Pesquisa Com Usuário na Prática

Os procedimentos que utilizei antes, durante e depois da pesquisa para entender o comportamento das pessoas a respeito dos cursos de aquarela oferecidos no mercado.

Bruna Sarga
12 min readJul 24, 2021
Fonte da imagem: própria.

Como jornalista, era comum na minha rotina pesquisar para apurar as informações necessárias para fazer uma matéria. De busca na internet para colher o que já existia sobre o assunto, à entrevista para extrair declarações e mais informações do tema.

Pesquisar não é algo novo para mim, mas pesquisar com os usuários exigiu uma renovação no método de investigação. É sobre esse método que este artigo irá explanar. Nele você vai entender:

  • Como defini os objetivos da pesquisa.
  • Como criei um plano de pesquisa.
  • Como realizei a pesquisa.
  • Como analisei os resultados para aplicar os aprendizados no produto.

Lembrando que o principal benefício de fazer uma pesquisa com usuários não é “criar um produto”. Claro que, se bem-feito, o benefício pode ser extrapolado para a concepção de um recurso assertivo para público. Mas o principal objetivo é o aprendizado para, como disse Leandro Rezende:

“Reduzir os riscos de projetar algo errado por falta de informação”.

P.s.: esse artigo surgiu a partir do Projeto de solução UX para uma escola de artes.

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A primeira coisa que busquei entender, antes de definir os objetivos, foi saber em que momento a empresa está. A escola de artes Talento 28 encerrou as atividades e para voltar a atuar precisa adaptar os métodos de ensino do presencial ao remoto. Viu como ficou evidente o objetivo?

Ter clareza do objetivo da pesquisa nos orienta na direção que devemos seguir. A partir disso, tudo fica mais fácil, desde a elaboração das perguntas à priorização das questões mais relevantes.

É importante ressaltar que além do objetivo geral — que irá nortear a pesquisa — , precisamos dividir o objetivo em partes menores, descrevendo tudo que precisa ser feito para conseguir alcançar o propósito final.

Objetivo Geral:

Adaptar os métodos de ensino do presencial ao remoto.

Objetivos Específicos:

  • Entender quais são as soluções existentes de aulas de aquarela on-line para pensar em novas possibilidades. Pensar em ideias que poderão ser o diferencial do produto que iremos oferecer.
  • Saber como as pessoas fazem atualmente para assistirem cursos de aquarela.
  • Descobrir quais as dificuldades que essas pessoas encontram quando optam por fazer cursos de pintura on-line.
  • Descobrir o que as pessoas buscam atingir quando decidem fazer um curso de aquarela on-line.
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Com os objetivos da pesquisa definidos, agora é o momento de estabelecer como a gente vai pesquisar. A primeira coisa que fiz foi um Desk research (pesquisa de mesa) que diz respeito a entender o cenário com o máximo de recurso já disponíveis.

Um prévio levantamento de dados irá servir para consultas e reflexões, e pode feito através de:

  • Busca na internet.
  • Bate-papo com pessoas que tem ligação com o tema.
  • Notícias.
  • Registros internos da empresa.
  • Dados do governo etc.

Há inúmeras possibilidades para fazermos uma pesquisa exploratória inicial. A maior parte dos meus dados foram encontrados via internet. Também conversei com Stephanie Boechat, aquarelista e professora de aquarela, para ter uma certa validação das informações encontradas.

É crucial respaldar a pesquisa com dados confiáveis e relevantes. E, logo após apurar todas as informações vigentes, devemos organizar os aspectos que são pertinentes ao nosso objetivo.

Usei a Matriz CSD para me auxiliar a entender o contexto do assunto que eu iria pesquisar. Com a matriz é possível constatar as certezas, suposições e dúvidas sobre o tema e evitar perguntas desnecessárias nos questionários e entrevistas.

Rascunhos de Proto-personas

Quando criamos um plano de pesquisa, também é proveitoso definir “quem vamos entrevistar”. Comecei a idear quem eu acreditava que fossem os principais interessados no serviço/solução. À vista disso, esbocei meu cliente ideal.

Consegui chegar a dois proto-personas que me ajudaram bastante a refletir as principais dores dos usuários. Se houvesse alguma informação errada, não tinha problema. Eu poderia alterar mais para frente com base nos dados descobertos nas pesquisas.

Na apresentação do case, as minhas personas acabaram ficando mais enxutas — com menos texto. Isso ocorreu porque achei mais interessante dar destaque as necessidades e frustrações percebidas.

Depois de escrever todas as suposições é hora de fazer a primeira etapa de validação. Desta forma, segui para a pesquisa quantitativa.

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Plano de Pesquisa Quantitativa

Para validar (ou invalidar) as suposições que surgiram sobre os usuários, criei as perguntas do formulário alinhadas a cada suposição. Também elaborei um plano de pesquisa para registrar os objetivos, resultados das observações e oportunidades identificadas.

Objetivos da pesquisa

  • Para validar (ou invalidar) as suposições que surgiram.
  • Saber como as pessoas fazem atualmente a respeito dos cursos de aquarela.
  • Descobrir quais as dificuldades que essas pessoas encontram quando optam por aprender a pintar.

Metodologia

A pesquisa foi elaborada para oferecer fluxo de perguntas condicional para os respondentes. Desta maneira, as pessoas veriam apenas as perguntas que elas saberiam responder.

Exemplo simplificado do fluxo de perguntas do questionário que fiz.

A ferramenta que considero ótima para fazer esse tipo de fluxo é o Typeform. Nele a gente consegue criar formulários e pesquisas personalizados — como uma conversa — . Mas para manusear todas os recursos dessa ferramenta, é necessário pagar.

Como um dos objetivos do negócio era trazer o máximo de valor para os clientes com o menor custo de investimento, decidi usar Google Forms. Ferramenta gratuita que se utilizarmos bem o método seção, também conseguimos criar um fluxo de perguntas condicional.

Perfil de participantes e recrutamento

Para responder a pesquisa, era necessário que a pessoa tivesse feito algum curso de aquarela iniciante ou avançado. Ao todo foram 46 respondentes e a coleta dessa amostra foi feita no período de 7 de junho à 14 de junho de 2021.

O formulário também foi estruturado para filtrar apenas o público-alvo desejado.

Veja como a primeira pergunta, por exemplo, já filtrava o público-alvo:

Você tem interesse em aprender a pintar aquarela?

  • Muito. Estudo essa técnica há bastante tempo.
  • Muito. Mas comecei a aprender a pouco tempo.
  • Pouco. Acho bonito, mas não quero aprender.
  • Nenhum. Prefiro outras técnicas de pintura.

As duas últimas respostas levavam a pessoa ao final do questionário, onde eu agradeço a participação.

Ao montar o questionário, contextualize a pessoa respondente

Imagine se deparar com uma pesquisa e não saber do que se trata, quem está realizando ou objetivo daquela ação. Dificilmente a pessoa vai sentir vontade de colaborar.

No Google Forms a gente pode, além de acrescentar uma imagem de abertura na pesquisa, inserir um texto inicial para contextualizar a pessoa respondente. O meu texto de receptividade foi o seguinte:

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Clique aqui para ter acesso à pesquisa

Algumas perguntas ou suposições poderão não fazer muito sentido se você não tem familiarização com o processo de aprendizado de aquarela. Apesar disso, ainda é possível entender bem a relação entre os itens.

Abaixo mostro algumas perguntas que fiz no questionário junto às suas respectivas suposições:

Assim que decidiu aprender a pintar, você comprou os materiais que precisava?

  • Comprei o material mais simples que encontrei na papelaria (ex: estojo de Aquarelas com 12 Cores e 1 Pincel).
  • Comprei o material mencionado pelo professor(a) de aquarela.
  • Comprei um bloco de papel com 300g/m², pincel de ponta redonda e um estojo com tintas de uma linha estudantil.
  • Comprei pincel de pelo natural, papel 100% algodão e uma tinta da marca que gosto.
  • Ainda não comprei.

Suposição eu queria validar com essa pergunta:

As pessoas que compram materiais de pintura sem orientação se arrependem e se frustram com a escolha do material

p.s.: os dados dessa pergunta precisavam ser cruzados com a pergunta a seguir.

Você se arrependeu dos materiais que comprou no início do seu aprendizado?

  • Sim.
  • Não.

Suposição eu queria validar com essa pergunta:

As pessoas que compram materiais de pintura sem orientação se arrependem e se frustram com a escolha do material.

Você já fez (ou faz) algum curso ou workshop de aquarela?

  • Sim.
  • Não.

(ao responder não a pessoa é levada ao final do questionário, onde eu agradeço a participação)

Era necessário saber desenhar para fazer o curso de aquarela?

  • Sim. Era necessário.
  • Não. Não era necessário.
  • Não era obrigatório, mas era bom saber.

Suposição eu queria validar com essa pergunta:

É necessário saber desenhar para poder pintar aquarela.

Para você, a necessidade de saber desenhar é:

  • Tranquilo. Tenho facilidade com desenho.
  • Complicado. Não desenho tão bem e demoro para sair dessa etapa e ir para a pintura.
  • Difícil. Não sei desenhar.

Suposição eu queria validar com essa pergunta:

Não saber desenhar dificulta e frustra as pessoas durante o processo de aprendizado da aquarela.

Resultados da Pesquisa Quantitativa

Confesso que esse foi o momento mais complexo para mim. Como as respostas das perguntas precisavam ser cruzadas para fornecer os resultados, tive imensa dificuldade de fazer a interseção.

Talvez por ter usado o Google Forms, e ele não oferecer tal mecanismo na sua ferramenta de pesquisa, precisei buscar outra forma de analisar os dados.

Foi então que encontrei um curso gratuito de Microsoft Power BI Para Data Science oferecido pela Data Science Academy que clareou totalmente o caminho e ampliou a minha visão a respeito de como pensar na solução do problema.

O resultado desse aprendizado pode ser visto nos dados a seguir:

Plano de Pesquisa Qualitativo

Agora que há uma base de dados concretos, é o momento de seguir para a próxima etapa: realizar a pesquisa qualitativa para ter uma visão mais ampla de um cenário.

Nessa fase é onde sucede aprofundar ainda mais o nosso conhecimento e explanar alguns pontos que chamaram a atenção.

Formulei uma entrevista semiestruturada (método mais aproximado de uma conversa, contendo poucas perguntas usadas como ponto de partida), como poderá ver ao longo do meu plano de pesquisa.

Objetivo da pesquisa qualitativa

Captar insights e entender melhor o contexto do usuário ao fazer um curso de aquarela.

As perguntas foram baseadas nos objetivos específicos, como:

  • Entender o que as pessoas fazem quando decidem fazer um curso de aquarela.
  • Identificar quais tipos de curso de aquarela as pessoas costumam fazem.
  • Saber se há preocupação a respeito dos feedbacks acerca do curso.
  • Descobrir o grau de sensibilidade ao preço.
  • Compreender com que frequência as pessoas fazem cursos de aquarela.

Metodologia

Produzi uma entrevista semiestruturada (método mais aproximado de uma conversa, contendo poucas perguntas usadas como ponto de partida) e pedi para um amigo UX designer ser o observador durante as entrevistas.

Ele anotava as respostas, expressões corporais e impressão dos sentimentos que os entrevistados exprimiam quando falavam sobre algum tópico relacionado ao tema. Enquanto isso, eu fazia as perguntas e focava a minha atenção total na pessoa.

Perfil de participantes e recrutamento

Foram 8 participantes que já haviam colaborado com a pesquisa quantitativa.

Na última pergunta indaguei se a pessoa aceitaria participar de uma entrevista a respeito da pintura em aquarela. Caso o respondente concordasse, informava o número de telefone para contato.

A comunicação inicial foi feita através de ligação. Assim eu conseguia marcar um horário pertinente para fazer a entrevista. Claro que, por causa da pandemia, os encontros foram feitos através de videoconferência.

Rapport: abertura da entrevista

Assim como na pesquisa quantitativa, aqui também é necessário contextualizar as pessoas que serão entrevistadas. O rapport é basicamente o que você vai falar para se conectar e criar empatia.

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Em seguida, começava as perguntas. Caso a entrevista seja gravada, avise com antecedência e peça autorização.

Fonte da imagem: própria.

Roteiro das entrevistas

  • Quantos cursos de aquarela você já fez?
  • O que é importante para você decidir fazer certo curso de aquarela?
  • Como foi o curso que você fez mais recentemente?
  • Você fez alguma pesquisa sobre o curso antes de fazê-lo? Se fez, como foi essa pesquisa?
  • Houve algo que você achou útil ao se inscrever no curso mais recente?
  • Houve algo particularmente frustrante quando você fez o curso?
  • Em geral, qual é a coisa que você mais gostou a respeito do último curso que fez? Por quê?

Resultados da Pesquisa Quantitativa

Criar previamente um roteiro me ajudou bastante na hora de categorizar as informações que eu queria avaliar. Por exemplo, a frequência que a pessoa faz cursos de aquarela, o nível de sensibilidade ao preço, que curso costuma fazer (iniciante ou avançado) entre outros itens que podem ser vistos no quadro abaixo.

No decurso das entrevistas, pude identificar que:

  • Pessoas que fazem ou fizeram curso de aquarela como técnica específica são muito criteriosas quando vão decidir com quem querem aprender.
  • Ser um artista renomado e ter domínio da técnica são os pontos mais relevantes na hora de decidir fazer um curso.
  • As pessoas que buscam aprender a pintar aquarela tendem a buscar cursos em que o trabalho do professor seja mais solto (com maior liberdade na utilização de manchas), que recorre a bastante uso de água.
  • Geralmente, o grupo descrito nos itens acima, são pessoas quem tem contato com a pintura há mais de 5 anos.

Sobre quem está começando:

  • Um dos maiores problemas de quem está começando é o valor do material, que é atrelado ao dólar e gera dificuldade na compra da quantidade necessária para praticar com mais frequência. O resultado é o atraso no aprendizado.
  • A alternativa dos materiais mais baratos não tem boa qualidade, gerando muita frustração e dificuldade durante o aprendizado.

Sobre cursos on-line:

  • Há pouco contato com os professores a respeito dos exercícios propostos em aula. As pessoas gostariam de ter feedback mais direcionado.
  • No Brasil, há mais curso de ilustração com aquarela do que cursos de aquarela como técnica própria.
  • Os cursos on-line têm sido a alternativa para quem deseja aprender a pintar aquarela, onde há oportunidade de ter aula com professores de outros lugares e países.

Senso comum entre os respondentes iniciantes e avançados:

  • As pessoas buscam opiniões sobre os professores e sobre os cursos que pretendem fazer.
  • O conteúdo oferecido de graça nas redes sociais leva as pessoas a fazerem os cursos oferecidos pelos artistas.
  • Não praticar a pintura com frequência prejudica consideravelmente a evolução das pessoas em relação a técnica de aquarela.
Categorização que fiz

Esse modelo de categorização é usado nas pesquisas qualitativas estruturadas. Mas nada impede de mesclar conceitos de métodos diferentes.

Além desse modelo, usei a ferramenta Vocabulário. Organizei as palavras, expressões, desejos e motivações ditas pelas pessoas respondentes, para me ajudar na hora de definir as nomenclaturas que seriam usadas na criação do produto.

Considerações Finais sobre a Validação

A partir dos aprendizados adquiridos nas pesquisas, é hora de revisar e alterar todos os instrumentos criados anteriormente (personas, jornada…).

Apesar do desafio que foi aprender esse método de pesquisa, tão diferente do que eu estava habituada a fazer, fiquei muito animada com as possibilidades que esse tipo de investigação nos dá.

Durante as entrevistas ficou claro para mim que a maior vantagem oferecida pela escola era trazer, para dar aula, artistas renomados, com grande domínio da técnica de aquarela, por um preço justo.

No Projeto de solução para uma escola de artes, você poderá ver como todos esses aprendizados foram aplicados no produto.

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Bruna Sarga

Content Designer no Itaú. Aqui compartilho meus processos e reflexões sobre User Experience. De estágios iniciais de hipóteses e pesquisas até o design final.