É bom ser multitasking?

Bruna Lanzillotta
5 min readApr 2, 2018

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Multitasking ou multitarelfa é uma habilidade de fazer mais de uma coisa ao mesmo tempo ou de alternar entre tarefas de forma rápida. Essa característica não é somente celebrada em perfis profissionais, mas é também uma demanda do mercado de trabalho atual. É comum que as pessoas precisem fazer várias coisas ao mesmo tempo durante o expediente; normalmente temos várias janelas de navegador abertas, listas enormes de e-mails para serem respondidos, telefonemas a serem atendidos, relatórios a serem completados, cálculos a serem realizados, problemas a serem resolvidos… e no meio disso tudo ainda tem a foto no Instagram, a curtida no Facebook, a mention no Twitter e aquela mensagem inoportuna nos grupos do Whatsapp.

No meio de toda esta confusão diária, como fica a produtividade, afinal? Será que ser multitasker significa ser ágil e eficiente?

Para realizar qualquer tarefa que demande o mínimo de capacidade cognitiva é necessário ter atenção, e este é um recurso bastante limitado. Atenção é definida como um mecanismo que permite o processamento preferencial de uma informação — uma de cada vez.

Você tinha a minha curiosidade, mas agora você tem a minha atenção.

O cérebro trabalha muito mal com processos em paralelo, pelo menos no que diz respeito ao processamento consciente. Praticamente todo o funcionamento sensorial é projetado de forma a privilegiar alguns estímulos e inibir outros para que alguma coisa esteja sempre “em foco”. Por si só o próprio conceito de atenção e a própria natureza cerebral já esbarram nas possibilidades do multitasking.

De acordo com o neurocientista francês Jean-Philippe Lachaux, um especialista em atenção, só há duas formas de ser multitarefa. Uma delas envolve pelo menos uma ação “automática” e a outra, que envolve duas atividades com demanda cognitiva, implica em basicamente não fazer nada direito.

“Há duas formas de ser multitarefa. A primeira é executar duas ações ao mesmo tempo, mas uma delas deve ser automática, como dirigir ouvindo música, ou andar de bicicleta enquanto canta. No entanto, fazer duas coisas ao mesmo tempo que precisam de atenção, como ler e-emails durante uma reunião, exige que você alterne seu foco rapidamente entre ouvir o que a pessoa diz e verificar discretamente suas mensagens”.

Cérebro estúpido!

Essa alternância entre duas tarefas de demanda cognitiva impactam outra função executiva, a memória de trabalho.

Essa capacidade é definida pela habilidade de reter informação durante um período curto de tempo para manter a continuidade de uma determinada ação. Por exemplo, enquanto eu escrevo esse texto, minha memória de trabalho estoca pequenas quantidades de informação progressivamente (como um buffer de vídeo) e permite que eu não pare durante uma frase e pense “mas do que eu estava falando agora mesmo?”

Por ser de curtísisma duração, a memória de trabalho é extremamente dependente da atenção e as duas trabalham juntas o tempo todo. Essa fragmentação de ações, e principalmente a alternância da atenção durante o multitasking, são um desastre para a memória de trabalho e impedem a compreensão de informações e a continuidade de tarefas que estão sendo realizadas.

Quando você alterna entre a planilha com o relatório-importante-que-o-seu-chefe-está-cobrando e resolve pegar o celular para ver aquela notificação, sua memória de trabalho acabou de esvaziar o buffer com a última informação sobre o relatório e preencheu com “gif engraçado do Whatsapp”. Quando você retornar para os seus cálculos, todo o processo precisa ser reiniciado do zero rapidamente. E isso vai acontecer todas as vezes em que você alternar entre tarefas. Essa falta de continuidade não somente atrasa sua vida, como também o torna mais sujeito a erros e prejudica sua capacidade de aprender.

O que eu tô fazendo?

Um estudo de Clifford I. Nass, professor da Universidade de Stanford, mostrou que pessoas que se descrevem como multitaskers tiveram performances piores em tarefas cognitivas e de memória que envolviam distração do que pessoas que preferiam se focar em uma tarefa de cada vez. Isso mostra que não somente o multitasking é uma forma de fazer as coisas que prejudica o desempenho, mas que também não é aprendida. Pessoas que tem hábitos multitasking não se tornam progressivamente melhores em fazer várias coisas ao mesmo tempo.

É inegável que vivemos uma época complicada. O mercado de trabalho exige profissionais multitasking, mas nós também impomos situações desse tipo em nosso dia-a-dia. Além do que é exigido, nós mesmos nos caímos nas distrações do mundo ao nosso redor: estamos cercados de informações, comerciais, pessoas reais e virtuais, notícias para ler, tweets para conferir e fotos para curtir. Se ser multitasker no trabalho muitas vezes é inevitável com as tarefas obrigatórias, precisamos reduzir ao máximo essas distrações irresistíveis que só complicam cada vez mais o processo.

Você pode ver que nós temos “procastinação” e “distrair os outros”.

Talvez o problema não esteja só na oferta de formas de distração, mas também no fato de que ser multitarefa é extremamente cansativo para o cérebro e representa um esforço muito maior do que fazer uma coisa de cada vez. Quando estamos cansados ou estafados mentalmente, essa fuga para as notificações do celular ou as redes sociais acabam sendo um alívio. Multitasking gera estresse. E sabe o que o estresse também faz? Prejudica sua atenção, seu aprendizado e seu desempenho. É um ciclo fadado ao fracasso e frustração.

Existem dois sistemas de atenção no cérebro. Um deles é consciente e controlado por nós — você escolhe no que se focar; o outro é direcionado por estímulos externos, é inconsciente e muitas vezes inevitável (é quase impossível não perder o foco quando o telefone começa a tocar na sua mesa, por exemplo).

Vamos lá! Pelo menos uma parte de tudo isso depende de você e da sua vontade. Sua atenção é um recurso valioso e limitado. Use-a sabiamente ao seu favor.

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Bruna Lanzillotta

Doutora em neurociências usando o Medium para espalhar ideias boas pra cabeça :)