Ela era doida e desalmada

DOIDA DESALMADA E ATREVIDA

CLÍNICA DO AMOR
2 min readAug 11, 2024

Ela era ferozmente encantadora e perigosa

Ela era doida. Maluca. Diziam todos.
Sempre andando acelerada, movimentos rápidos e pura neurose. Apesar do tamanho, pouco mais de um e cinquenta, olhar jovial mesmo nos seus quarenta anos, havia uma imponência no seu jeito que assustava os homens.

Reza a lenda urbana que casou-se apenas uma vez. Um traficante local, muito conhecido. Após a prisão, veio a falecer, deixando ela e as crianças. Seu instinto de maternidade era o que a configurava. Defendia as crias de maneira além do normal. Até bateu numa professora que, certa vez, ofendera a filha em sala de aula, dizendo que a menina não tinha educação por não ter pai. A professora pediu transferência no dia seguinte.

De vestido curto andava pelo bairro, parecia sempre estar com calor. Seios pequenos, as pernas lisas, seu corpo todo seguia uma simetria perfeita de formas, tamanhos e sensualidade. Tudo combinava. Atraia olhares e desejos.

Tá olhando o quê!? Perdeu alguma coisa aqui, imbecil!?!?

Era assim que ela interrompia as investidas mais ousadas. Quem tinha a oportunidade de dominá-la por algum tempo, se perdia logo depois. Enloquecia. O sujeito se consumia no ciúmes, se acabava na cachaça pra esquecer. Sabia que não teria volta. Era proposital, o controle era dela.

O que tem pra falar eu falo! — e falava mesmo, não tinha papas na língua.

Odiava injustiça, praticava uma sororidade orgânica, sem teorias feministas. Mulher não devia baixar cabeça pra homem não. Assim ela desafiava até o sujeito mais macho. Entrava nos botecos, peitava qualquer um.

Porém, no seu olhar tinha uma tristeza, como se andasse em constante luta, sem descanso. Observava-a de longe. Admirava-a na distância exata para a minha segurança. Via em seu semblante uma menina que amadureceu cedo por necessidade e queria apenas uma vida suave, um marido bom, um pai responsável, um amante sincero.

Certa vez, na gôndola do mercado, o pacote de bombril caiu da cestinha. Fui lá, peguei e entreguei. Ela olhou com um jeito tão delicado, sorriu levemente e agradeceu. Pude ver uma mulher amorosa, delicada e doce.

Acenei rapidamente a cabeça em resposta ao agradecimento, logo me virei e fui embora imaginando nós dois.

Lex Soryano — cronista da dor

Musica: Doida desalmada e atrevida

Artista: Ronaldo Adriano

Ano de lançamento: 1976

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CLÍNICA DO AMOR
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Written by CLÍNICA DO AMOR

Histórias de amores, paixões e traições através do cancioneiro brega. Escritas por Lex Soryano, psicanalista e cronista da dor.

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