A deliberação dos ratos e o escudo da cidade — o que vem depois das boas ideias

Bruno Oliveira
Reflexões
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7 min readOct 7, 2017

Quando se depara com grandes problemas que afetam ou irá afetar toda uma comunidade, toda organização se une para buscarem uma solução, e daí surgem as boas ideias. Não vou explicar neste texto como essas boas ideias surgem (Steve Johnson faz isso muito bom no vídeo abaixo). O objetivo aqui é justamente o que vem depois.

Uma fábula que ilustra bem o que acaba acontecendo após as boas ideias: A assembléia dos ratos.

Um gato que o cão suscitara para a ruína dos ratos, o Napoleão, o César dos gatos, devastava o mundo; por mais ligeiros e espertos que se mostrassem os ratos, o valente e ardiloso César tantos via quantos deixava pelo chão estendidos. Matava por gosto, por ódio de raça, e não pela necessidade da fome. Nas vésperas de sua total ruína, os ratos reuniram-se em assembléia geral, para assentarem no que deveriam fazer em tamanha calamidade. Vendo-os reunidos, e compenetrados da sua importante missão, um deles, que presumia de orador e de estadista, pediu a palavra, e depois do mais patético discurso, concluiu:

“Proponho que se ate um guizo ao pescoço do gato; assim qualquer movimento seu nos será denunciado por este estridor amigo, e tão infelizes não seremos, que não achemos algum buraco em que logo nos asilemos“.

“Apoiado, apoiado!” bradaram com entusiasmo os ratos; um deles, porém mais velho e pensador:

“Apoiado sim”, disse, “a lembrança é sagacíssima; mas quem há de atar o guizo ao pescoço do gato?”

No mundo dos negócios, tudo é possível só depende de você (e de uma série de outros fatores que as pessoas acham que não vale a pena lhe contar)

Tentarei não ser deveras piegas ao cair nos lugares comuns do empreendedorismo e do mundo de faz de conta que tentam transvestir a “mão invisível”. Tentarei me guiar pela fábula, afinal o que há de errado com as ideias dos pobres ratos? Bom, tentarei guiar meu discurso por três fatores (i) o quão exequível é a ideia? (ii) o quão relevante são as decisões tomadas em grupo? (iii) porque o famoso dilema entre o velho e o novo é um dos grandes empecilhos para as boas(e normalmente novas) ideias?

(i) Exequibilidade (não sei se essa palavra existe) de uma ideia

Vamos direto ao ponto caso você ainda não tenha percebido: ideias já viraram commodities. Ter ideias já não é mais um privilégio, qualquer pessoa, com qualquer background, pode ter uma ideia. E a ideia nasce frágil, vulnerável, e elas tem um grande inimigo: a execução! Para que a ideia venha, ela precisa se fortalecer, virar algo realmente à prova de balas.

O caminho para sobreviver: explorar, reunir experiência, conhecimento, e se possível, errar! Por isso, um jeito de pensar a execução de uma ideia é executá-la o quanto antes e supervisioná-la para que, a cada momento que ela persistir, maior a probabilidade dela continuar a existir e fortalecer (parecido com o conceito de Efeito Lindy, menciona em um artigo anterior)

Idéias simples permitem produtos enxutos, de rápida execução, de fácil iteração e ajuste de rota quase imediato, Darwin ficaria orgulhoso.

E aí invoco Scott Belsky, que tem uma visão interessante sobre o potencial devastador da execução. Imagine uma pequena equação onde as idéias podem ser qualificadas de 0 à 100 e são potencializadas pela sua execução. Uma idéia mediana bem executada se multiplica, porém uma idéia genial não executada tem o mesmo impacto de nunca ter existido. 50 vezes 1 é 50, mas 100 vezes 0 continua sendo 0.

Refletindo sobre ideia e execução: há empreendedorismo além do palco

(ii) Decisões tomadas em grupos

Um dos meios mais usuais para fortalecimento de ideias é fortalecê-las em sabatinas, absorver a experiência e desejo de cada uma das pessoas e se tornar mais representativa.

Fight 1: Individualismo nos dias atuais

Parece senso comum pensar nas ações colaborativas como a tendência do século XXI, o que está na moda é abraçar a sociedade e amar o próximo, “duas cabeças pensam melhor do que uma”, mas e se fazermos um contraponto.

Fight 2: A desilusão da sociedade/coletivismo

O coletivismo gera uma cultura única para qualquer comunidade / organização, e como qualquer cultura, as tendências do grupo são altamente influenciadas por seus líderes (vide artigo publicado abaixo), isto é, o comportamento coletivo é a representação da individualidade de alguns. Então, é possível garantir que as ideias definidas em grupo são melhores que as individuais, ou no fundo, se tratam das mesmas coisas?

(iii) O velho e o novo

Ok, tivemos uma ideia, a executamos e ela deu certo. E agora, o que depois? É hora de apresentar o conto que co-titula este post: O escudo da cidade (de Franz Kafka):

No início da construção da torre de Babel tudo estava razoavelmente em ordem, sim, talvez a ordem fosse até grande demais, pensava-se muito em tabuletas com direções, intérpretes, alojamento para os trabalhadores e caminhos de ligação, como se estivessem ainda por vir séculos e séculos para trabalhar à vontade.

De acordo com a opinião então reinante, nem sequer se podia trabalhar suficientemente devagar; não era preciso exagerar muito esta opinião para que logo surgisse também o medo de lançar as fundações. A argumentação era a seguinte: o essencial em toda essa empresa é a ideia de construir uma torre que chegue ao céu.

Comparado com essa ideia, tudo o mais é irrelevante. É uma ideia que, uma vez apreendida na sua grandeza, já não pode desaparecer; enquanto viverem os homens, viverá também o forte desejo de construir a torre até ao fim. Nesta perspectiva, assim, não há que ter preocupações pelo futuro, pelo contrário, o conhecimento é cada vez maior, a arte da construção fez progresso e continuará a progredir, um trabalho que agora leva um ano, daqui a um século será talvez concluído em seis meses, além disso, com maior qualidade e solidez.

Assim sendo, por que chegar já hoje ao limite das forças. Apenas teria sentido caso pudesse esperar concluir a torre no tempo de uma geração. Mas isso é impossível. Mais fácil seria pensar que a geração seguinte, com um conhecimento mais aperfeiçoado, achasse mal o trabalho da anterior e deitasse abaixo a construção para começar tudo de novo. Pensamentos como estes paralisavam as forças e, mais do que a construção da torre, a preocupação passou a ser a construção de uma cidade para os trabalhadores. Cada contingente nacional queria ter o bairro mais bonito, daqui resultavam escaramuças que logo passavam a lutas sangrentas. Estas lutas não tinham fim; os líderes tinham assim um novo argumento para que a torre, faltando a concentração necessária, fosse construída muito lentamente ou de preferência só depois de acordadas as tréguas.

Mas o tempo não era apenas passado em lutas, pelo meio também se alinhava a cidade, o que apenas fazia nascer novas invejas e novas lutas. Assim passou o tempo da primeira geração, mas nenhuma das seguintes foi diferente, só a perícia era cada vez maior e com ela a vontade de lutar.

Foi assim que logo na segunda ou terceira geração se reconheceu o absurdo de construir uma torre que chegasse até ao céu, mas nessa altura já todos se sentiam demasiados unidos entre si para abandonarem a cidade. Todas as lendas e canções que nasceram na cidade estão cheias de nostalgias pelo profetizado em que a cidade será esmagada por um punho gigante com cinco golpes secos um a seguir ao outro. É por esta razão que a cidade tem também o punho no seu escudo.

As gerações vão se tornando cada vez mais diferentes e aquilo que era excelente no passado, pode não ser mais agora

Mudança. Uma palavra tão simples que pode desencadear uma enxurrada de sentimentos misturados e muitas vezes opostos. Não é fácil mudar, exige vontade para despender energia extra para sair da inércia. Alguns fazem com mais facilidade, outros não.

Que possamos ouvir um Jazz clássico da década de 50 às 10h. Mas também um Pop Americano às 22h.

Quaisquer que seja a deliberação dos ratos, ela valerá para a próxima geração? Ou aqueles que vêm, com o ímpeto da juventude e aquele sentimento característico de revolução irá jogar tudo o que foi conquistado no lixo e construirá tudo de novo, do jeito dele, em uma eterna brincadeira de reinvenção da roda? De outra forma, os defensores dos “tempos antigos” (se é que dá para definir quando começa e quando termina esse período de tempo) acabam entrando em conflito com outros que não seguem os mesmos costumes de antes.

Los Hermanos e a passada de geração

E agora, esta preparado para ajudar La Fontaine a terminar sua fábula?

Se precisar de mais inspiração, há um programa no History Channel que apresenta casos em que pessoas conseguiu tirar do papel grandes ideias (por vezes o programa cai nos lugares comuns, insinuando que se você querer tudo é possível, mas no geral ele trata as realidades de uma forma bem direta):

No fundo, no fundo, o que nós queremos é que as ideias voltem a ser perigosas:

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Bruno Oliveira
Reflexões

Auditor, escritor, leitor e flanador. Mestrando em TI, tropecei na bolsa de valores. Acredito nas estrelas, não nos astros. Resenho pessoas e o tempo presente.