Reivenção dos ídolos digitais

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7 min readJul 24, 2016

Com a ascensão das redes sociais, eis que uma pergunta bate à porta dos que nasceram até os anos 2000: como está a juventude hoje? Em quem se espelham? Quais são seus anseios? As respostas parecem cada vez mais distantes de uma exatidão. Em outros tempos havia ídolos intocáveis e um modelo preestabelecido a ser seguido — nascer, crescer, trabalhar, casar, ter filhos e envelhecer. Hoje fica difícil aplicar tais regras, pois não há mais espaço para que elas se formem e se consolidem como objeto de ordem e segurança. Quebrar regras não é novidade, mas, o que acontece atualmente, é que os padrões estão se esvaindo à medida em que a nova geração toma forma.

“Os jovens são mais criativos hoje não porque têm maior capacidade inventiva, mas porque estão a par das tecnologias, a par de uma mudança.” Rafael Araújo, professor e cientista social

Dito isso, pode-se notar um dos lados que reflete a nova economia: as redes sociais como fonte de renda e inspiração. Com ela não se ganha mais apenas curtidas ou uma legião de fãs, mas influência, poder aquisitivo e independência, especialmente aos mais jovens. Pessoas, mais do que nunca, têm em mãos o poder de se transformar em mercadoria. O que antes era coisa de celebridades de Hollywood agora está ao alcance de todos. Tal premissa ganhou o nome de digital influencer. O influenciador digital é um termo designado para pessoas bem relacionadas no mundo virtual, com alcance de voz e imagem a milhões de pessoas. Assim surge mais um nicho no mercado frenético das redes.

De início, o Instagram era uma plataforma para que todos compartilhassem seu dia a dia em pequenos fragmentos fotográficos de 640x640. O crescimento desta e de outras redes sociais fez com que as pessoas não só criassem interesse mas tivessem de participar para estarem inseridas socialmente, pois o mundo virtual é assunto constante no mundo real.

Quando os pais começaram a “invadir” o Facebook, houve uma queda de 11 milhões de usuários jovens no site, que migraram para outras redes por sentirem que sua privacidade se esvaiu, além de passarem por situações constrangedoras com a família — as broncas de mãe se tornaram públicas e online.

Instagram e Snapchat levaram vantagem, pois eram espaços próximos de seus ídolos e distantes dos familiares. O YouTube também ganhou muitos adeptos entre 2011 e 2013 com a ascensão dos vloggers, em sua maioria pessoas com menos de 25 anos. Reunindo mais de um bilhão de usuários, é de lá que hoje saem muitos dos novos ídolos teens como Kéfera Buchmann, Felipe Neto, Lindsay Woods e Christian Figueiredo. Todos eles conquistaram sua independência financeira com vídeos no YouTube, antes de chegar aos 25. Com tanto sucesso, ser youtuber foi de hobby à profissão. É, inclusive, comum ouvir crianças dizendo que querem ter um canal e adolescentes já se transformando em verdadeiros produtores de conteúdo digital.

O esgotamento da imagem

De início, as celebridades das redes sociais eram interessantes porque eram diferentes das que apareciam na TV. Pessoas reais, não personalidades montadas para agradar o público e serem politicamente corretas. Mas, à medida que os perfis passaram a ter uma dinâmica de negócio, nem todo mundo conseguiu manter seu valor inicial. Originalidade e humanidade começaram a ficar cada vez mais raras na internet, e, inevitavelmente, essa premissa acaba invadindo o mundo real. O resultado: não é saudável nem para quem consome o conteúdo, nem para quem o produz.

Com as barreiras entre real e virtual se misturando, nota-se que, quando o virtual começa a ser tomado como única realidade, as coisas podem ficar perigosas. A jovem australiana Essena O’Neill, com 18 anos, mais de 600 mil seguidores e muitos contratos com marcas, cansou da vida de webcelebridade e chutou o balde de maneira inesperada. “Eu nunca estive tão miserável. Likes, visualizações e seguidores não são amor”, desabafou em sua rede social. No perfil antigo, começou a escrever verdades tristes sobre as fotos que postava.

“Mais uma foto tirada puramente para promover meu corpo de 16 anos de idade. Isto era toda a minha identidade. Era tão limitador. Fazia com que eu ficasse incrivelmente insegura. Vocês não fazem ideia.”

“Toda rede social é um espelho das disparidades da sociedade. O Facebook é um pouco mais democrático pois as palavras podem projetar ideias de pessoas que se tornam populares por meio da escrita. O Instagram força a reafirmação de um estilo de vida e estética específica que cai mais no gosto e que reforça a mitologia moderna do famoso que é famoso por ser famoso. Até existe espaço para irreverência e reflexão, mas o que voga numa rede de imagens é a imagem que se projeta.” Frederico Mattos, psicólogo

Alastram-se casos como os de Essena. Pessoas estão ficando fartas desta mania de perfeição, indo na contramão de um movimento frenético que torna difícil a exposição de falhas e tira a diversão dos dias. Dentro de tal realidade, ficou provado que não é suficiente apenas gerar conteúdo, é necessário ter conteúdo. A imagem esgota-se em si mesma e, mais cedo ou mais tarde, o sucesso só pode ser sustentado se houver qualidade no conteúdo oferecido.

Uma contracorrente de pessoas tangíveis, com maturidade e consciência ganha força. São jovens que se mantêm informados para poder repassar informação clara e concisa, como demanda o público e dos novos meios de comunicação. Esta leva de influenciadores digitais representa não só a si mesma, mas uma parcela da população que se encaixa naquele perfil e encontra uma voz que passa a ecoar seus sentimentos, angústias, desejos e lutas.

Ídolos conscientes

Alguns podem argumentar sobre os malefícios da conexão quase que integral com o mundo digital. Mas a exposição se amplia um jeito bastante positivo. A internet é cenário de debate de assuntos importantes, traz à tona o diálogo, dá voz às minorias e desmistifica antigos tabus. Enquanto na escola se falava sobre o feminismo de quase 60 anos atrás, hoje ele é assunto constante, atual e que ganhou muita força depois de se propagar nas redes sociais.

Jout Jout é uma das meninas que passou a abordar o feminismo em seu canal. Ela influencia garotas a reconhecer relacionamentos abusivos, por exemplo, além de mostrar para os garotos que o conservadorismo machista já não cabe mais na sociedade e precisa acabar de uma vez por todas.

O empoderamento feminino também aparece dentro da comunidade afro. Dona do canal Afros e Afins, Nátaly Neri, 22, fala sobre moda acessível, negritude e temas sociais. Jovens como a Nátaly conseguem dialogar de maneira direta e mais fácil com os demais por meio das redes sociais, alcançando não só um público mais abrangente, mas elevando o debate e até mesmo a autoestima de quem assiste, porque a representatividade é uma maneira ter pautas contempladas e sua imagem celebrada. O espaço dentro da internet é de aceitação e respeito. Enquanto ainda lidam com o preconceito no mundo real, a internet é um refúgio e, para alguns, o lar que nunca tiveram.

Helen Ramos também levanta a bandeira feminista sob a perspectiva da maternidade. Seu canal, Hel Mother, trata com personalidade e pé no chão de assuntos como puerpério, mercado de trabalho e mother shaming. Ela acolhe e representa as mães modernas com o lema “maternidade sem caô”, lembrando todo o mundo de que uma mulher não deixa de ser mulher depois de ter filhos.

Transformar para transcender

Com bons exemplos no meio do caminho, pode ser que a nova geração encontre meios para criar um cenário digital não superficial. A ascesão de ídolos jovens reais, cheios de ideias transgressoras, abre espaço para discussão e expansão de um pensamento livre do conservadorismo do passado. O tema ultrapassa gerações e traz reflexão.

Nesse caso, um dos pontos mais positivos da internet é criar um espaço democrático e seguro para que as ideias fluam além das barreiras físicas. No livro Sociedade em Rede, lançado em 1996, o sociólogo espanhol Manuel Castells discorre sobre os reflexos da sociedade em rede na economia e na convivência social em todo o mundo a partir do fenômeno da internet que emergia há 20 anos atrás. Segundo ele, o papel da sociedade em rede era o de mudar os valores sobre os quais a sociedade está organizada. “O que as tecnologias fazem é proporcionar um amplo leque de possibilidades. O que acontece, depois, com as tecnologias, depende do que acontece na sociedade.”

Um exemplo da enorme influência que a nova geração de ídolos pode alcançar é do youtuber e ativista LGBT Tyler Oakley. Em 2008, ele fez um vídeo sobre autenticidade, contando como era importante sair do armário e se assumir gay no momento certo. Anos depois, já com alguns milhões de inscritos em seu canal, ele recebeu no Twitter uma mensagem do cantor Ricky Martin, dizendo que o vídeo foi parte importante para que ele assumisse publicamente sua homossexualidade.

Dizer que “essa geração está perdida” porque “só fica na internet” é falacioso. A questão central na reinvenção dos digital influencers é justamente criar laços mais saudáveis. E, além disso, os nativos digitais já conseguem, através de uma linguagem muito democrática, desconstruir paradigmas para avançar socialmente. A profundidade de pensamento não precisa ser difícil. O valor deste novo ídolo não está na projeção de uma utopia, mas na representatividade e na identificação.

Capa: Chad Wys

por Brunella Nunes

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