Fonte: Arquivo pessoal.

Minha Síndrome do Impostor

Mateus Felix
3 min readOct 1, 2020

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Em meados de 2019 tive minha primeira crise real de ansiedade combinada com sentimentos causados pela síndrome do impostor. Foi algo espontâneo, diferente e pesado. Sendo uma pessoa que costuma lidar mais com a lógica dos pensamentos do que com as abstrações das emoções, certamente foi uma experiência extremamente ruim para mim.

Entrei na área de desenvolvimento de software no início desse mesmo ano, talvez 6 meses antes da minha crise. Mesmo tendo largado uma faculdade de Física em uma universidade federal e outra de Engenharia da Computação ainda me foram apresentadas essas oportunidades de ser professor assistente em uma escola de programação, cujo programa de bootcamp eu concluí no ano de 2018 e de ingressar como desenvolvedor front-end no ano seguinte, na empresa que estou até o momento da escrita deste texto.

Entre ajudar outras pessoas com suas transições de carreira e eu mesmo ser a pessoa em transição, algo mudou. De repente, parecia que eu não fazia o suficiente, que eu não era bom o suficiente para ser recompensado com o que eu considerava um alto salário para minha pessoa. Apesar de conhecer os sintomas da dita síndrome do impostor, eu não fazia ideia do que era senti-los e foi aí que a minha lógica se perdeu pela primeira vez. Mesmo recebendo feedbacks construtivos e positivos sobre meu trabalho e os resultados que eu gerava, não parecia ser suficiente. Sempre havia o sentimento de que eu deveria ser mais do que eu era, gerar mais valor, aprender mais, ensinar mais, produzir mais. De uma inofensiva autocobrança, as pequenas migalhas de sentimentos não processados iam se aglutinando e bloqueando o fluxo do pensamento lógico.

Aproximadamente seis meses depois de me tornar desenvolvedor, acordei numa manhã de segunda-feira com o sentimento de que eu não pertencia àquele lugar que chamava de trabalho e que não havia lugar para mim naquele time de pessoas sensacionais e que eu tanto estimava. Não conseguia entender o motivo de pensar isso, a razão do sentimento de exclusão, sendo que meu lado lógico tentava com todas as forças me apresentar os fatos que indicavam o contrário.

Você não devia estar ali.

Eu também já havia iniciado um processo de reconhecimento dos meus privilégios na sociedade e a cobrança havia se tornado maior desde então.

Você não podia estar ali.

Apesar de valorizar meu intelecto, minhas qualificações sociais não correspondiam à altura. Apesar de conseguir superar os desafios propostos, de resolver problemas, de ajudar outras pessoas, eu não fazia o suficiente.

Você não merecia estar ali.

Foi então que sentei-me no chão ao pé da cama e chorei. Precisava desabafar, precisava deixar meu corpo interpretar essa turbulência emocional como bem entendesse.

Passaram-se alguns minutos, que nas profundezas do meu cérebro pareceram horas, até meu lado lógico começar a reassumir o controle. Os fatos voltaram a reinar, a ideia de que eu não pertencia foi exaurida pelo pensamento de que eu, sim, gero valor para minha empresa e para meu time. Caso contrário, eu provavelmente não estaria mais trabalhando lá. Não se paga um salário a alguém só por caridade. Esse simples pensamento me recompôs nesse dia e permitiu-me ir ao trabalho como se nada tivesse acontecido.

No entanto, admito que não estou livre do sentimento, não sinto que há uma cura para essa sensação. Porém, há uma forma de usá-la a meu favor. Há o equilíbrio entre cobrar-me para ser um melhor profissional e o reconhecimento de que há injustiças em nossa sociedade e que eu sou parte do problema. Há a cobrança interminável de querer melhorar a si mesmo e de ajudar os outros.

Ao conversar com uma amiga também desenvolvedora sobre esse assunto, percebi o quão é importante que compartilhemos nossas vulnerabilidades. O quão é importante mostrar que também passamos pelas mesmas situações. Ouso dizer que todas as pessoas que estejam entrando na área de desenvolvimento passarão por uma crise dessas em algum momento. Por isso, deixo aqui este relato para que outras pessoas saibam que não estão sós. Para mim, essa crise foi o início de uma nova fase na minha vida. Espero, caso venha a acontecer, que seja para você também.

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