Leitura: Introdução à Economia Solidária

Bru NAieta
8 min readFeb 5, 2018

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EDGAR MORIN

Capítulo 1 — Fundamentos

  1. Solidariedade x competição na economia

Capitalismo dominante considerado normal. Economia de mercado deve ser competitiva e numerosa em todos os sentidos. Há ganhadores e perdedores. Os ganhadores acumulam vantagens e os perdedores acumulam desvantagens nas competições futuras. Para uma sociedade em que predomina igualdade, seria preciso uma economia solidária. Princípios básicos: propriedade coletiva, ou associada do capital e o direito à liberdade individual. Associação entre iguais em vez de contrato entre desiguais. Organizada pelos os que se associam para produzir, comerciar, consumir, poupar. Ninguém manda em ninguém. Se a cooperativa progredir, todos ganham por igual. Se ela acumular dívidas, todos participam por igual dos prejuízos e nos esforços para saldar débitos. Se toda economia fosse solidária, mesmo com as inclinações de uma empresa pra outra, as vantagens e as desvantagens seriam periodicamente igualadas para não se tornarem cumulativas, o que exige um poder estatal que redistribua o dinheiro. Uma alternativa: renda cidadã, levantaria o fundo para esta renda mediante um imposto de renda progressivo.

2. Empresa capitalista e empresa solidária: a repartição de ganhos

Na empresa capitalista, os empregados ganham salários desiguais, o valor de cada tipo de trabalho determinada pela oferta e demanda pelo mesmo no mercado de trabalho — escalonamento de salário. Incessante ajuste entre oferta e demanda desta força de trabalho, tendo em vista maximizar o lucro. Sobras são decididas pelos acionistas. Na empresa solidária, os sócios não recebem salários mas retirada, que varia conforme a receita obtida. Os sócios decidem coletivamente, em assembleia, se a retirada devem ser iguais ou diferenciadas, assim como as sobras — podendo ser colocadas em fundos de investimento (fundo divisível e indivisível). 3. Autogestão e heterogestão Heterogestão, ou seja, a administração hierárquica, formada por níveis sucessivos de autoridade, entre os quais as informações e consultas fluem de baixo pra cima e as ordens e instruções de cima pra baixo. Os trabalhadores do nível mais baixo sabem muito pouco além do necessário para que cumpram suas tarefas, que tendem a ser repetitivas e rotineiras. Na heterogestão, para funcionar é preciso suscitar o máximo de cooperação entre os empregados, sempre à procura de novas fórmulas que lhe permitam extrair o máximo de trabalho e eficiência do pessoal empregado. A empresa solidária, quando é pequena tem as decisões tomadas por assembleia. Quando ela é grande, os sócios elegem delegados por seção ou departamento, que se reúnem para deliberar em nome de todos. Decisões de rotina são de responsabilidade de encarregados e gerentes, escolhidos pelos sócios ou por uma diretoria eleita pelos sócios. As ordens e instruções fluem de baixo pra cima, as demandas e informações de cima pra baixo. Os trabalhadores, além de cumprir as tarefas a seu cargo, cada um tem que se preocupar também com os problemas gerais da empresa. O fato de todos ficarem a par do que está em jogo contribui para a cooperação inteligente dos sócios. O maior inimigo da autogestão é o desinteresse dos sócios, sua recusa ao esforço adicional que a prática democrática exige. Por conta de questões urgentes, por exemplo, pode acontecer nas assembleias dos problemas e soluções serem relatados como fatos consumados. A lei do menor esforço concentra poder de decisão. Mas as lutas emancipatórias alteram instituições. Os avanços autoritários e democráticos fazem com que as novas gerações sejam menos reprimidas e passivas que as de seus avós e pais. As empresas solidárias, além de serem economicamente produtivas, se apresentam como centros de interação democráticos e igualitários, que é o que seus sócios precisam.

Capítulo 2 — História

1. Origens históricas da economia solidária

Nasceu pouco depois do capitalismo industrial, como reação ao espantoso empobrecimento dos artesãos, provocado pela difusão das máquinas e da organização fabril da produção. A exploração do trabalho nas fábricas não tinha limites legais e ameaçava a reprodução biológica do proletariado.

Robert Owen, proprietário de um imenso complexo textil, na primeira década de XIX, decidiu limitar a jornada de trabalho e abrir escolas para os filhos dos trabalhadores. Sua fábrica recebia visitas de todo o mundo para ver como bem-estar dos empregados se transformava em lucro.

Quando a Grã-Bretanha caiu em depressão, Owen apresentou um plano ao governo para que os fundos de sustento aos pobres ao invés de serem meramente distribuídos fossem invertidos na compra de terras e construção de Aldeias Cooperativas, em cada uma das quais viveriam cerca de 1.200 pessoas trabalhando na terra e em indústrias, produzindo sua própria subsistência. Os excedentes poderiam ser trocados entre as Aldeias.

O governo se recusou a implementar a proposta, que quanto mais era contada, mais se mostrava ser uma mudança completa no sistema social e uma abolição da empresa lucrativa capitalista. Com isso, ele partiu para os Estados Unidos, querendo erguer isso que pensava ser um modelo de sociedade do futuro. Ela foi estabelecida em 1825, em New Harmony, no estado de Indiana.

Enquanto isso, seus discípulos começaram a pôr em prática as ideias dele, criando sociedades cooperativas por toda a parte. A primeira cooperativa owenista foi criada por George Mudie, que reuniu um grupo de jornalistas e gráfico em Londres e propôs que juntos formassem uma comunidade para justos viverem dos ganhos de suas atividades profissionais.

Brighton, EUA, foi palco de iniciativa cooperativa em meados de 1827. Comunidades cooperativas, centrais sindicais, cooperativas integrais, armazéns cooperativos. A criação desse tipo de cooperativa, estreitamente ligada à luta de classes conduzida pelos sindicatos, a greve tornava-se uma arma não para melhorar a situação do assalariado, mas para eliminar o assalariamento e substituí-lo por autogestão.

Bolsa Nacional de Trabalho Equitativo aberta em 1832 na Inglaterra (clube de troca). As notas de trabalho eram unidades de horas de trabalho. Os bens oferecidos à venda eram avaliados pleo tempo de trabalho médio do operário, a partir de um padrão determinado do “grau de complexidade do trabalho” como chamava Marx.

A luta dos sindicatos contra os capitalistas chegou ao auge em 1833. República Cooperativa, luta pelos direitos políticos. Sociedade pela Regeneração Nacional, para conquistar de uma vez a jornada de oito horas não por lei, mas pela recusa em massa de trabalhar além deste período! Cooperativismo Revolucionário.

França: Charlies Fourier, seu sonho era que algum capitalista se interessasse pelo seu sistema e se dispusesse a experimentá-lo. Falanstério: uma comunidade suficientemente grande (com 1.800 pessoas trabalhando) para oferecer a cada um ampla escolha entre trabalhos diversos. Mas não era coletivista. Era uma variedade de socialismo de mercado, centrado na liberdade individual, na livre escolha de trabalhos, organizados em equipes e na propriedade por ações dos meios de produção. A partir de 1825, estabeleceram-se as escolas associativas e três grandes associações aplicando os princípios do fourierismo.

Capítulo IV — Presente e futuro

  1. A reinvenção da economia solidária no fim do século XX

movimento operário direitos obtidos pelos sindicatos deram a muitos assalariados formais um padrão de vida de classe média. A luta era defender os direitos obtidos debilitou a crítica à alienação (se acentuou com segunda guerra) emprego dá cidadania social tolerância com o assalariamento, “profissionalização” de suas gerências classe operário que se acostumou com o pleno emprego Anos 70 — desemprego em massa retorna ter um emprego com direitos legais passou a ser privilégio de uma minoria os sindicatos perderam suas bases empregados foram obrigados a aceitar flexibilização de seus direitos ressurgiu com força na maioria dos países a economia solidária “novo cooperativismo”, volta aos princípios, “grande valor atribuído à democracia e à igualdade dentro dos empreendimentos transformações contextuais que afetam profundamente os movimentos de esquerda crise nos estados unidos e na europa oriental muitos se reconciliam com o capitalismo, mas muitos sentem-se desafiados a buscar outro modelo semifracasso dos governos social-democratas, na europa e na america latina, não conseguiram muito mais do que atenuar os excessos do neoliberalismo e preservar mal as instituições básico do Estado de bem estar social foco dos movimentos voltaram-se mais para a sociedade civil nesse contexto reinventa-se a economia solidária “as contradições do capitalismo criam oportunidades de desenvolvimento de organizações econômicas cuja lógica é oposta à do modo de produção dominante” resgate de comunidades miseráveis, processo de auto-emancipação entidades de apoio — igreja católica, outras igrejas, sindicatos e universidades

2. Perspectivas da economia solidária

economia solidária como alternativa superior ao capitalismo, e não somente mera incapacidade do capitalismo por proporcionar às pessoas que a adotam, enquanto produtoras, poupadoras, consumidoras etc, uma vida melhor na liberdade de cada um de escolher o trabalho que lhe dá mais satisfação, no direito à autonomia da atividade produtiva, de não ter de se submeter a ordens alhieas, de participar plenamente das decisões que o afetam; na segurança de cada um saber que sua comunidade jamais o deixará desamparado ou abandonado. Nova sociedade que unisse a forma industrial de produção com a organização comunitária da vida social. aceitação de uma esfera economica separada que teria implicado lucro e ganho como força organizadora Atmosfera em que a nova posição era alcançada pela população industrial em conjunto é possível criar um novo ser humano a partir de um meio social formas racionais de comportamento em função de regras de convívio empreendimentos solidários agregados num mundo economicamente consistentes. capaz de oferecer a todos os que desejassem a oportunidade de trabalhar e viver cooperativamente duas formas distintas de relacionamento com a economia dominada pelo capital: isolamento — teria de constituir-se todo auto suficiente; consumo solidário — demanda ideologicamente motivada. Promover o bem -viver da coletividade. Comunidades de compras solidárias se integrando em rede terá de alcançar níveis de eficiência na produção e distribuição de mercadorias comparáveis aos da economia capitalista e de outros modos de produção, mediante o apoio de serviços financeiro e científico tecnológico solidários. Oferecer a parcelas crescente da população oportunidades concretas de auto sustento, usufruindo o mesmo bem-estar médio que o emprego assalariado proporciona. Onde a economia solidária domina a vida: Mondragón, Emilia Romana, na Italia, Quebec no Canadá, Buenos Aires na Argentina (clubes de troca), Grameen Bank em Bangladesh, e quem sabe nos próximos anos a região de Catende, no sul da Zona da Mata pernambucana, onde a maior agroindústria açucareira da América Latina se encontra em autogestão desde 1995.

**Mais no Brasil: Anteag: Associação Nacional de Trabalhadores de Empresas de Autogestão e de Participação Acionária) ITCPs: Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares em universidades veio no seculo XX com os emigrantes europeus. Cooperativas de consumo na cidade, cooperativas agrículas no campo. Mas não era autogestao, se transformaram em grandes empreendimentos agroindustriais e comerciais.

1980 e 1990, crise, desemprego. Aí surgiram mesmo cooperativas nos moldes da economia solidária. 1980: Cáritas financiou milhares de pequenos projetos denominados PACs, Projetos Alternativos Comunitários. Boa parte se transformou em unidades de economia solidária. Há PACs em assentamentos do MST. Empresas falidas também ressurgiram como cooperativas autogestionadas. 1991: empresa Malkerli em Franca (SP), que deu lugar à Anteag. União e Solidariedade das Cooperativas do Estado de São Paulo (Unisol) se dedica à transformação de empresas em crise em cooperativas de seus trabalhadores. MST — Sistema Cooperativista dos Assentados (SCA) Fundação Unitrabalho, reune as ITCPs desde 1999 e promove cursos. CUT criou em 1999 a Agência de Desenvolvimento Solidária (ADS). Difunde conhecimento da economia solidária entre os militantes, promove cursos de pós-graduação em várias universidades. Uma outra atividade prioritária é a criação de cooperativas de crédito, em parceria com o Rabobank, importante banco cooperativo holandês. Em 2001, no Fórum Social Mundial, foi lançada a Rede Brasileira de Sócio-Economia Solidária. Rede eletronica formada por varias entidades de fomento da economia solidária, intercambio de noticias e opinoes, intercambio comercial entre cooperativas.

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Bru NAieta

superfícies esféricas, algumas (trans)formas da vida