Pentecostalismo no Brasil), trabalho que servirá de pilar para esse texto.

Mariano divide o pentecostalismo em três momentos principais, apesar de ressaltar que “com as surpreendentes transformações ocorridas (…) que ampliaram sua diversidade teológica, eclesiológica, institucional, social, estética e política, o trabalho de classificação tornou-se mais difícil, mais intricado e mais sujeito a controvérsias”. Os momentos do pentecostalismo são: o clássico, o deutero e o novo (neo). O clássico, conceito emprestado de pesquisadores norte americanos tem uma ideia que se restringe à antiguidadade/pioneirismo histórico. Além desse pioneirismo, Mariano ressalta que houve “uma transformação da comunidade sectária numa instituição que ao longo do tempo ascendeu social e economicamente e, em busca de respeitabilidade confessional estimulou a formação teológica de seu clero”. Um processo de institucionalização da religião ou rotinização do carisma, tomando os termos emprestados de Weber/Bourdieu.

O segundo momento, a partir dos anos 50 é mais delicado e o consenso (mínimo) entre os pesquisadores dessas igrejas desaparece. Mariano explica que “não só diferem as nomenclaturas mas também aquilo que elas abrangem ou querem dizer”. Esse movimento realizou uma forma de renovação carismática, incluindo as igrejas independentes. Ao contrário dos clássicos esses não acreditam que falar em línguas (glossolalia) seja o primeiro sinal do batismo no espírito santo. Eram uma espécie de “evangelismo de massa centrado na mensagem da cura divina”.

O terceiro momento ou terceira onda, iniciado nos anos 80 é o que Mariano chama de mainstream church renewal. “Inclui os evangelicals e os cristãos que, inspirados pelo Espírito Santo, praticam dons, com pouca ênfase para o dom de línguas, enfatizam os sinais, os milagre e os encontros de poder, mas permanecem em suas igrejas não pentecostais”. Mas definir, e até conceituar as igrejas pentecostais é uma tarefa difícil. Mariano se utiliza de três autores para localizar as igrejas desse terceiro momento.

1 Oro afirma que “as igrejas neopentecostais são autóctones, tem lideranças fortes e pouca tolerância ao ecumenismo, opõem-se aos cultos afro-brasileiros, estimulam a expressividade emocional, utilizam muito os meios de comunicação de massa, enfatizam rituais de cura e exorcismo (…)”.
2. Wilson Azevedo define como características do neopentecostalismo a ênfase no Diabo e na guerra espiritual contra os demônios, a agressividade de sua militância”.
3. O antropólogo Jungblut explica que a identidade contrastiva centra-se na “oposição ao Diabo e seus aliados”.

Mariano explica que enquanto a primeira onda (clássica) privilegiava às línguas estranhas e a segunda (deutero) a cura divina, as igrejas da terceira onda enfatizam a libertação dos demônios. Apesar dessa adoção de parâmetros relacionais, o movimento pentecostal não é definido em si ou por si mesmo, explica Mariano.

As neopentecostais brasileiras funcionam como uma espécie de bricolagem de várias características e a velocidade das mudanças também é bastante alta. Cada uma com sua particularidade e com seus próprio processos de resignificação.

A teologia da prosperidade e a guerra santa e o telenvagelismo são características fortes das neopentecostais (vale ressaltar que algumas igrejas possuem uma tolerância religiosa, não realizando e nem contribuindo para a guerra santa). A seguir, tentarei definir essas características.

A teologia da prosperidade: ao contrário dos protestantes clássicos, os neopentecostais não acreditam que a salvação se dê pelo ascetismo de rejeição do mundo. Há um rompimento com a proposição pentecostal de pobreza material, explica Mariano. “Em seu lugar pregam a teologia da prosperidade, doutrina que, grosso modo, defende que o crente está destinado a ser próspero, saudável e feliz nesse mundo”. Não se espera um reconhecimento divino, um paraíso. As boas ações serão recompensadas em vida. Talvez seja isso que cause o crescimento espantoso dessas igrejas. Elas estão se acomodando rapidamente à sociedade inclusiva, à cultura e à religiosidade popular. Buscam prestígio e respeitabilidade social, se inserem na política, são intervencionistas, explica Mariano. “Pretendem transformar a sociedade através da conversão individual e da inculcação da moral bíblica”.

A guerra santa: ao contrário de outros grupos religiosos que negam e desprezam as religiões afrobrasileiras e a magia e as deixavam num espaço de silêncio e invisibilidade, a maior parte das igrejas neopentecostais (Nova Vida, Universal, Mundial, etc) acredita e reencanta o mundo. O conflito entre o bem e o mal é real, e só eles (os crentes) podem fazer o bem vencer. Por isso a perseguição às pessoas com orientações religiosas diferentes, especialmente às adeptas às religiões mediúnicas (mas não exclusivamente, vide o famoso episódio de um pastor que “chutou a santa” em rede aberta de televisão) e às pessoas LGBTS (estão do lado mal da “força”). “Do ponto de vista desses crentes os cultos mediúnicos, o Diabo e seus asseclas agem no mundo material por meio dessas religiões, de seus adeptos idólatras e de outras agências satânicas, para levar os seres humanos a perdição. Daí a premente necessidade de combatê-los”, explica Mariano.

O evangelismo via TV: diferentemente do que ocorre nos Estados Unidos, onde muito fiéis assistem o culto somente via televisão, o evangelismo televisivo brasileiro tem outra proposta: a de chamar mais fiéis para as suas congregações, numa lógica de crescimento denominacional. Mariano explica que as neopentecostais Universal, Internacional da Graça, Cristo Vive, Renascer em Cristo, Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra investem pesado na mídia eletrônica. Mídia eletrônica essa com prioridade para a televisão. Ao contrário do que ocorre com as pentecostais americanas, os custos das exibições não são custeados pelos telespectadores e sim por igrejas (leia-se crentes), editoras e gravadoras. Acreditam ser a TV a mídia mais eficiente de levar mensagens do evangelho ao maior número de pessoas a fim de atraí-las à igreja.

Reprodução

Essas três características combinadas (com outras menores) são responsáveis pelo sucesso que as igrejas neopentecostais adquiriram e continuam a adquirir um muitas regiões do país. É interessante observar também que em vários lugares essas igrejas “não pegam”, fazendo-se essencial estudar e compreender os processos de resistência às igrejas e não somente às suas conversões. É importante observar que essa multiplicidade de religiões (neopentecostais) se constrói dentro do capitalismo e vive e sobrevive dentro dessa lógica. Será que a teologia da prosperidade teria sucesso numa sociedade com outra lógica? Cada vez mais vemos a influência dessas igrejas no que tange também a outras igrejas. Explicando melhor há uma neopentecostalização das práticas religiosas em outros contextos.

Fonte: Pixabay

A magia, a cura pelas divindades e pela fé, o cair no espírito (se sentir invadido pelo espírito santo) aproximam as neopentecostais, mais do que elas gostariam das religiões mágicas. O mundo se encanta novamente, talvez com um pouco mais de violência e radicalidade, mas se encanta. Anjos e demônios passam a existir e a se manifestar em tudo, desde àquele congestionamento que nos faz perder o horário até a conquista do novo emprego.

Referência: MARIANO, Ricardo. Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. 2 ed. São Paulo: Edições Loyola, 2005. 241p.

--

--

Bianca Sandes

Advogada desassossegada, eterna estudante, resiliente e confiante no poder da ação comunicativa e do diálogo.