Música poligênero brasileira: conheça a Geração Tombamento

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5 min readMay 10, 2016

Um dos pilares das lutas ligadas a questões de gênero sempre foi a busca por visibilidade. Nos últimos anos, reflexos dessa luta vêm sendo observados na sociedade e engajam um crescente número de pessoas.

De olho neste público, o mercado publicitário deu início a um processo de causewashing. Essa palavra descreve o comportamento de marcas que se vinculam a causas que “estão na moda” por meio de campanhas e ações de marketing. No entanto, muitas dessas empresas não têm ações concretas em prol das causas em que se envolvem.

Hoje, marcas colocam mulheres empoderadas como protagonistas de suas peças publicitárias, usam uma mulher trans como garota propaganda, incluem homens gays como target de produtos, mas será que internamente estão alinhadas com estas causas? Teriam representação feminina relevante em sua diretoria? Ou pessoas trans no quadro de funcionários? Os maridos dos funcionários gays teriam fácil acesso a licença paternidade e plano de saúde?

C&A: coleção Tudo Lindo & Misturado
Axe: Find Your Magic
L’Óreal Paris Brasil: campanha de Dia das Mulheres 2016

Entre as ferramentas para o causewashing, a bola da vez é o movimento Agênero. Mostrando-se despreparado, o mercado publicitário proclama uma ideia antiga cujo conceito não condiz com a terminologia. No segmento da moda algumas marcas têm bradado uma defesa ao movimento agênero como algo que pode ser vestido por todos os gêneros. Ou seja, uma nova terminologia para o velho e bom unissex.

Zara

Esse suposto apoio ignora a função do prefixo a que vem antes da palavra gênero. O significado desse prefixo na língua portuguesa está ligado a uma intenção de negação. É a diferença clássica entre imoral e amoral. Imoral é aquele que vai contra a moral enquanto amoral é aquele que está fora da moral, ou seja, é aquele que é neutro no que se refere à ética. Portanto, agênero é aquilo que nega o gênero, que está fora dessa discussão.

Marcas que pretendem ser inovadoras e ousadas ao entrar em discussões tão pertinentes quanto a de gênero não deveriam ser guiadas pelo caminho da anulação. As questões de gênero ainda demandam visibilidade, e não que finjamos que elas não existem. Discutir, por exemplo, o poligênero é mais emergente — e desafiador para as marcas. É mais conveniente optar por um discurso que diz que não existe menino ou menina do que assumir que existe menino, menina, menine, meninx e que se pode fluir por todas essas definições.

Contra-ataque da arte

Marcas e instituições ainda sentem medo de se aproximar dessa noção de fluidez, e esse medo não é infundado. O crescimento do conservadorismo tem assustado muitos dos que acreditavam em avanços do mundo em termos de direitos humanos, civis e nas lutas contra o racismo, machismo, homofobia, transfobia, gordofobia, xenofobia, entre outros. O apoio a Trumps, Bolsonaros e outros tantos conservadores ao redor do globo levam a crer em um retrocesso em todas essas frentes.

As principais perguntas que derivam desse susto são “o que podemos fazer?” ou “há alguém fazendo algo para revidar?”. As respostas não são simples, mas é possível identificar uma série de indícios de que os progressistas agem. Para vislumbrá-los é preciso observar além dos campos onde os conservadores têm ganhado espaço — economia, política representativa e fundamentalismo religioso — e ouvir as vozes que estão no contra-ataque. Seu terreno mais fértil é a arte, que expressa essa realidade de maneira clara e contundente.

Analisando as expressões artísticas contemporâneas, especialmente a música brasileira, é inegável que existe um elo entre os artistas. Chega ao holofote a Geração Tombamento, uma nova leva de cantoras e cantores cujos trabalhos se unem pela força representativa das principais questões da sociedade civil — raça, gênero e sexualidade. O conceito deriva do Movimento Negro e categoriza novas expressões artísticas que operam como forma de luta e protesto.

Embora seja debatido se este posicionamento é político ou estético, ou ambos, este grupo de artistas celebra junto aos seus públicos o movimento de “tombar” os padrões do senso comum.

Banda Uó: Candy Mel foi a primeira mulher trans a estrelar campanha da Avon
Karol Conka: voz ativa sobre o empoderamento da mulher negra
Johnny Hooker: nas letras e em seu visual o cantor questiona padrões de gênero e sexualidade
Rico Dalasam: o rapper une as discussões do movimento negro e do universo queer
Mc Carol: funk com forte conteúdo feminista
Liniker: “sou bicha e preta”, diz sobre flutuar entre as definições de masculino e feminino
As Bahias e a Cozinha Mineira: o trio lançou o disco “Mulher” que conversa com as lutas contra o machismo e a transfobia
Madblush: vindo do universo drag queen, mistura diferentes estilos musicais e referências estéticas

Neta do movimento tropicalista — que consagrou Caetano, Gil, Mautner e Gal — e irmã mais jovem da Nova MPB — de Tulipa Ruiz, Marcelo Jeneci e Céu — , a Geração Tombamento opera como referência, inspiração e prova de que existe espaço e demanda por um futuro mais livre.

Ainda que nenhum deles tenha atingido até agora uma amplitude tal qual Ivete Sangalo, Anitta ou Luan Santanna, o destaque que esses novos artistas conquistam neste momento de crise representa, sim, um avanço. Sua presença em timelines e veículos de comunicação de massa indica uma abertura para que suas lutas permaneçam na pauta da sociedade civil.

Capa: Aaron Tilley / Kyle Bean / Kinfolk Magazine

por Filipe Techera

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