Carta para Andrea

Brena O'Dwyer
3 min readAug 20, 2018

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entre abril e agosto de 2018, Rio de Janeiro (sempre)

Andrea, a primeira vez que me pediu uma carta ignorei solenemente, da segunda também, mas da terceira não pude mais, que era cilada. Ficou difícil pra mim escrever palavras de amor, como você me perguntou.

Não queria escrever pra você, Andrea, porque deixo de acreditar no poder e na exatidão das palavras quando se fala de amor, que a raiva e o medo pra mim são mais fáceis e seguros, mas a amizade é profunda e a única que pode ser eterna e por isso ela fica bem em palavras e nas fotografias.

Escrevo porque como morávamos no mesmo bairro nunca dormi na sua casa.

Escrevo pra Andrea e pelos cento e trinta e cinco quilômetros entre nós. Adiciono uma nova cidade a minha lista de uma única cidade, cidades visíveis são poucas. Rio de Janeiro e Juiz de Fora. Imagino o mesmo sol que dilacera até abril por aqui queimando nossa pele simultaneamente, mas já me disseram que faz frio. Depois escrevo pelas três estações de metrô que nos separam e pela rotina cruel que não me permite te encontrar mais no recreio.

Escrevo também para os paleontólogos do futuro, que como os de hoje olham os egípcios, e querem entender porque tantos gatos. Imagino que eles vão ver sublime o amor destruído entre as mulheres em uma terra de homens. E todas as fotos de possíveis roupas pra festa como um ritual sagrado.

Escrevo pra Andrea pela saudade e porque aos treze anos basta estar na mesma condução e turma de inglês para uma amizade verdadeira.

Também pela vez que ficamos embaixo da terra sem conseguir respirar com o peso do mundo e, pior ainda da colonização, nas nossas costas.

O amor é difícil de dizer. Especialmente quando estamos metade do tempo tentando não enlouquecer e a outra metade tentando não virar nossas mães.

Escrevo porque intimidade é uma coisa, emprestar calcinha é muito mais.

Escrevo porque me sinto velha ao saber que dez anos atrás já era sua amiga e era tudo muito simples, nossa aventura voltar de ônibus da escola e quase choro.

E se eu tivesse casado Andrea seria minha madrinha, mas casamento ficou démodé e eu não fico bem de branco.

Agosto se aproxima feroz, da mesma forma como nossa adolescência foi rápida e quando vi éramos duas mulheres e não mais meninas que comiam churros e andavam de mãos dadas. E agora somos mulheres de mãos dadas.

Escrevo por todos os últimos cigarros e últimas cervejas que aguardei nem tão paciente assim pra que voltássemos pra casa juntas, como tinha que ser. E todas as cores de cabelos que compartilhamos: azul, laranja, rosa e roxo.

Lembro das muitas cartas que te escrevi em aniversários, como as adolescentes fazem, triste que em algum momento a gente perde o hábito e também como não dizemos eu te amo suficiente, mas acredito na honestidade dos emojis de corações sempre que chegamos em casa.

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