Deus ex machina

Bruno Leandro
3 min readAug 29, 2016

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O termo, que significa literalmente deus na máquina, vem do teatro grego (depois a expressão foi cunhada em latim) em que, ao fim de toda a confusão arrumada pelos mortais, descia um deus e resolvia tudo de maneira simples. Como isso era feito através de um maquinário baixando o ator caracterizado como deus no meio do palco, surgiu esse nome. Atualmente, a expressão significa qualquer situação absurda que contribui para a resolução da história, seja através de personagens, objetos, clima, etc. Em geral, não conta com a participação do protagonista nem é uma consequência direta de suas ações.

Costuma ser um recurso fraco, que traz a resolução facilitada de um problema ao qual o autor não tem condições de resolver com suas ferramentas atuais. Um caso extremo e ridículo: um galo gigante confunde meu protagonista com uma minhoca e o encurrala no final do livro em uma montanha. Do nada, começa a chover e um raio parte o monstro ao meio, liberando o herói. É algo que pode acontecer? Claro, mas é conveniente demais.

Deorum ex Machinae (deuses nas máquinas) são necessariamente ruins?

Eu não diria que esse recurso é de todo ruim. Se pensarmos em qual momento da narrativa o salvamento inusitado aparece, ele pode até mesmo ser desejável. Por exemplo, se o protagonista ainda está no início de sua jornada, ele não é capaz de lidar com ameaças muito grandes. Porém, caso queiramos mostrar essa sua fraqueza, ou até mesmo apresentar um inimigo muito forte ou final naquele momento, precisaremos fazer o personagem ser salvo de maneira inusitada. Isso pode acontecer com a chegada de outro personagem que se iguala ao inimigo, um golpe de sorte, uma situação que exige a atenção imediata do adversário, etc. Há aqueles que apresentam o desinteresse do vilão em enfrentar alguém fraco naquele momento. Eu discordo dessa como uma boa solução. Afinal, se o protagonista não é digno de o enfrentar, é mais provável que o inimigo o mate como fez com tantos outros antes. Como eu disse, o tempo é essencial.

Quando é um bom momento para o deus ex machina?

O melhor momento é quando o protagonista ou seus aliados ainda não têm habilidades suficientes para enfrentar suas adversidades. À medida que vão ganhando agência (capacidade de atuar por si mesmos), o ideal é que se evite esse recurso, já que a história se mostrará enfadonha.

Existe o deus ex machina maligno? Algo que ajuda o antagonista a deixar a vida do protagonista ainda mais difícil?

Na verdade, sim. E esse também não deve ser utilizado com exagero. São aquelas situações de quase vitória em que o protagonista fez tudo certo e a situação dá errado de tal forma que tudo se põe a perder. Ou o salvamento milagroso do vilão, como já vi em muitas séries (posso citar Jéssica Jones, em que o Killgrave sempre conseguia fugir depois de estar face-a-face com a heroína). Nós não costumamos reparar nesse recurso quando usado pelo vilão porque, no fim das contas, espera-se que o vilão esperneie bastante antes de ser derrotado. Porém, o alerta vem na forma de que, em excesso, tais situações podem se tornar corriqueiras e a trama perder seu valor. Assim como no caso do herói, não convém dar ao vilão ferramentas que ele não seja capaz de utilizar por si mesmo. Um vilão bem escrito que consegue criar problemas ao herói por seus próprios meios é muito mais valorizado do que algum que apenas tem sorte.

É possível escrever uma boa história fazendo uso de vários deorum ex machinae, tanto por parte de protagonistas, antagonistas e outros personagens?

Nada é impossível, mas há o que seja tão difícil que acaba não valendo a tentativa. Uma história recheada com esse recurso pode não se sustentar e ter um rendimento muito fraco. Acho que costuma ser um desperdício de energia e desaconselho seu uso. Porém, como dizia Raul Seixas: “Faz o que tu queres, pois é tudo da lei”. Acha que consegue criar uma história magnífica com esse recurso? Tente, quem sabe não acaba tendo sucesso? Se for capaz de fazer algo do tipo e criar algo divertido, me avise, pois eu lerei com prazer. Afinal, eu sou o cara que ama boas histórias, não importando o formato que tenham.

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Bruno Leandro

Escritor carioca de fantasia, retrofuturismo e distopias. Às vezes, tudo misturado. Autor de Em Busca do Paraíso Perdido. https://linktr.ee/brunoleanndro