Sobre estoicismo e visualização negativa
O estoicismo é uma escola de pensamento nascida há uns dois mil anos em Atenas. Ela se situa filosoficamente entre os cirenaicos, completos hedonistas, que acreditavam que qualquer oportunidade para o prazer deveria ser desfrutada, e os cínicos, que acreditavam em querer cada vez menos, abstendo-se de todos os prazeres. Os estoicos não deixavam de aproveitar as oportunidades para tirar prazer de algo, mas tinham sempre em mente que aquela fonte de prazer poderia desaparecer a qualquer instante.
Um engano comum quanto aos estoicos é achar que eles tinham como objetivo a completa eliminação das emoções, quando na verdade o que eles queriam era reduzir a quantidade e intensidade das emoções negativas. Além disso, os estoicos tentavam maximizar um sentimento que, por falta de melhor tradução, vou chamar de contentamento. Isso pode até soar um pouco conformista (como se contentar com o mundo horrível em que vivemos?), mas posso adiantar que o estoicismo e a mudança do mundo não são incompatíveis.
Filosofia, no geral, pode remeter a coisas abstratas como o existir, o sentido da vida ou o universo. O estoicismo (especialmente o romano) se preocupa com questões práticas que quase todo mundo enfrenta no cotidiano. Epicuro, que era filósofo, mas não estoico, dizia que vã é a palavra do filósofo que não cura um sofrimento do jeito que vão é o remédio que não cura uma doença.
Os estoicos tinham uma série de técnicas pra alcançar os seus objetivos, mas só vou falar aqui do que eles chamavam de visualização negativa, a técnica que considero mais fácil de usar e mais poderosa. Mas antes de entender o que é e pra que serve a visualização negativa é preciso saber o que é adaptação hedônica.
O que te faria mais feliz, sofrer um acidente e ficar paraplégico ou ganhar na loteria? Ao contrário do que diz a sabedoria popular sobre dinheiro trazer felicidade (“prefiro ser infeliz numa Ferrari”), há evidências de que ser infeliz numa Ferrari é tão ruim quanto ser infeliz num ônibus lotado. E a explicação pra isso é a adaptação hedônica. Em bom português: a gente se acostuma.
A pesquisa que originou o termo mostra que, num primeiro momento, as pessoas que se tornam paraplégicas ficam tremendamente infelizes, mas com o passar o tempo esse fato vai perdendo o efeito. Do mesmo jeito com quem ganha na loteria. Logo após ganhar a pessoa sente um êxtase, mas o passar do tempo vai deixando as coisas sem graça. Resultado: Um ano depois não importa se você ganhou na loteria ou perdeu o movimento das pernas, você provavelmente vai ser tão feliz quanto seria caso nenhuma dessas coisas tivesse acontecido.
Visualização negativa é, o nome talvez seja autoexplicativo, imaginar a ausência de uma determinada coisa. Você, por exemplo, está lendo isso sob um teto, num dispositivo que nem todo mundo pode comprar, sentado num lugar confortável e com a barriga cheia. Em algum momento a adaptação hedônica fez com que você passasse a tomar tudo isso como garantido. Você já se imaginou cego, na rua, sem ter onde dormir e com fome? Para e imagina. Tá se sentindo mais grato agora, mais feliz? É exatamente esse o efeito da visualização negativa: combater a adaptação hedônica. E, parabéns, você acabou de exercitar uma das práticas mais fundamentais do estoicismo.
O maior ardil da adaptação hedônica é acontecer silenciosamente. A gente acaba se acostumando com coisas e começa e pensar que elas vão durar pra sempre ou que estão garantidas. O fato é que não há nenhuma garantia. Nem de que você vai ter sempre a visão que está usando agora pra ler essas palavras, nem de que você vai ter a saúde que tem agora, nem que você vai estar vivo daqui a alguns minutos. E ainda assim a gente deixa de apreciar a lua cheia, uma refeição ou o simples fato de ainda estar respirando.