Conservadores, migrantes e nativos: as gerações e a internet

Box1824
7 min readJan 10, 2018

A juventude é mais um conjunto de características do que, de fato, algo determinado por um número. A natureza questionadora do jovem independe de geração, e esse caráter contestador sempre esteve presente: o jovem é o verdadeiro agente de transformação.

Independente da época, o jovem se comporta de forma transversal a todas gerações. Todo jovem é:

Atualmente, seis gerações convivem na nossa sociedade ocidental: tradicionalista, baby boomer, geração X, geração Y (Millennial), geração Z e, como vem sendo chamada, a geração alpha. Nesta breve análise sócio-histórica, focaremos nas gerações fora dos extremos.

Toda geração é influenciada pelos seus contextos — social, político, econômico, ambiental e tecnológico — e eles impactam diretamente em como irá se expressar. A bandeira de cada geração pautará quase todas as esferas da vida, como se fosse a lente pela qual o jovem olha para o mundo e para si.

Um marco histórico, no entanto, mudou como todos se comportam e, inclusive, como nosso sistema cognitivo se constrói: a internet. Esse avanço tecnológico e como lidamos com ele é um dos principais fatores que diferem uma geração da outra. Aqui, dividiremos as gerações em conservadores digitais — aqueles que nasceram e viveram maior parte de suas vidas sem internet — , migrantes digitais — os que tiveram contato em fase adolescente com internet — , e nativos digitais — aqueles que já nasceram em um contexto digital.

CONSERVADORES DIGITAIS

Baby boomers: nascidos entre 1946–1960
Bandeira: antissistema

Os baby boomers nasceram em um contexto pós-II Guerra Mundial e Grande Depressão. Nos Estados Unidos, os baby boomers passaram por outro período de guerra, a do Vietnã. A prosperidade econômica da época permitiu um poder aquisitivo desconhecido por seus pais, e ficaram famosos por gastarem tudo que ganhavam. Eram tempos de otimismo e conquista: a corrida espacial estava trazendo novos horizontes.

O imperialismo capitalista estava em ascensão e a mentalidade consumista não impediu que outras lutas entrassem em pauta: eles são uma geração questionadora e idealista, que revogava seus direitos. Dentre tantos feitos desses jovens, destacam-se o Woodstock, o feminismo, o movimento dos Direitos Civis, a revolução sexual e novas configurações familiares, graças à pílula anticoncepcional.

No Brasil, viveram a cultura cosmopolita e a ditadura — o que fez eclodir a vindoura contracultura. Os trabalhos considerados ideais eram os cargos públicos, devido aos vários benefícios que ofereciam, e por ainda não existirem muitas indústrias instaladas no país, deixando como opção montar seu próprio negócio ou trabalhar para o Estado.

Geração X: nascidos entre 1961–1980
Bandeira: sem ideologia

O Brasil passava pelos Anos de Chumbo, e muitos jovens da Geração X lutaram pelo fim da ditadura. O capitalismo se consolidou, trazendo com ele a privatização neoliberal e o início da globalização. Passou a ser valorizada uma sociedade de bens de consumo e abundância, que poderia ser conquistada por meio do trabalho.

Com o ingresso de multinacionais no país, muitos optaram por construir carreira em uma grande empresa para poder comprar os vários serviços e produtos que agora estavam disponíveis. Alimentada pela ambição e individualismo, a Geração X ficou caracterizada por sua falta de ideologia e foco no material — a ponto de ser a geração com mais problemas relacionados ao coração em relação às outras.

Neste movimento, foi privatizada inclusive a arte. A prioridade da cultura não era mais enriquecer mentes, mas enriquecer negócios privados. Concomitantemente, aparecem as famigeradas “tribos”, subculturas fortemente atreladas a movimentos musicais (hip hop, new wave, pop, disco).

MIGRANTES DIGITAIS

Geração Y: 1980–1995
Bandeira: ambientalismo

Cresceram em tempos de abundância conquistados pelas gerações anteriores: a prosperidade econômica e acesso a bens e serviços permitiu uma busca intelectual e de autoconhecimento que as gerações anteriores não puderam ter. O Millennial foi o primeiro em muitas famílias brasileiras a ir para a faculdade.

O avanço tecnológico e a consolidação da globalização geraram o boom da comunicação por meio da revolução da informação: quantidades imensuráveis de informação agora estavam disponíveis em portais, fóruns, sites, e-mails e redes sociais.

Tiveram contato cedo com tecnologia, porém são migrantes digitais: adaptaram-se com facilidade à integração da tecnologia no dia a dia, mas vêem seu avatar digital e a vida real como dois mundos diferentes. Lidam com dificuldade com questões de desconexão e superexposição online.

A busca individual pela felicidade finalmente entrou em pauta, tornando-os ótimos problematizadores. O trabalho, agora, deve ter um propósito maior, “mudar o mundo”. Não aceitando o que a maioria das empresas estabelecidas oferece, muitos decidiram criar sua própria empresa, gerando o boom de startups — e, consequentemente, muita falência.

Enquanto todo esse tempo e dinheiro são investidos nesse sonho, relações financeiras e amorosas são questionadas: não é preciso mais se casar tão cedo ou comprar uma casa. Os Millennials gostam de experimentar e não estar presos a algo ou alguém no começo da vida adulta. Passam, então, por crises identitárias provenientes de frustrações desses desejos tão grandes, e muitos sofrem de depressão.

Ao mesmo tempo que estabeleceram novas relações de trabalho, como home office, freelance, informalidade, sharing economy, coworking e horizontalidade, o retorno financeiro nem sempre veio, tornando-os dependentes financeiramente de seus pais por muito mais tempo que as gerações passadas. Sonham alto, mas a falta de pragmatismo os impede de tirar os planos dos papéis.

Para além da abundância material e acesso à informação, foi uma geração que cresceu vivendo os frutos das lutas sociais das gerações anteriores. E isso abriu espaço para que a busca não fosse mais pelo coletivo, mas para si. Retomam a essência idealista dos baby boomers mas, por terem vivido um período próspero, desenvolveram uma consciência social mais abstrata e levantaram novas bandeiras, como sustentabilidade e justiça ambiental.

NATIVOS DIGITAIS

Geração Z: 1996–2010
Bandeira: equidade humana

A Geração Z nasceu em meio à crise econômica que é o legado das gerações anteriores. Isso fez com que, desde cedo, fossem pragmáticos. Têm os pés no chão: poupam muito e acreditam em trabalho duro para garantir uma estabilidade financeira, aproximando-se da tradicional geração X.

Em contraponto a essa mentalidade, possuem um sistema de valores e ethos progressistas. A maior parte dos adolescentes hoje tem algum discurso relacionado à raça, gênero e orientação sexual. É a geração mais multiétnica até hoje, convivendo com tal diversidade desde bebês. Consequentemente, a bandeira desta geração é a equidade humana.

Envolvem-se em ativismos muito mais cedo do que as gerações passadas e vivem uma renascença do movimento social, assemelhando-se aos idealistas baby boomers. A diferença é o meio: há muita oportunidade de se envolver com várias causas em qualquer lugar ou momento, graças à tecnologia. Possuem natureza ativista e atuam conscientemente dentro das suas comunidades, seja por meio de vlogs, fotografias, zines ou debates. Certos conceitos já são dados como pressuposto — questões como sexualidade fluida, transparência e aversão a preconceitos de qualquer raiz.

É uma geração que não vê a hora de lidar com a bomba que os Millennials deixaram. São os adolescentes mais ansiosos da história (mais até que os adultos) e preocupados com sucesso e futuro. Sentem o peso do mundo desigual que habitam, e isso os motiva a lutar por mudança.

A geração Z é a primeira verdadeiramente nativa digital, e vive em um constante estado de distopia: sua realidade é composta por uma sobreposição de camadas, físicas e digitais, que não são separáveis.

No Brasil, tiveram já no nascimento a inserção digital através do smartphone. São pessoas com curtíssimos períodos de atenção e altíssima capacidade de curadoria de informação — já que o fluxo é gigante e o tempo é precioso. O conceito de privacidade tem um novo significado: usufruem da internet de modo mais estratégico e criterioso — por isso o sucesso de aplicativos que não deixam pegadas digitais.

Ainda que ser jovem tenha tido significados parecidos ao longo dos anos, os drivers comportamentais se alteram de acordo com os contextos de cada época e os avanços da tecnologia. Embora os Y sejam a primeira geração que compreende uma realidade composta pelo mundo digital quando o físico, os Z são os primeiros a nascer e crescer nesse contexto — a divisão entre físico e digital já não faz mais sentido na medida em que eles entendem o mundo em camadas sobrepostas de uma realidade única e indivisível.

A bandeira da equidade humana é potencializada pelas tecnologias que estão disponíveis hoje e, com isso, ganha mais visibilidade. A diferença entre o questionamento do status quo das gerações anteriores para esta reside no poder das ferramentas tecnológicas de comunicação social usadas para promover mudança.

— Faça download do infográfico na íntegra aqui

por Lydia Caldana

pontoeletronico.me

--

--

Box1824

Pesquisa em tendências de consumo e comportamento jovem. Textos também disponíveis no Ponto Eletrônico > www.pontoeletronico.me