CASA E COMIDA
Restou a saudade e o carnê das Casas Bahia
Quando chegou em casa, percebeu um silêncio estranho. Acendeu a luz da sala para enxegar o camiho até a cozinha. Ao ver a louça suja em cima da pia, sentiu seu coração bater com uma aceleração leve.
“Lúcia nunca dorme com a louça suja”, pensou seu subconsciente, ainda registrando as cenas da casa a cada passo. Chegando no quarto, o guarda roupa com as portas escancaradas, vazio. Os cabides caídos ao chão. O coração começou a bater forte, a respiração ofegante, a pressão subindo. Em estado maníaco começou a perambular pelos outros cômodos da casa. Não estava gostando nada daquilo.
“Se eu pego essa vagabunda, eu mato!”
Já num acesso de fúria, começou a imaginar cenários possíveis. Todos eles ruins. Até que encontrou uma folha de caderno em cima da mesa. Era a letra de Lúcia.
Ele sentou, pois já não conseguia ficar de pé. As mãos trêmulas, começou a ler com muita dificuldade.
Waldemar,
Tô indo embora, não dá mais não. Estamos casados a dois anos, você me tirou da casa dos meus pais promentendo que eu seria feliz. Não tô sendo não. Você chega tarde toda noite com perfume diferente. Só quer saber dos seus amigos e de ficar no bar. Eu nunca saio pra nada, não tenho amiga, não converso com ninguém. Você acha que é só botar comida na mesa e pagar as contas e tá tudo certo. Eu não sou bicho não. Eu quero viver, ser feliz e com você num tô sendo não. Vou embora, não me procura. Se cuida.
Waldemar conheceu Lúcia em Pernambuco, onde fora passar as férias. Ela era filha de uns parentes distantes. Ele, homem mais velho, logo se encantara pela menina, ainda moça, com dezoito anos incompletos. Ao voltar para São Paulo, alugou uma casa no bairro de Itaquera, comprou os móveis parcelados e tratou de trazê-la pra morarem juntos.
Não demorou muito, o sonho encontrou a realidade. Ele, trabalhava numa metalúrgica do ABC, sempre fazendo hora extra. Aos sábados, o bar com os amigos e uns casos aqui, outros ali. No domingo, futebol logo cedo. E, novamente, o bar. Quando chegava, o almoço de domingo já estava frio em cima da mesa.
Lúcia se encantava com as novelas e o casamento que imaginara em seus sonhos. Não trabalhava, pouco saia de casa, a não ser para comprar alguma coisa na vendinha.
Waldemar ainda procurou Lúcia, mas sem sucesso. Dizem que fugiu com um rapaz da sua idade. Nunca mais apareceu.
A casa, continua como no dia de sua partida. O guarda-roupa ainda com as portas escancaradas, sem roupas. A pia, ainda com louça para lavar. A poeira tomando conta. Todas as noites ele chora, lamentando a solidão. Num misto de raiva e tristeza, sempre xingando Lúcia.
De tudo, restou a saudade e o carnê das Casas Bahia em atraso.