Análise da proposta de valor dos novos modelos de negócio no mercado financeiro brasileiro

Bruno Oliveira
Educação, Finanças & Tecnologia
17 min readJul 27, 2018

O mercado financeiro está sempre em constante mudança, procurando sempre utilizar novas tecnologias, novos nichos de mercado e otimizando o custo/preço de seus serviços. Essa nova mudança da indústria financeira está possibilitando que novos entrantes, com modelos de negócios, produtos e uma nova proposta de valor, baseado na transformação digital. Surgem, portanto, as “fintech”. A proposta desse trabalho é apresentar uma visão de como está se estruturando esse novo mercado, quais são os fatores críticos de sucesso desses novos modelos de negócio, quais são as propostas de valor e qual é o valor que vem sendo percebido pelos consumidores finais, tal como os contrapontos em relação aos modelos mais tradicionais. Entrevistou-se “fintechs” e consumidores de serviços financeiros com objetivo de entender as duas perspectivas e quais são os fatores críticos de sucesso nesses novos modelos de interação.

Introdução

O mercado financeiro está sempre mudando, utilizando novas tecnologias, novos nichos de mercado e otimizando o custo/preço de seus serviços. Nesse cenário, nenhum termo é mais frequente nos cafés e salas de reuniões dos grandes bancos e financeiras do que as “fintechs”. Para os fins deste trabalho, utilizaremos a definição de John Schindler (2016): “fintechs” são uma inovação financeira tecnológica que pode resultar em novos modelos de negócio, aplicações, processos, produtos ou serviços com efeitos materiais nas instituições e mercados financeiros.

De acordo com estudo conduzido por Vasiljeva (et al, 2016) quanto as “fintechs” e os bancos tradicionais, a interação entre eles é considerada como uma variável dependente. Isto é, por mais que tenhamos a impressão que elas estejam surgindo para substituir as empresas tradicionais do setor, na visão do autor elas vão complementar e ajudar a evoluir determinados processos, implementar novos métodos e redesenhar serviços que já são prestados e evoluir o mercado como um todo.

Estudo da Deloitte (Deloitte, 2017) sobre tendências de 2017 no setor financeiro indica um novo modelo corporativo — a empresa cinética (categoria onde se encaixa as “fintechs” e outras empresas mais tradicionais que cada vez mais estão aderindo ao movimento) — descreve aquelas que estão desenvolvendo a destreza e a visão necessária não apenas para romper a inércia operacional, mas para prosperar em um ambiente de negócios que está, e continuará, em fluxo, e dá grande ênfase para a revolução tecnológica que há no setor. Outro estudo do MIT (Melkizedeck. 2017) diz que o grande diferencial das “fintechs” está caracterizado na habilidade de capturar o valor que é criado através de suas inovações. E isso pode ser visto em dois fatos: (i) proliferação de empresas do “supply side” que tem levado ao aumento da competição horizontal; e (ii) aos gargalos da demanda, que se manifesta na tendência em que os clientes utilizam apenas um número limitado de fornecedores para satisfazer suas necessidades financeiras.

De acordo com Fenner (2016) as instituições financeiras estão observando esse movimento e buscando se modernizar. Porém, mudar a cultura de gigantes é caro e demorado, e as “fintechs” cumprem um papel importante nas duas pontas desta relação — elas estão levando oxigênio aos bancos e ainda criando consumidores mais exigentes. De acordo com Melkizedeck (2017) investimentos de venture capital em “fintechs” totalizaram U$13,6 bilhões ao longo de 840 financiamentos em 2016–7% maior que em 2015. No Brasil, de acordo com o Radar FintechLab (2017) houve um crescimento de 36% no número de “fintechs” no país desde 2016. Os números podem ser considerados modestos em relação a dos modelos de grandes bancos mais tradicionais, mas mostra tanto um movimento crescente na adoção desses novos modelos, quanto certo receio nos investidores e consumidores em utilizar esses novos serviços.

Conforme levantamento da FintechLab (2017) o que deverá acontecer nos próximos 2 anos é que (i) organização institucional das “fintechs” brasileiras — as “fintechs” unirão forças e se tornarão um movimento cada vez mais organizado de forma que se posicionem melhor e promovam mudanças mais estruturais no setor, que por conseguinte atrairá atenção dos órgãos reguladores e poderão ter maior voz ativa para discutir assuntos primordiais; (ii) internacionalização de iniciativas e aumento de investimento externo — cada vez mais “fintechs” brasileiras irão para mercados estrangeiros (como foi o caso do IPO da PagSeguro na NYSE), e vice-versa, além da entrada de grandes investidores internacionais; (iii) movimento mais agressivo dos bancos — os bancos deixarão de ficar à margem desse movimento de “fintechs” e passarão a serem também grandes desenvolvedores de solução e promotores de parcerias e/ou aquisições das iniciativas que já existem — como é o caso do surgimento das iniciativas Cubo (Itaú) e inovaBra (Bradesco); (iv) movimentação de grandes empresas de tecnologia — cada canal e plataforma desenvolvida pelas grandes empresas de tecnologia (Apple, Samsung, Google…) passa a ser uma nova oportunidade de integração com os serviços financeiros, com especial atenção para as empresas de telecomunicações que são e continuarão sendo parte essencial dos serviços financeiros prestados pelas “fintechs”; (v) um grande case de blockchain — apesar de já termos um grande case de “blockchain” (“bitcoin”) a expectativa é de que surja novas iniciativas, e que vários dos processos que já são realizados hoje de outras formas de maneira consolidada, possa ser transportados integralmente para este novo modelo com grande ganho de eficiência e produtividade.

O objetivo deste trabalho é analisar sobre a perspectiva das próprias “fintechs” e dos consumidores o modelo de negócio dessas empresas e entrega de valor que as ajudam a se diferenciar e, principalmente, complementar as empresas tradicionais do mercado financeiro a desenvolverem cada vez mais o mercado financeiro.

Metodologia

Para análise das características destes novos modelos de negócio, este trabalho focou seu estudo em duas perspectivas: (i) a visão da própria fintech — de modo a entender qual é a proposta de valor que é apresentada aos clientes e quais os aspectos mais críticos de suas estruturas; e (ii) a visão do consumidor final — de modo a entender qual é o valor percebido pelos clientes e como estes estão sentindo as mudanças na forma de prestação de serviços financeiros.

O objetivo é confrontar as visões das “fintechs” (em relação aos aspectos mais importantes de seus modelos de negócio, o que pretendem para o futuro e os principais desafios) com as visões dos consumidores finais (quanto as experiências que já tiveram, quais são os valores percebidos das “fintechs” que utiliza e como avalia o atendimento/relacionamento). A metodologia a ser utilizada, de forma a alcançar o objetivo proposto, foi elaborada a partir dos seguintes itens:

· Para entender a visão das “fintechs”, primeiro foram selecionadas uma pequena amostra de “fintechs” de forma que pudessem abranger alguns dos diferentes tipos de empresas de acordo com Vailijeva (et al, 2016). Os principais pontos analisados desta visão foram analisados de acordo com framework elaborado em parceria entre Deloitte e Fórum Econômico Mundial (2015);

· Para entender a visão dos consumidores de serviços financeiros, foi selecionada uma pequena amostra demograficamente similar a outras anteriores realizadas (Cantarino Brasileiro[1]) e as questões foram baseadas tanto no trabalho de Vailijeva (et al, 2016) quanto no de Fenner (2016);

· O confronto entre essas visões ocorreu, principalmente, em termos de valor proposto pelas “fintechs” e o valor percebido pelos consumidores. Neste caso, utilizou-se os valores estipulados por Vailijeva (et al, 2016) e qual a prioridade que cada um dava para eles.

Perspectiva da “fintech”

Para coletar informações em relação a visão das próprias “fintechs”, primeiro utilizou-se a classificação de Vailijeva (et al, 2016) que classifica estas em três principais grupos e para cada um deles selecionou-se as seguintes empresas:

· “fintech” orientadas a dados: foco em soluções e tecnologias dedicadas a coletar, processar e analisar informações. Para este tipo de empresa, selecionou-se na amostra uma startup paulistana que trabalha com pagamentos/comércio eletrônico (doravante chamada empresa A), especificamente no combate à fraude e verificação de consumidores, utilizando fontes diversas de consulta de informações (bureaus e fontes de dados não-estruturados como as redes sociais) e novas propostas de análise comportamentais dos clientes.

· “fintech” orientada a processos: foco em otimizar ou modificar modelos operacionais de instituições financeiras, orientadas a redução de custos, melhoria da eficiência de processos e automação de processos. Para este tipo de empresa, selecionou-se na amostra uma empresa de meios de pagamentos (doravante chamada empresa B), com sede no Rio Grande do Sul, que pretende prestar serviços desde o vendedor, interligando as instituições financeiras intermediárias, até o consumidor final.

· “fintech” orientada a serviço: foco em desenvolvimento de tecnologias relacionadas a serviços que já são fornecidos por instituições financeiras tradicionais (mas com algum aspecto diferente/inovador). Para esse tipo de empresa, selecionou-se na amostra uma empresa que fornece suporte a uma plataforma de compra, venda e aluguéis de carro da cidade de Florianópolis/SC (doravante chamada empresa C), além de conectar as concessionárias e outros vendedores aos seus clientes, ainda fornece opções de pagamento facilitadas para ambas as partes.

As informações foram coletadas conforme framework do estudo desenvolvido pela empresa Deloitte, em conjunto com o Fórum Econômico Mundial (2015) — chamado “The future of financial services”. Basicamente, o estudo elenca seis importantes tópicos que são comuns aos diferentes tipos de empresas e funções com alto potencial de disrupções na indústria financeira:

· Simplificação da infraestrutura: utilização de novas formas de agregar e analisar informação, melhorar conectividade e reduzir custos marginais de acesso a informação e participação nas atividades financeiras;

· Automação de atividades de alto valor agregado: utilização de algoritmos especiais e/ou poder computacional para automatizar procedimentos que anteriormente era altamente manual, permitindo oferecer produtos e serviços cada mais baratos, rápidos e/ou diversificados;

· Redução da intermediação: utilização de inovações para diminuir e/ou eliminar a quantidade de instituições intermediárias nas transações financeiras, de forma a prover maior velocidade, preços mais justos e/ou maior retorno (financeiro ou não) aos clientes;

· Papel estratégico dos dados: utilização de novas tecnologias que possibilitam acessar e produzir novos conjuntos de dados, tal como dados de mídias sociais, possibilitando novos meios de entender os clientes e mercados;

· Nichos e produtos especializados: alta especialização para criar produtos e serviços altamente direcionados, criando mercados, aumentando a competição em mercados anteriormente monopolizados e/ou criando pressão para que modelos tradicionais se desagreguem (unbundle);

· Empoderamento dos clientes: utilização de inovações para dar aos clientes acessos a ativos e serviços que anteriormente eram mais restritos, maior visibilidade nos produtos e/ou controle sobre suas escolhas, tal como ferramentas para que os clientes se tornem também produtores (prosumers)

Vailijeva (et al, 2016) indica em seu estudo os principais focos de valor que uma “fintech” pode propor aos seus clientes: sensação de segurança, velocidade, disponibilidade do serviço, preço e qualidade. O questionário abordará o quão presente está cada um desses itens em sua proposta de valor. Além dos tópicos supracitados, o Fórum Econômico Mundial (2015) relaciona três desafios relacionados às disrupções na indústria financeira: (i) incerteza e percepções regulatórias; (ii) o conflito entre a eficácia dos modelos centralizados tradicionais frente a aparente eficiência dos novos modelos descentralizados e desintermediados; e (iii) criação de novos modelos de confiança e o gerenciamento de identidades em meio digital.

Essa visão de tópicos, focos e desafios licitados pelo Fórum foi utilizado como base para a construção de questionário (vide Apêndice I) utilizado em entrevistas com representantes de cada uma das empresas da amostra.

Perspectiva do consumidor final

O segundo ponto importante deste estudo é quanto o consumidor consegue perceber as mudanças que acontecem no mercado financeiro e qual o valor que é entregue por essas novas empresas. Para isso, foi aplicado um questionário online a alguns dos consumidores e potenciais clientes de serviços/produtos de “fintechs” brasileiras, com os seguintes propósitos:

· Questionar sobre a familiaridade das pessoas com as “fintechs”;

· Questionar sobre as experiências que teve com instituições financeiras mais tradicionais e com as “fintechs” com que teve contato (em termos de segurança, velocidade, disponibilidade do serviço, preço e qualidade — Vailijeva et al, 2016);

· Questionar sobre o que é mais valorizado por eles (segurança, velocidade, disponibilidade do serviço, preço e qualidade) em termos de prestação de serviços financeiros;

· Questionar sobre como é o relacionamento delas com suas instituições financeiras (tradicionais ou “fintechs”), em termos de atendimento robotizado, burocracia, solução de problemas/reclamações, transparência, velocidade de atendimento e canais utilizados (Fenner, 2016).

Esses questionamentos serviram como base para a construção do questionário (vide Apêndice II) aplicados aos consumidores de serviços financeiros. O perfil demográfico da amostra selecionada é o seguinte: predominante jovem (85% entre 21 e 30 anos), masculino (65% dos entrevistados), residente na cidade de São Paulo (75% dos entrevistados) e pós-graduado (45%). O perfil demográfico é relativamente parecido com a pesquisa realizada pela empresa de marketing Cantarino Brasileiro em 2016, que apresentou os clientes das “fintechs” como sendo jovens (38% entre 16 e 34 anos), de São Paulo (54% dos entrevistados) e de relativa alta renda (37% nas classes B e C — nesse caso, ao invés de utilizar um critério socioeconômico, deu-se prioridade para pessoas com maior nível de formação).

Resultados e Discussão

As análises apresentadas foram coletadas a partir das respostas de questionários aplicados a 3 “fintechs” (Empresa A — trabalha com análise de dados em fraudes em e-commerce e meios de pagamento, em São Paulo; Empresa B — empresa de meios de pagamento, no Rio Grande do Sul; Empresa C — plataforma de compra, venda e aluguel de carros em Santa Catarina) e 20 pessoas, com diferentes experiências em relação ao uso de serviços financeiros.

Para tratamento das respostas, utilizou-se dois conceitos diferentes: (i) para respostas mais objetivas, utilizou-se uma escala de cinco pontos do tipo Likert para verificar o grau de aderência dos entrevistados aos frameworks abordados; (ii) para questões mais subjetivas, utilizou-se questões abertas, com liberdade ao entrevistado de inserir qualquer tipo de resposta, com o intuito de extrair um melhor posicionamento do entrevistado sobre o referido assunto. As perguntas foram aplicadas na plataforma Google Forms, e as respostas foram posteriormente exportadas e trabalhadas em planilhas do Microsoft Excel.

Perspectiva da “fintech”

Quanto ao perfil das empresas, em relação aos seis critérios baseados no framework da Deloitte e Fórum Econômico Mundial (2015), e a algumas das iniciativas mencionadas pelos entrevistados. É possível verificar que o foco das empresas é relativamente similar em alguns pontos (simplificação da infraestrutura, automação de atividades, papel estratégico dos dados e empoderamento dos clientes), em compensação para o aspecto de redução de intermediação e de nichos de mercado, apresentam posicionamento bem diferentes. Destaca-se o fato de que a maior prioridade das duas empresas é o papel estratégico dos dados, o que pode indicar uma tendência do mercado, e principalmente entre as “fintechs”, de tornar os dados cada vez mais essencial e parte do modelo de negócios. O resumo das respostas pode ser identificado na Tabela 1, onde consta a prioridade que cada uma das empresas dá para os critérios (utilizando a escala Likert) e cada um dos entrevistados contextualizou o item com plano de ações para o futuro e/ou ações que já são realizadas.

[1] Pesquisa sobre a percepção que os consumidores de serviços financeiros têm sobre o mercado de fintechs. Resumo disponível em https://www.itforum365.com.br/startups/pesquisa-revela-perfil-e-preferencias-dos-clientes-de-fintechs/

Quando questionados sobre qual a maior demanda (isto é, o que os clientes mais exigem da empresa atualmente), houve unanimidade em apontar a sensação de segurança e confiança em realizar transações financeiras como a maior demanda dos clientes. Além desta, foram apontados também como demandas secundárias a velocidade no atendimento e na prestação de serviços (Empresa A e C) e disponibilidade do serviço (Empresa B). Quando questionados sobre a menor das demandas atuais, houve unanimidade em apontar a questão do preço mais competitivo.

Em relação aos desafios descritos pelo Fórum Econômico Mundial (2015), as empresas entrevistadas entendem o seguinte: (i) quanto as incertezas e percepções regulatórias, ambas as empresas realizam acompanhamento e relacionamento dos órgãos reguladores, com crescente investimento em áreas de Compliance e Segurança da Informação; (ii) quanto as diferenças/conflitos entre a eficácia dos modelos centralizados tradicionais e a eficiência dos modelos descentralizados e desintermediados, ambas as empresas se consideram dinâmicas e estão sempre se adaptando aos novos modelos, com o objetivo de simplificar cada vez mais a cadeia de produção, independente do modelo que será adotado, sempre se aproximando mais dos clientes e do mercado; (iii) quanto a criação de modelos de confiança e o gerenciamento de identidades em meio digital, foi mencionado a participação em fóruns de competência para entender e trazer novas ideias para o assunto, inclusive foi mencionado pelo empresa B que já há investimento em startups especializadas no assunto para ajudar na questão, ou como a empresa C que possui investimento em segurança digital, melhoria de produtos, entre outros, focando no branding de empresa segura. Adicionalmente, foi mencionado que outro grande desafio para a empresa A é crescer sem burocratização.

Perspectiva do consumidor final

Quanto a familiaridade dos consumidores de serviços financeiros, de acordo com os dados coletados, verificamos que 55% deles já utiliza algum serviço provido por uma “fintech” — sendo que, (i) dentre estes, todos utilizam serviços da Nubank — são também mencionados Mercado Bitcoin, Mercado Pago, Stone, Digio, Sofisa, Banco Inter, Guia de Bolso; (ii) dentre estes, 75% classificam as experiências com “fintech” como sendo ótimas ou muito boas; (iii) dentre os 45% que não utilizam os serviços das “fintechs”, a maioria (55%) informa que está satisfeito com os serviços financeiros de outras instituições e/ou não possui necessidade dos serviços de uma fintech, e a outra parte informa que não conhece e/ou nunca viu nenhum serviço oferecido por essas empresas. Em resumo, os entrevistados se classificam como consumidor de serviços das “fintechs” (55%), não é usuário e não pretende utilizar (25%), potencial cliente (15%) e entusiasta sobre o assunto (5%) — conforme apresentado na Figura 1.

Figura 1. Perfil dos entrevistados. Fonte: Resultados originais da pesquisa

Quando questionados sobre as diferenças entre os serviços das instituições financeiras tradicionais e as “fintechs”, de forma qualitativa e subjetiva (baseado nos comentários abertos feito pelos entrevistados), verificou-se que em 35% dos casos, opta-se pelas novas empresas pois são menos burocráticas e os serviços são mais práticos e acessíveis, ainda que para 25% dos entrevistados a diferença não seja tão significativa já que para alguns as instituição tradicionais já são digitais o suficiente para as necessidades e, para produtos mais complexos, como operação com derivativos, os serviços tradicionais ainda são necessários, e por isso os dois modelos ainda podem coexistir. De uma forma quantitativa e objetiva, em um comparativo entre os critérios estipulados por Vailijeva (et al, 2016), a relação de vantagem entre os dois tipos de empresas é a de que os consumidores preferem as “fintechs” pelos seus preços mais competitivos e pela sua velocidade em atender as demandas, mas por outro lado as pessoas percebem maior nas empresas tradicionais quando o assunto é disponibilidade de serviços, qualidade e segurança para realização das transações. O percentual de priorização dos entrevistados pode ser visualizado na Figura 2.

Figura 2 — Comparação das preferências dos consumidores entre os modelos. Fonte: Resultados originais da pesquisa

Quando questionados sobre a prioridade que é dada para cada um desses itens, os entrevistados informaram que os itens mais prioritários são os preços (80% com 4 e 5 na escala Likert), a velocidade (75%) e segurança (70%). Dessa forma, ainda que os consumidores não achem as “fintechs” mais vantajosas em termos de disponibilidade e qualidade, esses não são os valores mais apreciados da lista. É possível verificar que, em termos de valor percebido, os clientes estão tendo suas necessidades prioritárias atendidas pelas novas empresas, entretanto, se estas quiserem disputar o mercado das empresas mais tradicionais, o próximo passo é tornar-se cada vez confiável e segura aos olhos dos clientes (o que será um grande desafio já que este é o critério mais desfavorável em comparação com empresas mais tradicionais). A tabela 2 contém a compilação do percentual de entrevistados que optaram por cada um dos valores da escala Likert para cada uma das questões.

Em relação a comunicação com os clientes, os entrevistados entendem que o relacionamento proposto pelas “fintechs” é superior (média 3,55) em relação as instituições financeiras tradicionais (média 2,45) — e isso pode ser visualizado graficamente na Figura 3. Quando questionados sobre quais as principais diferenças entre as formas de relacionamento, os principais motivos informados foram: (i) soluções de problemas em tempo hábil (50% dos entrevistados); (ii) transações em poucas etapas e sem burocracia (45%); (iii) diversidade e eficiência dos canais utilizados para relacionamento (40%); e (iv) tratamento eficiente de reclamações (35%).

Figura 3 — Avaliação do atendimento ao cliente — peso 1 a 5. Fonte: Resultados originais da pesquisa

Conclusão

Este trabalho permitiu a identificação de alguns dos principais pontos observados a partir da perspectiva de uma pequena amostra de “fintechs”, da perspectiva dos clientes, dos principais fatores críticos de sucesso envolvidos na relação entre esse novo modelo de negócio e como a proposta de valor dessas empresas são relevantes para o mercado, principalmente em relação aos modelos mais tradicionais.

Em relação a perspectiva da amostra de “fintechs”, foi possível verificar o quanto se pensa os dados como um ativo estratégico e determinante para o sucesso das companhias, especialmente acompanhada da utilização de técnicas de machine learning, data analytics, e até a contratação de outras startups para realização desses processos. Em relação a perspectiva dos clientes, conclui-se que a relação que estes possuem com suas empresas financeiras é superior aos que eles têm com empresas mais tradicionais. O nível de atendimento, comunicação, canais de relacionamento, são considerados melhores e mais atuantes do que o das instituições mais antigas — e, principalmente, os clientes percebem que as “fintechs” resolvem melhor (e mais rapidamente) os possíveis problemas que possam acontecer com o serviço. Além do mais, quanto a prestação de serviços financeiros, eles levam em maior consideração os fatores de preço e velocidade, ainda que a questão de segurança e confiança no uso da plataforma/serviço seja igualmente relevante.

Se compararmos com a visão que as “fintechs” apresentaram sobre a demanda de seus clientes, é possível verificar uma relação com a visão dos clientes. Conforme mencionado anteriormente, as empresas entrevistadas entendem que a maior demanda atual de seus clientes é justamente a questão da segurança/confiança em utilizar as plataformas e realizar transações, já que esse indica ser o fiel da balança da escolha entre realizar um serviço totalmente em uma instituição financeira tradicional e começar a utilizar “fintech” na cadeia de produção. As empresas entrevistadas também mencionam o preço competitivo como o item de menor demanda dos clientes, e isso deve-se ao fato de que esse fator já está tão endereçado no modelo de negócios dessas “fintechs”, que já deixou de ser uma exigência de seus clientes. Estes são, portanto, os principais fatores críticos de sucesso na prestação de serviços para o mercado financeiro. Em comparação nas propostas de valores entre as “fintechs” e as empresas tradicionais, especialmente em relação a perspectiva dos clientes, é possível verificar que as “fintechs” atingem as principais demandas dos clientes, embora ainda haja especial atenção ao fato de que os consumidores ainda não conseguem verificar nas “fintechs” grande solidez, segurança e confiança para fazer transações, embora, em relação ao que foi respondido pelas empresas, seja algo que já está sendo endereçado, e muito provavelmente esse será a última fronteira para que as “fintechs” possam adquirir maior fatia do mercado e tornarem-se cada vez mais populares.

Por fim, conforme levantado por diversos autores nesse estudo, foi possível verificar que o surgimento das “fintechs” não indica o fim das empresas tradicionais, mas uma elevação de maturidade de todo o mercado, e possibilidades de parcerias e complementação dos serviços prestados (especialmente pensando em garantir aos clientes, toda a segurança e confiança necessária). E este é talvez o grande contraponto que deve ser feito ao se considerar um grande investimento nas “fintechs”, ainda que sejam a novidade da vez do mercado financeiro, tanto para os investidores quanto para os futuros consumidores, é necessário que estes modelos sejam cada vez mais testados e atinjam maturidades cada vez maiores, com controle suficientes, para garantir um nível mínimo de confiança.

Referências

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Fintech Lab. 2017. Mapeamento do ecossistema de fintech brasileiras e reports. Disponível em: www.fintechlab.com.br/. Acesso em: 12/072018.

Okudo, M. 2017. Scaling consumer fintech ventures: How firms seek to extend their initial technology advantage and capture value over time. MIT Sloan School of Management. Disponível em: https://dspace.mit.edu/handle/1721.1/111447. Acesso em: 12/072018.

Schindler, J. 2016. Fintech and Financial Innovation: Drivers and Depth. XI annual seminar on risk, financial stability and banking. Disponível em: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3029731. Acesso em: 12/072018.

Tohmatsu, D.T. 2017. Tech Trends — The kinectic enterprise. Disponível em https://www2.deloitte.com/content/dam/Deloitte/global/Documents/Technology/gx-tech-trends-the-kinetic-enterprise.pdf. Acesso em: 12/072018.

Vasiljeva, T.; Lukanova, K. 2016. Commercial banks and fintech companies in the digital transformation: challenges for the future. Journal of Business Management 11: 25–33. Disponível em https://www.riseba.lv/sites/default/files/inline-files/JBM_09.02_2016_11.pdf. Acesso em: 12/072018.

World Economic Forum. 2015. The future of financial services. Disponível em: http://www3.weforum.org/docs/WEF_The_future__of_financial_services.pdf. Acesso em: 12/072018.

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Bruno Oliveira
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Auditor, escritor, leitor e flanador. Mestrando em TI, tropecei na bolsa de valores. Acredito nas estrelas, não nos astros. Resenho pessoas e o tempo presente.