Feminismo na rede: arma de longo alcance

Box1824
5 min readNov 2, 2015

Como editora de uma revista de cunho feminista para garotas adolescentes, dou entrevistas com bastante frequência. Em todas elas, uma pergunta invariavelmente se repete: “o que você acha dessa nova moda de feminismo?”. Pode ter variações, perguntas sobre um tal “feminismo pop”, sobre um “novo feminismo”, sobre um “feminismo divertido, diferente daquele feminismo chato que a gente conhece”. Não é de se surpreender, considerando o foco que o feminismo tem recebido na mídia nos últimos anos, como pauta de revistas, assunto frequente em qualquer entrevista com mulheres, e alvo de muita discussão de internet. No entanto, reduzir um movimento sociopolítico e ideológico de fundamental importância histórica a uma moda é, no mínimo, insensível.

Esse tipo de abordagem também é pouco criativa: não é a primeira vez — e provavelmente não será a última — que o feminismo passa por um boom midiático. Por ser um movimento por igualdade, por ser um movimento por e para mulheres, o feminismo ganha visibilidade quando os assuntos que afetam as mulheres ganham visibilidade. Por ser um movimento de reação, é natural que ganhe mais espaço na mídia quando problemas enfrentados por mulheres também conquistam esse espaço.

Riot Grrrls, Ms. Magazine, e o ciclo da mídia

Em 1971, a New York, revista de bastante visibilidade, começou a publicar um suplemento abertamente feminista: Ms., editado por Gloria Steinem e Dorothy Pitman Hughes, ativistas feministas de segunda onda. O suplemento rapidamente se tornou uma revista completa, edições mensais foram publicadas de 1972 a 1987, e seu peso midiático foi forte o suficiente para incentivar uma conversa necessária em relação à legalização do aborto.

Na década de 1990, o feminismo — como hoje — era assunto recorrente na mídia: Backlash, uma investigação de Susan Faludi especificamente sobre a representação negativa do feminismo na mídia, passou 35 semanas na lista de mais vendidos do New York Times; um estudo sobre estupro nos EUA foi manchete de jornais no país inteiro; o movimento riot grrrl, de adolescentes feministas que expressavam seu ativismo por música, estilo e zines, foi foco de artigos em revistas, e assunto frequente na mídia de entretenimento (nem que fosse por conta do envolvimento pessoa de uma de suas expoentes, Kathleen Hanna, com Kurt Cobain).

Hoje, os principais jornais brasileiros entrevistam ativistas e cantoras pop se declaram feministas — desde gigantes como Taylor Swift e Beyoncé até a funkeira Valesca Popozuda e a queridinha do Tumblr Halsey. O assunto, mais uma vez, é considerado uma novidade relevante pela mídia. É um ciclo, que se repete e se renova, trazendo à tona as demandas do movimento que são, naquele momento, consideradas mais pertinentes. Felizmente, esse ciclo também permite que cada novo “ponto alto” do feminismo se construa em cima do anterior, desenvolvendo e evoluindo a repercussão positiva do assunto.

Negahamburguer, artista brasileira engajada na causa feminista, cujo trabalho ganhou notoriedade nas redes sociais.

Boom: o peso da internet

O diferencial principal do impacto midiático do feminismo atual em relação aos picos anteriores é — isso mesmo — a internet. A suposta democratização da produção e do acesso a conteúdo que a internet permite abre espaço para vozes subalternas, para quem não tem reconhecimento na mídia tradicional, e a mídia tradicional se vê correndo atrás de um ritmo que não é mais capaz de controlar. As discussões sobre feminismo se descentralizam, porque se tornam mais plurais, e porque, na internet, é mais difícil calar nossas vozes (apesar de muita gente ainda tentar), e quase impossível ignorá-las.

A organização das feministas pela internet criou movimentos de conscientização amplos e difundidos, como os incentivados por hashtags. #AskHerMore estimula a mídia a fazer perguntas mais complexas e interessantes às mulheres, em vez do padrão de “como você perde peso?” e “qual o segredo do seu cabelo tão brilhante?”, enquanto #WhyIStayed abre espaço para mulheres conversarem abertamente sobre violência doméstica. Recentemente, brasileiras também aderiram massivamente à #MeuPrimeiroAssédio, estimuladas pelo tema da redação do Enem de 2015, que foi sobre “A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira”. Jout Jout, sensação vlogueira entre as feministas, até produziu um vídeo para visibilizar a causa:

Essa atenção crescente pode estar indicando um potencial fim do ciclo midiático. Ano passado, em uma pesquisa sobre palavras que deveriam ser banidas em 2015,a revista Time destacou “feminism”, dando a entender que a “graça” do assunto já estava ultrapassada, e que não aguentavam mais ouvir falar do tema. Quanto mais espaço o feminismo ganha na mídia, mais reação negativa recebe também — dessa mesma mídia. A capacidade de atenção do público dura pouco, e a lealdade é passageira. Enquanto o feminismo for lido como moda, como um assunto quente da mídia, enquanto não for levado a sério pelo público geral, é possível que o ciclo se repita; um ciclo de reações que, parafraseando Helen Lewis, comprovam a necessidade do feminismo.

Entretanto, podemos ver isso tudo de um ponto de vista mais otimista: com a visibilidade das próprias feministas na mídia independente e nas redes sociais, é mais difícil permitir que a tentativa de mudança de lado da mídia tradicional ocorra. Toda vez que mais uma celebridade declara não ser feminista, uma série de feministas insistem na importância do movimento. Quando a Time incluiu “feminism” como palavra a ser banida, por exemplo, a reação negativa do público levou a revista a um pedido público de “mais-ou-menos-desculpas” todo dia surgem projetos incríveis de feministas inspiradoras.

Laura Liedo

Nas palavras de Susan Faludi, em Backlash, escrito em 1991 mas com insights ainda surpreendentemente atuais:

“A reação negativa ao feminismo foi motivada não por mulheres atingindo total igualdade, mas pela crescente possibilidade de que elas possam atingi-la. É um ataque preventivo que para as mulheres muito antes da linha de chegada.”

Esperamos que, desta vez, o ataque preemptivo não dê certo: vamos atravessar a linha de chegada.

Capa: Leah Reena Goren

por Sofia Soter

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