Antropologia Visual Desenhada — reflexões metodológicas contemporâneas

BIEV UFRGS
Livro do Etnógrafo
6 min readMar 22, 2018

Escrito por: Matheus Cervo

Gifart produzido por nickvdg.

-

Este post fala especificamente sobre tentativas contemporâneas de utilizar o desenho na Antropologia enquanto uma metodologia. Aqui você encontrará autores contemporâneos e reflexões sobre o uso do digital no desenho etnográfico. Para ver o uso de desenhos em uma reconstrução histórica dentro da disciplina, clique aqui.

-

Mesmo percebendo que a “caixa de ferramentas” metodológicas na Antropologia sempre esteve composta pelo diário de campo e materiais para desenho, é somente através dos novos focos de luz que são jogados no passado pelo olhar contemporâneo que percebemos o desenho etnográfico. Ainda surgindo como um campo emergente, é junto com (Kushnir, 2016) na abertura do Cadernos de Arte e Antropologia no dossiê intitulado “Antropologia e Desenho” que notamos que o diálogo entre as duas áreas está cada vez mais produtivo. Com múltiplas figuras compondo o cenário atual da antropologia contemporânea clamando por produções de conhecimento etnográfico que resgatem sensibilidades outras, a mídia escrita se torna alvo de reflexões sobre suas potencialidades e limitações.

Juntando esforços para contribuir com a sub disciplina de Antropologia Visual, as técnicas artísticas ressurgem como ferramentas outras para formar projetos por uma outra Antropologia que, processualmente, alcança as subjetividades dos interlocutores com os quais se pesquisa com suas experiências que demonstram a criatividade de diferentes viveres em suas pulsões e singularidades através da arte. No caso específico de um desenho artístico e mais figurativo (mesmo sem pretensões realistas), a proposta contemporânea pós-moderna, de acordo com (Kushnir, 2016), seria uma busca de uma pesquisa que pode ser realizada através de técnicas que componham um horizonte para além do universo de valores modernos de cientificidade. Esta empreitada antimodernizante deve refletir através das famosas formulações de (Berger, 1972) sobre como diferentes técnicas permitem diferentes formas de ver. No caso do desenho de observação, Karina reflete sobre a frase do autor: uma árvore desenhada não é uma árvore, mas uma “árvore desenhada por alguém” (2005:71).

Sem querer dar centralidade a poucos autores em um cenário cada vez mais rico com reflexões múltiplas (Manuel João Ramos (2010 [2000]), Afonso e Ramos (2004), Ramos (2004), Hendrickson (2008, 2010), Leal (2008), entre tantos outros), este projeto específico contemporâneo de sensibilidade pós-moderna que tem composto a cena principal nesta discussão interdisciplinar pode ser iniciado com três autores com perspectivas diferentes: Karina Kushnir, Tim Ingold e Michael Taussig. Seguem alguns artigos e resenhas sobre os projetos dos diferentes antropólogos.

O debate contemporâneo sobre o desenho na antropologia — bons autores com diferentes propostas e perspectivas.

Sem a intenção de ser exaustivo nas produções dos autores mencionados, gostaria de expor um pouco do meu processo de produção intelectual em relação ao desenho etnográfico. Estudando as possíveis colaborações entre desenho e Antropologia há dois anos no BIEV UFRGS (com apresentações no Salão de Iniciação Científica UFRGS 2016: SIC e FINOVA UFRGS 2017), apresento, com intuito de deixar aberto para reflexões, possibilidades outras de pensar o que é o desenho e como ele pode ser aproveitado por antropólogos. Exponho minha localização enquanto antropólogo que trabalha com design visual e que produz reflexões teóricas dentro de um núcleo de Antropologia Visual que trabalha através de um banco de imagens.

Será que podemos definir um desenho da antropologia e etnografia com sua especificidade disciplinar como podemos observar nas práticas de desenho da arquitetura, da arqueologia, do design ou das artes visuais? De acordo com (Philip Cabau, 2016), o desenho antropológico deve ser visto como uma experiência no trabalho de campo através da técnica que singulariza a experiência de observar e descrever. Desta forma, o desenho antropológico deveria estar nos interstícios dos demais e ser obrigado a manter-se híbrido e plural já que não pode ter como finalidade somente a representação da ilustração científica/arqueológica ou das linguagens projetivas típicas da arquitetura e do design de produto sem poder, ao mesmo tempo, ignorá-las por completo. Este desenho híbrido se enquadra nas tentativas do que é o desenhar etnográfico para Ingold e Taussig. Ignorando as diferenças dos trabalhos dos autores para fins de simplificação, o processo de desenho não seria uma tentativa de descrição fidedigna do que se vê mas sim uma atividade que explora a atenção do pesquisador em uma duração do contato com uma forma na tentativa de capturar o “fantasma” que o acontecimento produziu no objeto. Mas será que o desenho afeta nossa vida como pesquisador só na sua utilização em campo enquanto uma técnica manual?

Em uma época em que a multi/trans/interdisciplinaridade é colocada como um dos paradigmas fundamentais a serem rompidos na contemporaneidade acadêmica, podemos pensar nossas tentativas de ir além da escrita etnográfica através da utilização da técnica do desenho sem pensarmos na pluralidade de formas fabricadas pelo desenhar e que podem ser incorporados na nossa formação epistemológica?

Acredito na tentativa de não encontrar a solução através do definir o que seria o desenho etnográfico para permitir um pensamento que fuja das fronteiras disciplinares. Ao pensar que progressivamente diferentes corpos com conhecimentos e técnicas diversas são incorporados dentro das disciplinas, podemos ir além e pensar nas preciosidades trazidas de desenhos de outras disciplinas dentro do processo de conhecer dentro da antropologia. Como poderíamos pensar o desenho da estrutura de um site que é utilizado como mediação no campo etnográfico? Como podemos pensar a utilização do YouTube com sua estrutura de design visual em uma pesquisa de Antropologia Visual? Como poderíamos utilizar o desenho em pesquisas como a netnografia? Como poderíamos incorporar reflexões como visualização de dados, infografia, fluxogramas ao produzirmos tais desenhos com um toque etnográfico? Será que podemos pensar que até mesmo o espaço livresco (nosso espaço principal de processo e comunicação) é um espaço desenhado e que oferece a moldura da nossa produção de conhecimento?

Sinto a falta de pensarmos nas potencialidades sem as considerarmos simplesmente como modernas. Junto com (Gell, 1999), acredito que afastamos diversos tipos de desenhos por os considerar típicos de áreas que consideramos como “inimigas” como a engenharia ou pesquisas sociais quantitativas. Apesar das problemáticas relações que tais pesquisas estabelecem com tais desenhos próximos do design visual por utilizá-los como legitimadores científicos, excluir este regime de visualidade ao colocá-lo enquanto construção moderna e positivista pode gerar uma perda significativa para o aprofundamento do debate.

--

--

BIEV UFRGS
Livro do Etnógrafo

Dilemas e desafios na produção antropológica em sociedades complexas — núcleo de pesquisa BIEV UFRGS — acesse nosso site em ufrgs.br/biev