E se trocarmos um tanto de alerta e foco, por um pouco de atenção?

Bia Padial
4 min readJul 19, 2023

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Sigo aqui pensando nesse tempo de pausa para muitas pessoas, que é o mês de julho. Para muita gente, é tempo de viajar e conhecer outros lugares; para outros tantos, tempo de desacelerar e passear na própria cidade, (re)conhecendo lugares e encontrando pessoas.

Nesses dias, muitas pessoas desligam seu sensor de alerta, diminuem suas lanternas de foco, e abrem melhor os radares da atenção. Explico.

Imagina um passeio numa cidade que você nunca esteve antes. O que você olha? Quais cheiros você sente? Como se orienta no espaço? Usa um mapa? Deixa-se flanar ao encontro do que a próxima rua tem para te oferecer? Observa paisagens, cores, arquiteturas, pessoas, experimenta comida a partir do cheiro que chegou até você? Conversa com desconhecidos? Toma um chopp sozinho num bar, olhando o comportamento das pessoas?

Bom, para fazer isso tudo, é necessária uma disposição de espírito, uma abertura ao outro, para que as novidades que se apresentarem, possam deixar de ser apenas estrangeiras ou diferentes, e se tornem uma espécie de abraço revigorante da realidade em você. Isso é o que verdadeiramente podemos chamar de atenção — uma disposição de espírito que faz com que a gente abra nossa inteligência senciente e se deixe levar muito mais por ela, do que pelas nossas tendências concepientes (aquelas "verdades" que já trazemos conosco e que acabam por guiar nosso dia-a-dia, em condições de rotina). Talvez esse seja um dos motivos para que muitas das nossas viagens sejam inesquecíveis e nos ajudem a descansar.

A atenção, é uma forma de descanso na própria atividade. Não preciso parar, ficar inerte, para me sentir descansado. E muito menos preciso ficar rígido e tenso para estar atento. Basta desligar meu sensor de alerta interior, minha lanterna que foca em uma coisa específica, e me deixar levar um pouco pelos sentidos e pela vontade de sair de mim ao encontro do outro verdadeiramente, para que eu preste atenção no entorno. "Prestar" significa "oferecer", "conceder". Conceder(-se), portanto.

Quando estamos em alerta e focados, e geralmente isso acontece nos nossos deslocamentos do dia-a-dia, estamos numa conversa conosco e num fechamento para a cidade, na maioria das vezes. O alerta, a gente liga antes de sair de casa, e ele é movido pelo medo compreensível que temos sentido. Medo de assalto, medo da maneira como as pessoas se aproximam, medo de algumas regiões por onde devemos passar enquanto estamos no trânsito… É cansativo viver assim, né?

Do mesmo jeito, geralmente nas nossas rotinas, estamos focados em nós mesmos e nas tarefas que temos que cumprir. A cidade é nossa passagem, muito mais que nossa finalidade. Não andamos reparando na luz do sol, não temos tempo para conversas bobas na rua e nem para reparar muito bem nas conversas que não nos dizem respeito. O foco e o alerta são também estados de espírito, de alguma maneira. Mas não de abertura, e sim de fechamento ao outro, de diferentes maneiras.

Já a atenção é um jogo entre o consentimento e a vontade — consentimento em relação ao que nos chega, ao que vem de fora de nós e uma abertura a uma experiência desconhecida, assim como fazemos nas viagens; e ao mesmo tempo, uma vontade, em direção à realidade. É preciso muita vontade para se abrir ao desconhecido, ao invés de se trancar no conhecido e corriqueiro.

Se escrevo esse texto hoje, no meio das férias, é para levar a uma reflexão que podemos seguir durante o segundo semestre. Se prestar a atenção de verdade nas coisas é uma forma de descansar, mesmo sem estar parado, por que não tentamos fazer isso mais vezes?

Os efeitos possíveis de melhorarmos nosso estado de atenção e conseguirmos diferenciar dentro de nós quando estamos somente focados em algo muito específico ou quando estamos em alerta, é também melhorar a relação difícil que o cansaço e a desatenção vão elaborando na nossa própria relação com a cidade e com a rotina.

Simone Weil fala que a atenção é como uma ginástica, que coloca todo o nosso corpo em trabalho. No começo é muito exigente, cansativo, dá vontade de parar e voltar para a rotina embotada e ágil do dia-a-dia.Parece perda de tempo e até ingenuidade, especialmente quando a cidade é agressiva com a gente.

Mas a própria experiência de viver umas férias exercitando essa atenção profundamente, já nos ajuda a compreender que, na verdade, pode ser uma ótima ideia colocar os sentidos para abraçar a realidade e se aproximar um pouco mais do que num primeiro momento, nos parece assustador e até desnecessário na nossa rotina e na cidade que é nossa, que é vê-la realmente como um espaço de dinâmicas surpreendentes de convívio e de relações humanas.

Que o segundo semestre nos coloque nesse movimento delicado e bonito, e que, parafraseando Guimarães Rosa, nossos descansos e nossa felicidade possam acontecer nas horinhas de atenção ao dia-a-dia.

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Bia Padial

Co-Criadora do programa de mentoria e tutoria “Arké". Apaixonada por processos de aprendizagem criativa e por intervenções artesanais na fotografia.