Realidade mista: amálgama de tecnologia cria virtualidades reais

Box1824
5 min readSep 29, 2016

No início, havia o texto. A primeira e principal linguagem digital nos propiciou transpor o conhecimento dos livros às páginas da internet em código HTML. Mais do que isso, moldou o diálogo da humanidade com os meios digitais por mensagens instantâneas — das madrugadas no mIRC no início da década de 90 ao WhatsApp nos smartphones de hoje.

Então veio a imagem, registrada nos (hoje esquecidos) fotologs do início dos anos 2000 até o Instagram, a partir de 2010. A forma como enxergávamos o mundo aqui fora passou a se fazer cada vez mais presente em nossas contrapartes digitais.

Depois, o vídeo, que tornou-se o principal formato atual e moldou o espírito do nosso tempo com infinitas horas de upload em canais no YouTube, streamings ao vivo, histórias fragmentadas em 10 segundos e com duração de apenas um dia no Snapchat (e na recente encarnação do Instagram, o Stories). A promessa é de que, nos próximos anos, a linguagem do vídeo corresponderá a 80% do nosso fluxo de troca de informação online.

Tanta sofisticação na forma com que nos relacionamos por meio das (e com as) plataformas digitais ocorre há menos de meio século. Hoje, tecnologias de realidade virtual e aumentada dão seus primeiros passos em larga escala.

WhatsApp, Instagram, Oculus… Para todas as linguagens utilizadas na interação humana, há uma empresa de tecnologia comprada por Mark Zuckerberg.

Prova disso é a aquisição da Oculus — empresa de realidade virtual até então voltada para a indústria de games — pelo Facebook. Mark Zuckerberg prometeu transformar a própria rede social em uma experiência virtual imersiva.

“Criamos uma equipe de Social VR no Facebook, focada em explorar o futuro da interação social em realidade virtual. O objetivo é entender como as pessoas podem se conectar e compartilhar por meio desta tecnologia, e prever possibilidades de longo prazo. Trabalharemos junto com a Oculus para construir o amanhã das experiências sociais de realidade virtual.” — Facebook Newsroom, fevereiro de 2016.

O crescimento dos videos 360º imersivos no Facebook e no YouTube, e a viralização de Pokémon GO, também são exemplos disto.

Em um exercí­cio simples de projeção, vislumbra-se o próximo passo: amalgamando todos esses elementos, em breve viveremos uma realidade mista, em que deixaremos de diferenciar o que é digital ou não ao nosso redor.

Diferentes realidades: virtual, aumentada e mista

Antes de avançar na discussão sobre realidades virtuais, aumentadas e mistas, vale a ressalva de que esses novos contextos digitais são tão reais quanto a realidade, outra, que habitamos. No livro Que é o virtual?, o filósofo francês Pierre Lévy explica que real e virtual não são opostos. O virtual é algo que existe em potência, assim como a árvore que existe potencialmente em cada semente. No entanto, somente quando a semente brota e torna-se árvore é que a experimentamos e esse potencial se concretiza. Ou seja, o virtual também é real, porém fora do plano concreto que habitamos.

Lévy sugere então a definição de que o oposto a uma realidade virtual é a realidade concreta. Entretanto, ambas são reais, existentes e possíveis.

O que chamamos de realidade virtual ou virtual reality (VR) são tecnologias que nos transportam para outros mundos, fora da realidade concreta e completamente criados por computador. Há várias empresas se desenvolvendo no mercado, dos cardboards de papelão do Google e GearVR para smartphones da Samsung até kits de gadgets completamente novos como os wearables que nascem da união entre a HTC, conhecida pelos smartphones, com a plataforma de games online Steam, criando assim o HTC Vive.

Já a chamada realidade aumentada ou augmented reality (AR) é um conjunto de tecnologias que buscam ampliar nossa experiência no mundo concreto com recursos, visualizações de informações e interações digitais. Ela é tão simples quanto colocar uma camada de informação visual na nossa frente. O Google Glass foi o primeiro grande experimento nesse sentido, porém não estávamos preparados: segundo um ex-funcionário do Google, a equipe do laboratório de inovação Google X sabia que o produto não estava pronto sequer para testes.

Face swap e Pokémon GO mostram o impacto cultural possível quando esse tipo de tecnologia se encontra com um assunto de interesse da população no timing certo.

O que seria, então, uma realidade mista ou mixed reality (MR)? É quando usamos as tecnologias não só para ampliar o mundo concreto, mas também para transformar nossas experiências no mundo concreto em algo indissociável do mundo virtual, unindo ambas as realidades, concreta e virtual, em uma só.

O digital deixa de habitar somente as telas para estar ao nosso redor.

Entre os extremos da realidade aumentada pela tecnologia e a fuga completa da realidade concreta para realidades virtuais, há a possibilidade desta terceira via, híbrida, que gera imersão virtual ampliada pela realidade concreta. Uma mistura entre ambos os mundos, em uma “virtualidade real”.

Para facilitar a diferenciação dos conceitos, se as realidades fossem posicionadas em uma escala, concreta (CR) e virtual (VR) seriam extremos, aumentada (AR) estaria mais próxima da concreta, e a misturada (MR) seria o ponto central.

CR — — AR — MR — — — — — VR

Possibilidades mistas

Com as tecnologias que estão sendo desenvolvidas, teremos a liberdade de explorar ambientes para além da visão 360º em um espaço virtual, reconhecendo e mesclando-se ao ambiente concreto à medida que nos movimentamos nele. É o caso do Project Tango, do Google, que traz esse tipo de mapeamento aos smartphones.

Project Tango

Uma aplicação interessante da realidade mista é a dada pelo parque de diversão The Void, em Utah, que promete usar a tecnologia para possibilitar aventuras em que o real e o imaginário se encontram. Com o uso de diferentes ferramentas, ao mesmo tempo em que geram a experiência virtual, ampliam-na com o reforço de mecanismos no ambiente concreto do parque.

The Void

A realidade mista desmistifica o conceito de múltiplas telas e foca em… tela nenhuma. A Microsoft, que até então estava para trás entre os demais players, começou a dar seus passos rumo ao futuro com o HoloLens, já disponível para desenvolvedores.

Mas a grande inovação parece ainda estar por vir, a partir do trabalho desenvolvido por uma startup rodeada de segredos e cheia de investimentos milionários feitos por grandes corporações: Magic Leap.

Claro, há muito mais entre o que chamamos de realidade concreta e as novas realidades criadas digitalmente do que sonha a nossa vã filosofia. É preciso achar o equilíbrio entre essas intervenções e o que consideramos fundamental da nossa própria realidade, para evitar maus usos do conceito de realidade mista.

“Hyper-Reality”, vídeo de Keiichi Matsuda

Há muito ainda a ser descoberto. Muito a ser concebido e criado do zero. Mas uma certeza é que as diferentes formas com que a humanidade amplia a realidade ao seu redor por meio da tecnologia serão completamente diferentes do que já experimentamos nos momentos anteriores da história. Daqui do presente, já podemos vislumbrar um cenário de futuro em que a realidade será como sonhar acordado.

Capa: Magic Leap

por Gustavo Nogueira

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