Miscelâneas de percepções sobre o mercado de trabalho e a geração Y

Bruno Oliveira
8 min readOct 12, 2016

--

Uma das grandes vantagens de trabalhar em empresas dinâmicas onde há mudanças constantes do local de trabalho, de acordo com o cliente/participante que está sendo atendido, com certeza é o conhecimento que é adquirido do mercado como um todo, principalmente para alguém que esta começando a carreira, que é o meu caso e o de várias outras pessoas que pertencem a chamada Geração Y (ou Millennials). Em relação a esta perspectiva, algo me chama muita atenção: os diferentes esforços que algumas empresas fazem para atrair, reter e desenvolver essa nova força de trabalho, e vou tentar fazer uma miscelânea de pensamentos que eu tive sobre essa nova realidade.

CHOQUE DE GERAÇÕES

As diferenças de pensamentos entre a nova e velha geração não é uma novidade, na história todas as gerações foram criticadas pelas antecessoras, isso (indisposição a mudar) é algo latente no ser humano. Entretanto, particularmente, eu tenho uma visão um pouco diferente. Acredito que o que ocorre é uma admiração velada das gerações anteriores sobre os millennials pois estes conseguem fazer coisas, principalmente em relação as tecnologias, que não são capazes. Mais do que isso, a geração Y é tachada de precoce, de realizar coisas que outras gerações demoraram uma vida para alcançar, de quebrar paradigmas e serem capazes de explorar cada vez mais o individualismo. Sob a ótica corporativa isso apenas gera uma expectativa muito grande, como se cada jovem que mal acabou de sair da faculdade fosse um novo Mark Zuckerberg e viriam para suas empresas cheios de novas ideias capazes de revolucionar ou impactar (essa é a palavra da vez!) o mundo. E é aí que começa o erro.

GUERRA GLOBAL DE TALENTOS — O DESAFIO DE ATRAIR JOVENS

Na busca dessas novas “mentes empreendedoras” e “criadores de impacto”, as grandes empresas travam uma grande guerra que é travada nas grandes feiras de recrutamento (como a Talento, na Unicamp), em palestras nas Semanas Acadêmicas, em posts patrocinados na mídia especializada, nas campanhas publicitárias e processos seletivos complexos, nas redes, sinuca (leia mais AQUI) e mesas de pebolim (ou totó, dependendo da sua região) que são instaladas nos escritórios, tudo passa a ser pensado para tentar tornar aquela empresa mais atraente para os novos profissionais. Nunca as empresas investiram tanto para se tornar tão atraente, e se Maomé não vai até a montanha, então a montanha vai até Maomé.

Percebo que a grande estratégia é mostrar que aquela empresa não é apenas um lugar que você irá para gastar 08 horas do seu dia, mas que vai participar ativamente da sua vida. O mote agora é “contribuir com a comunidade”, aos jovens é incubida a tarefa de abraçar uma causa, de fazer algo que não se resume a apenas ganhar dinheiro e trabalhar como um camelo (numa eterna fuga dos rótulos de mercenário e escravo), o capital social passa a ser algo importante para as empresas que travam esta guerra, e a peça do terceiro setor entra no jogo, passa a ser comum algumas empresas patrocinarem esportes, associações profissionalizantes, realizarem projetos assistenciais de cunho sócio-ambiental, entre outros. O importante para a empresa é mostrar que ali as pessoas podem fazer a diferença.

RETENÇÃO DE TALENTOS — TRABALHO x DIVERSÃO

UMA NAÇÃO QUE NÃO TEM NADA ALÉM DE SEUS DIVERTIMENTOS NÃO SE DIVERTIRÁ POR MUITO TEMPO — G. K. CHESTERTON

O problema mais crônico que eu observei foi que, apesar de todo esse marketing para atrair jovens, as empresas não são aquela narrativa. Empresas que se dizem “digitais” ainda são extremamente burocráticas e engessadas. Quando o jovem entra na organização com aquele “brilho nos olhos”, eles sentem o golpe da realidade e o sentimento que resta é o de frustração.

E o mais incrível disso tudo, é que boa parte das empresas apostam no famigerado job rotation como “trunfo” para reter esses profissionais. Têm-se a crença de que a falta de rotina é a melhor forma de acabar a monotonia, cria-se a esperança de que pode estar ruim agora mas daqui a pouco vai melhorar, esse projeto é trabalhoso mas logo vão te reconhecer e colocar num projeto igual a da propaganda do processo seletivo, sempre colocam essas desapontamentos na conta da “Carreira”, que aquilo é necessário para se alcançar um nível maior. O que a empresa não espera e que o job rotation não faz milagres e que se a empresa é culturalmente ruim para aquele profissional, as trocas frequentes de projeto/área só criam uma desmotivação constante.

O job rotation e o “fazer carreira na empresa” são combinações perigosas para empresas que ainda não sabem lidar com essa nova geração. Conversando com ex-colegas de trabalho e com alguns clientes, principalmente aqueles que apresentam maior desmotivação, sinto que boa parte desse descontentamento resulta do fato de que se eu já passei por boa parte das áreas da empresa, já comi o pão que o diabo amassou, consegui entregar as metas impossíveis do meu chefe, porque eu não sou promovido? É claro que cedo ou tarde essas pessoas irão para outro emprego que possivelmente apresentará os mesmos problemas, e essa troca de emprego se tornará algo muito comum na vida deste profissional e de vários outros da geração Y.

A geração de hoje se deixa enganar pela falsa sensação de divertimento, que nunca tem fim. Transformaram o ambiente de trabalho em um circo, para que você ouça: “Ei, mas aqui é divertido! Dane-se se não te pagamos horas-extra ou se te colocamos para trabalhar por toda a madrugada em troca de pizza. Aqui você pode trabalhar com boné!”.

A guerra global de talentos gera a sensação de que ter várias empresas no currículo é um sinônimo de grande competência, ser desejado pelas empresas faz com que os jovens procurem se formar cada vez melhor ainda no ensino médio e faculdade. Durante a minha vida universitária vi pessoas realizando esforços hercúleos para ter currículos invejáveis, com intercâmbios, inglês fluentes, diversos cursos e certificações, atividades extra-curriculares, mas sem um mísero ano de experiência de trabalho ou soft skills necessárias, acabam perdendo boa parte do tempo em coisas que não ajudaram em nada seu futuro profissional. Falta a geração Y maiores conselhos sobre como realmente trilhar uma carreira consistente. Será que ficar muito tempo numa mesma empresa é ruim? Se eu não sei falar inglês, eu não sirvo para nada?

Se a empresa não investe em pessoas, não proporciona perspectivas verdadeiras de carreira e futuro profissional, e trata seus colaboradores com impessoalidade e frieza, com certeza vai amargar o crescimento de seus indicadores de turn over. Acredito que as gerações devem se ajudar, e percebo que algumas empresas já apostam no mentoring e coaching para ajudar seus jovens profissionais a alcançarem melhores resultados e usarem todo o seu potencial, nós precisamos ter mais espaços para criar, errar e ter alguém para nos direcionar através de feedbacks constantes e sem bloqueios de criatividade.

MULHERES NO MERCADO DE TRABALHO

Se tem algo que eu realmente constatei nesses poucos anos de experiência é que, se todos os pontos que eu mencionei anteriormente tornam a entrada e permanência no mercado de trabalho difícil e complexa para o jovem da geração Y, para as mulheres esse cenário é ainda pior.

Apesar de citar Simone de Beauvoir, o intuito deste tópico não é fazer uso do feminismo. E não faço isso porque quero, na época de faculdade até gostaria de participar dos debates sobre o assunto, mas bastava uma opinião que fosse um pouco diferente da dominante no movimento que logo me diziam que por ser homem, e cheio de “privilégios”, eu não tinha direito nenhum a opinar, e que deveria abaixar a cabeça e apenas aceitar, então me afastei das discussões do movimento. Por esse motivo (que é útil para ilustrar parte do desafio de diminuir as diferenças), usarei apenas o termo equidade de gêneros.

Preciso deixar algo registrado: todas as empresas grandes que trabalhei e visitei tinham consciência da importância das mulheres dentro de suas organizações. Mas isso é mais do que o bom coração dos executivos destas empresas, esse é um assunto que já foi debatido inúmeras vezes há vários anos no Fórum Econômico Mundial e diversos outros ambientes de discussão, nesse ambiente de Guerra Global de Talentos, deixar as mulheres de fora dos principais cargos das empresas é uma perda de capital intelectual muito grande, o que com certeza impede o avanço da economia em diversos países. Para as empresas, ter mulheres na liderança é sinônimo de aumento de produtividade, faturamento e lucro.

As áreas de Recursos Humanos, Comitês e outros grupos dentro das empresas até possuem diversas iniciativas que tentam diminuir essa diferença brutal entre homens e mulheres, e alguns até conseguem resultados expressivos. Mas acho que o grande problema é que a grande maioria não consegue identificar claramente quais são os obstáculos que impedem as mulheres de ascenderem dentro das empresas, é comum que os sintomas dos problemas sejam interpretados de modo equivocado, e por isso as soluções não surtem efeitos.

O próprio fórum diz que atualmente 92% dos presidentes e vice-presidentes das grandes empresas ainda são homens, e que apesar do aumento da participação feminina nos últimos anos, a previsão é de que, nesse ritmo, apenas em 2095 poderemos ter de fato um ambiente corporativo baseado na equidade dos gêneros. E esses números mostram um aspecto importante: se quisermos diminuir esse tempo, o nosso público alvo tem que ser justamente essas pessoas que possuem maior poder de influência, isto é, os homens!

Pessoalmente, eu acredito que não se pode discutir a equidade de gêneros sem incluir os homens. É importante que estes participem até para trabalhar melhor a empatia entre os gêneros e uma inclusão plena. O ponto inicial para se discutir a inclusão da mulher nos cargos de liderança parte por mudanças na cultura da empresa, é importante ter trabalhos de sensibilização do corpo executivo (e da empresa como um todo) para demonstrar a importância dessa inclusão e, principalmente, alterar pequenos atos que fazem toda a diferença (como lidar com a gestação da mulher e a forma de recebê-la de volta). Escolher entre cuidar da casa/família e trilhar uma carreira não precisa ser um trade-off, e muito menos é exclusivo para mulheres.

O QUE ESPERAR PARA O FUTURO?

Até 2025, espera-se que 75% do mercado de trabalho mundial será formada por profissionais que pertençam a geração Y, por isso há preocupação do RH em adaptar-se ao universo dessa nova geração, de acordo com novo relatório da Deloitte obre as tendências da área para 2016–2017.

Preciso fazer um último adendo: se a chegada da geração Y ao mercado de trabalho causou grande alvoroço e mudança na cultura das empresas, preparem-se para a chegada da geração Z!

A conclusão de tudo isso: Devemos mudar e aprender a gostar disso!
“Nothing ever stays the same. Once you let it, let it change!”

Revisão Bibliográfica (leituras que inspiraram esse artigo):

TANURE, Betania; EVANS, Paul. “A importância do RH”. Artigo publicado em 11/2006 na revista GV Executivo.
EDELMAN. “Geração Y gahou poder de influência”. Artigo publicado em 08/12/2012 neste link.
EXAME. “Onde as empresas erram na hora de lidar com a geração Y”. São Paulo, SP. Artigo publicado em 07/02/2014 neste endereço.
CARVALHO, Ícaro. “O que diabos acontece com a GERAÇÃO Y?!”. Artigo publicado no MEDIUM.
VOCÊ RH. “Muito blá-blá-blá”. São Paulo, SP. Artigo publicado na revista em 02/07/2015 e neste link.
EAGLY, Alice. “A mulher e o labirinto da liderança”. Harvard Business Review Brasil. Artigo publico em setembro/2007 e está neste link.
GOMES, Adriana Salles. “A guerra por talentos será sangrenta” Revista HSM Management. Artigo publicado neste link.
EXAME. “Como ganhar a Guerra pelos Talentos”. Artigo publicado em abril/2013 neste link.
BIEMANN, Torsten; KEARNEY, Eric; MARGGRAF, Kathrin. “Empowering leadership and managers’ career perceptions: examining effects at both the individual and the team level”. The Leadership Quarterly Journal. Artigo publicado em 12/03/2015.
GUARESCHI, Jean. “Tendências de Capital Humano para 2016 e 2017”. Sociedade Brasileira de Desenvolvimento Comportamental. Artigo publicado em 19/07/2016 neste endereço.

--

--

Bruno Oliveira

Auditor, escritor, leitor e flanador. Mestrando em TI, tropecei na bolsa de valores. Acredito nas estrelas, não nos astros. Resenho pessoas e o tempo presente.