Para que vivemos?

Bruno Oliveira
Reflexões
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7 min readAug 5, 2019

O que menos sabe do mar é o peixe. Até porque, como vive quase que exclusivamente no mar, ele não sabe o que existe além. Definir o mar sem saber o que é o não-mar é uma tarefa difícil. Tal como os peixes, talvez sejamos o que menos sabemos sobre a vida. E isso nos traz um desconforto muito grande, discutimos com nós mesmos e com outras pessoas o que podemos e devemos fazer com nossas vidas, qual o nosso propósito, o que existe além dela?

Não é suficiente estarmos ocupados, assim estão as formigas. A questão é, com o que estamos ocupados? — Thoreau

A nossa resposta inicial é tentarmos nos ocupar o máximo possível. É o cara da cidade grande que classifica os outros pelo seu emprego (tipo as entrevistas na globo, que sempre apresentam uma pessoa como um engenheiro, médico, advogado, etc), é o cara do campo que se abraça em suas raízes sem saber o que existe além mar. Ocupar-se é a primeira opção, mas logo nos perguntamos sobre os propósitos. Saber como e o que vivemos já não é suficiente, somos curiosos para entender o “para que”.

O sentido da vida constitui um questionamento filosófico acerca do propósito e significado da existência humana. Ela demarca então a interpretação do relacionamento entre o ser humano e o seu mundo — Tiedemann

Boa parte das pessoas vai procurar as respostas em Deus e/ou na religião. Mas algumas pessoas acreditam que ele não existe, e para outros tantos, até acreditam que ele existe (ou isso é irrelevante, como para nós agnósticos) mas não entendem que seja possível encontrar nele as respostas — afinal, um ser humano entender Deus é como uma formiga que tenta ler Dostoiévski. Estas pessoas precisam buscar em outros lugares uma resposta para a pergunta de Thoreau.

42. — é a resposta que o supercomputador “Pensador Profundo”, no livro o Guia do Mochileiro das Galáxias, dá quando questionado sobre o sentido da vida — após processar a resposta por 7,5 milhões de anos. Provavelmente ele foi o que conseguiu a melhor resposta até agora.

Para quem não escolheu a religião, há outras linhas de pensamento, especialmente a de dois pensadores: Montaigne e Sartre (entre vários outros — ainda que o primeiro tenha viés religioso em suas concepções, as contribuições estritamente filosóficas são muito úteis).

Sartre — um olho na liberdade e outro na responsabilidade de cada indivíduo

Sartre pertence a linha de pensamento do existencialismo, vai da liberdade de cada um construir sua essência e aquilo pelo que vai trabalhar. Como ele mesmo diz: “a existência precede e governa a essência” [1]. O existencialismo também é um humanismo, e essa declaração escancara toda a liberdade e responsabilidade do homem, não existe essência pré-determinada. Sartre adiciona: “homem primeiramente existe, se descobre, surge no mundo; e que só depois se define. O homem, tal como o concebe o existencialista, se não é definível, porque primeiramente é nada. Só depois será, e será tal como a si próprio se fizer” [1]. Ou seja, a vida não possui um propósito único e pré-definido e cada um consegue definir individualmente o que provoca-o a acordar todas as manhãs.

Michel de Montaigne

Montaigne definia quatro passos principais para entendimento individual do sentido da vida [2]:

  • Autoconhecimento: como os portais do Oráculo de Delfos: conhece-te a ti mesmo. Montaigne dizia “ libertemo-nos de todos os laços que nos prendem aos outros, conquistemos de nós mesmos o poder de viver sós, em conhecimento de causa, e assim vivermos a nosso gosto”.
  • Solidão: é preciso dedicar-se aos próprios pensamentos e intenções, não só viver para outros. Mas sempre sem sucumbir ao ostracismo e ao tédio.
  • Prazer: parte dos motivos dos homens é a busca por prazer. Para Montaigne, viver uma vida moderada e procurar os prazeres pontualmente é uma forma ideal de vida (realizar os prazeres frequentemente faria-os deixarem de ser prazeres, e não os realizá-los seria evitar o caminho das virtudes).
  • Reflexão sobre a morte: o homem não pode deixar de encarar seus problemas, e por isso não pode se eximir da inevitabilidade da morte. Montaigne diz “ Não há nada de que me haja ocupado desde sempre como dos pensamentos sobre a morte, e até na época mais licenciosa de minha vida […] O que evidencia a tônica de que viver é construir a morte desde que se nasce.” Não existe propósito de vida, sem a consciência da morte.

O sentido da vida é que ela termina — Franz Kafka

As artes também carregam boa parte dos propósitos e sentimento de mundo das pessoas, e o filme Sociedade dos poetas mortos traz muito bem parte de como as artes — em especial a poesia — podem contribuir para o sentido da vida individual de cada um. Basicamente, o filme diz que palavras e ideias podem mudar o mundo. Estamos todos carregados de paixão. E essa paixão está presente nas poesias, nas belezas das coisas, nos romances e no amor, e são essas as coisas pelo qual vivemos.

A poderosa peça continua e você pode escrever seu verso. Qual seria o seu verso?

Mas afinal, quais são as formas de se viver? Bom, provavelmente são infinitas, mas vou destacar nesse texto três formas que me chamam a atenção (e que eu, particularmente, vivo um pouco de cada uma delas — especialmente a segunda):

1. La Vie en Rose — transformar realidade cinza em algo mágico (rosa)

Confesso que gosto muito mais da versão da Edith Piaf, mas a versão do Louis é bonitinha também e como meu francês não está bem treinado, vou colocar a versão dele aqui.

Tanto a história de Edith quanto a de Louis são carregadas de dor e sofrimento, mas mesmo assim carregam o fardo cantando alegremente, que apesar do horizonte cinza, existem coisas que nos fazem ver a vida em cor de rosa — como um beijo ou um abraço de alguém querido. E são essas coisas que colorem nossas vidas que nos são os nossos propósitos.

2. O astrônomo erudito — todos temos um WW dentro de nós

O poema do astrônomo erudito é um dos mais famosos do grande poeta Walt Whitman, e ficou bastante conhecido por ter sido declamado no seriado Breaking Bad (inclusive o personagem principal, Walter White, possui também as iniciais WW — que inclusive são usadas na trama, sem spoilers aqui):

Quando ouvi o astrônomo erudito,
Quando as provas, os números foram enfileirados diante de mim,
Quando me foram mostrados os mapas e diagramas a somar, dividir e medir,
Quando, sentado, ouvia o astrônomo muito aplaudido, na sala de conferências,
Senti-me logo inexplicavelmente cansado e enfermo,
Até que me levantei e saí, parecendo sem rumo
No ar úmido e místico da noite, e repetidas vezes
Olhei em perfeito silêncio para as estrelas.

Walt Whitman

Este tipo de vida é para aquele que buscou conhecimento e maior entendimento do mundo, porque acreditava que o conhecimento em si era o que lhe fazia acordar todo dia pela manhã. Entretanto, após conquistar aquilo que supostamente queria, é arrebatado pelos instrumentos da sociedade (no caso do astrônomo, vira professor da faculdade) mas no fim percebe que fez tudo aquilo porque gostava de estar em contato direto com o seu objeto de desejo. O conhecimento que te desvia da sua fonte de desejo não serve. Por isso o astrônomo de Whitman prefere observar a estrela por ele mesmo, de forma livre e espontânea, do que ver isso pelo relato de outras pessoas.

3. Vivendo a potência da vida (de Nietzsche a Jim Morrison)

Nietzsche defendia a ideia de vontade de poder ou de potencia. Em linhas gerais, devemos viver apesar do nosso instinto de sobrevivência, isto é, devemos viver para morrer, viver a vida intensamente como se cada dia fosse o último, para ser o que realmente precisamos ser e o que queremos (liberdade total). Apesar de Sócrates possuir ideias totalmente antagônicas com a de Nietzsche, provavelmente eles concordariam em uma coisa: na apologia de Sócrates, antes de sua condenação na Grécia antiga. O filósofo grego teve a oportunidade de se desculpar e voltar atrás em suas declarações, mas as permaneceu firme e preferia morrer com elas do que viver uma vida posterior de mediocridades.

Um exemplo desse estilo de vida é Jim Morrison. Jim frequentemente quebrava seus shows para recitar poesias, frequentemente apresentava as genitálias ao pública, vivia em Orgias, amigo de Andy Warhol e Janis Joplin, além de acreditar que suas canções iriam libertar e revolucionar o mundo.

Como podem reparar, há várias formas de se viver a vida (e muito mais), e não necessariamente os princípios morais e religiosos são a única saída para a vida ter sentido. A religião não é a única fonte de busca de propósito, é apenas mais um deles, e cabe a cada um definir qual o melhor para si. Como numa sociedade dos poetas mortos, a poesia e a beleza das coisas costumam ser boas diretrizes para aproveitar a vida, ela fazendo sentido ou não. No fim, queremos um propósito apenas para que todo o nosso sofrimento valha a pena. Viva então a poesia!

Caso você ainda não tenha um estilo de vida, um propósito, e se sente fora do controle da sua vida, o Tuyo tem um conselho para você

Recomendo, fortemente, que vejam o vídeo do canal Antídoto (um dos melhores do YouTube) que inspirou este artigo.

Se você gostou do meu artigo, por favor dê-me tantos aplausos quanto você puder! Isso me ajuda a identificar conteúdos que sejam realmente úteis e me incentiva a continuar a produzi-los no futuro, com o mesmo carinho e dedicação ❤️

Referências

[1] Jean Paul Sartre. “O Existencialismo é um Humanismo”. Há uma versão disponível AQUI

[2] Michel Montaigne. “Os Ensaios”. Há uma versão disponível AQUI

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Bruno Oliveira
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Auditor, escritor, leitor e flanador. Mestrando em TI, tropecei na bolsa de valores. Acredito nas estrelas, não nos astros. Resenho pessoas e o tempo presente.