As fronteiras da linguagem minimalista

Box1824
5 min readDec 4, 2014

A origem da comunicação humana é, ainda hoje, um dos maiores desafios da ciência da linguística. Existem várias teorias sobre por que começamos a nos comunicar, mas ninguém sabe ao certo o que nos levou a desenvolver esta habilidade. De gestos a pigmentos, das prensas tipográficas à Internet, nossa capacidade de criar e interpretar símbolos mudou a forma como nós vivemos, além de nos fornecer novas maneiras de lidar com um mundo imprevisível.

Desde o primeiro momento em que a comunicação se manifestou entre os seres humanos, a eficiência deste processo passou a ser um objetivo. Com as novas tecnologias tornando-se cada vez mais acessíveis, hoje é possível atingir uma sofisticação nunca antes imaginada. No mundo de hoje, hiper ocupado, conectado e plural, a comunicação minimalista ocupa um espaço cada vez maior, desde o fenômeno cultural dos emojis à preferência por mensagens de texto no lugar de ligações telefônicas. Vivemos numa lógica comunicacional que carrega a compressão do máximo de significado em um mínimo de representação simbólica.

O cinema preparou o terreno para uma comunicação mais imagética, pois turbinou a nossa capacidade de interpretar este tipo de linguagem. Devido à importância cultural que o cinema atingiu ao longo do século XX, o nosso cérebro exercitou a capacidade de interpretar, além da linguagem em imagens, uma linguagem baseada em elipses. A edição nos acostumou a compreender a mensagem através de apenas alguns fragmentos.

Efeito Kuleshov

As tecnologias evoluíram em velocidade exponencial a partir do século XX, e o formato de linguagem precisou acompanhar essas mudanças. A fragmentação da linguagem hoje é tão profunda que uma única imagem pode ser muito mais precisa que um parágrafo inteiro. Postar uma foto de uma pessoa cansada pode ser a forma mais eficiente de dizer para seus amigos que você não vai mais conseguir sair porque está preso no trabalho. Comunicar muita coisa não é comunicar em quantidade.

Prova disso é o sucesso do Yo, um aplicativo de troca de mensagens em que o único recado permitido é “Yo!”. Apesar de ser inicialmente visto como uma piada, o app já teve mais de um milhão de downloads, e 15 Yos são mandados por segundo no mundo. O antropólogo Bronislaw Malinowski descreve esse tipo de interação como uma “expressão fática”, um tipo de comunicação que executa uma tarefa social em vez de transmitir uma informação — por exemplo, o simples lembrete de que alguém está pensando em você.

A antropóloga cultural Mimi Ito explica o sucesso do Yo através do desejo inerente ao ser humano de se conectar e estar conectado, mesmo que em níveis mínimos. Consumidores estão buscando oportunidades para se comunicar de uma maneira mais emocional e divertida, para pular o “small talk” mas não perder a oportunidade de mandar sentimentos.

Isso explica a consolidação da tendência de se comunicar apenas por imagens, a ponto de existir uma rede social apenas de emojis, a Emojili, que com dois dias de vida já tinha mais de 50 mil usuários.

Outro exemplo interessante do sucesso da comunicação minimalista é o casal americano que, em agosto de 2014, decidiu se comunicar apenas por emojis por um mês como uma forma de tentar melhorar o casamento. No final do mês, a mulher declarou que se sentiu mais amada ao receber emojis com afeto do que quando recebia um simples “eu te amo” de seu marido.

Alex: Estou indo para casa. Liza: Eu estou com uma amiga e ela teve uma morte na família, não venha beber com a gente. Alex: Eu vou beber com outras pessoas.

To emoji or not to emoji

“Emoji” vem da palavra japonesa para “pictográfico”. Os emojis foram criados para serem expressivos o suficiente para substituir palavras e frases, simbolizando objetos, sentimentos, expressões e ideias do dia a dia. Suas cores e designs foram absorvidos pela cultura pop, fazendo deles um terreno fértil para pesquisa e experimentação por acadêmicos e artistas, ganhando o patamar de linguagem.

No final de 2013, a primeira exposição artística só de emojis aconteceu em Nova Iorque. Na mesma éppoca, Katy Perry lançou um “emoji lyric video” do seu hit “Roar”. Em fevereiro de 2014, uma versão do livro Moby Dick escrita com emojis em vez de palavras foi aceito no acervo do Library of Congress, um verdadeiro marco na aceitação desse tipo de comunicação como linguagem contemporânea. Chamado Emoji Dick, o projeto captou recursos através de uma campanha no Kickstarter.

Há dez anos, a ideia de que opiniões poderiam ser condensadas em tweets de 140 caractéres era inconcebível. Hoje, um único emoji pode transmitir a mesma informação e ainda ser compreendido em qualquer lugar do mundo, o que pode classificá-lo como linguagem universal. A grande adesão ao Gif Keyboard, uma extensão para os teclados do iOS 8 apenas com emojis retirados de GIFs famosos, é um exemplo claro e muito recente de como este tipo de comunicação está cada vez mais intrínseca na vida das pessoas.

Enquanto alguns defendem que a febre dos emojis não passa de uma manifestação do apetite insaciável dos Millennials por mensagens de texto, cultura pop e economia de tempo, outros argumentam que isso pode até significar um resgate da comunicação em hieróglifos. Independente da referência histórica, os emojis constituem uma línga pidgin, um ponto de encontro linguístico formado no ato da comunicação, e facilitado pela grande diversidade de símbolos.

A comunicação minimalista propõe um novo paradigma linguístico. Em um mundo de excessos, paira no ar a necessidade de criar uma linguagem capaz de dizer mais usando menos recursos e de uma forma mais democrática, criando inclusive novas possibilidades para a tão sonhada linguagem universal.

por Sophie Secaf

pontoeletronico.me

--

--

Box1824

Pesquisa em tendências de consumo e comportamento jovem. Textos também disponíveis no Ponto Eletrônico > www.pontoeletronico.me