A Crise e os sentidos — uma conversa sobre o filme "Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo".

Bia Padial
3 min readMay 2, 2023

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Nessa semana, participei de um episódio do Podcast "Residência Criativa", e conversamos sobre o filme "Tudo em todo lugar ao mesmo tempo", da dupla de diretores Daniel Kwan e Daniel Scheinert, vencedores do Oscar de melhor filme, entre outros prêmios, no ano de 2023.

Para além da avalanche de informações e símbolos que o filme traz, e também da agilidade um pouco vertiginosa da narrativa, a conversa teve seu eixo em dois pontos principais — a crise existencial que Emily Wang (a protagonista) está vivenciando, e a maneira como os diretores trabalham exatamente os sentidos na história. Isso porque ainda estamos nos estudos do livro "Antropologia dos Sentidos", de David Le Breton.

"Crise" é uma palavra de origem grega (crisis), e significa separação, abismo, mas também juízo e decisão.

A crise de Emily abre a ela possibilidades de viver outras vidas, em outros universos/metaversos. Há um recurso usado pelos diretores para mostrar essa crise de personalidade:

Sempre que ela se vê no auge da confusão sobre si mesma, um vidro se quebra e ela se fragmenta em pequenos pedaços. Viver esses momentos de questionar a própria vida e as escolhas, é absolutamente normal e são momentos que fazem parte do amadurecimento permanente da nossa personalidade. Mas a maneira como isso aparece nesse filme é curiosa, porque brinca com a ideia do metaverso, e da forma como muita gente tem escolhido viver, que é deixar lado de alguma maneira a realidade, e poder viver vidas virtuais. Acontece que em cada universo de Emily, ela é real, e todas as vidas são possibilidades que, de alguma maneira, aconteceram. E as habilidades desenvolvidas em outras vidas seguem nela, como aprendizados, e ela consegue reconhecer esses aprendizados no momento de crise de sua vida como dona de uma lavanderia quase falida.

Um trecho muito curioso que, num primeiro momento, parece ser de extrema bizarrice, é o universo em que as pessoas têm mãos de salsicha, ou seja, não são capazes de fazer um dos gestos que mais nos diferencia como humanos, que é pegar os objetos:

Por onde desenvolver nossa humanidade num contexto assim? Talvez pelo afeto? Pelo aprendizado inteligente de usar os pés e transformar as possibilidades? Essa é uma conversa boa que o filme lança, num momento em que as escolhas pelos avatares são tão comuns, e a fuga das crises de maturidade também.

O sentido do paladar como fruição do mundo (saber e sabor, como correspondentes) também aparecem no filme e na nossa conversa no podcast, assim como a cena emblemática em que as duas protagonistas migram para um universo em que se transformam em pedra. Nesse universo específico, não há humanidade, portanto não há decisões a serem tomadas, não há responsabilidades, não há nem o sofrimento:

A quantidade de recursos que os diretores escolhem usar para refletir sobre a realidade como fundo para as crises humanas, é realmente incrível. É preciso ver a obra como um todo e não deixar nada de lado, inclusive a própria trilha sonora. Falamos disso também no podcast, mas deixo aqui a música sobre a qual falamos, que é exatamente a canção que encerra o filme:

Enfim… se você não viu o filme ainda, veja!

Veja de coração de sentidos abertos. E depois, ouça a nossa conversa no podcast da "Residência Criativa". Vai ser muito bom saber quais foram as suas impressões.

Aqui está o link para a nossa conversa:

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Bia Padial

Co-Criadora do programa de mentoria e tutoria “Arké". Apaixonada por processos de aprendizagem criativa e por intervenções artesanais na fotografia.