Duna Capítulo 29: Castelo de Areia

Bruno Birth
brunobirth
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5 min readAug 28, 2020

“A vida em família da Creche Real é difícil de entender para muitas pessoas, mas tentarei dar a vocês uma visão resumida. Creio que meu pai só tinha um amigo de verdade. Era o conde Hasimir Fenring, eunuco genético e um dos combatentes mais mortíferos do Imperium. O conde, um homenzinho feio, mas elegante, trouxe um dia uma nova concubina-escrava para meu pai, e minha mãe me mandou espionar os trâmites. Todas nós espionávamos meu pai por uma questão de autopreservação. Naturalmente, as concubinas-escravas, pelos termos do acordo com a Guilda e as Bene Gesserit, não podiam dar a luz a um Sucessor Real, mas as intrigas eram constantes e opressivas em sua similaridade. Nós nos especializamos - minha mãe, minhas irmãs e eu - em escapar dos instrumentos sutis da morte. Pode parecer uma coisa terrível de se dizer, mas não sei ao certo se meu pai estava totalmente inocente de todos esses atentados. A Família Real é diferente de qualquer outra família. Ali estava uma nova concubina-escrava, de cabelos ruivos como os de meu pai, esbelta e graciosa. Tinha a musculatura de uma dançarina e, obviamente, havia sido treinada na neurossedução. Meu pai a observou durante um bom tempo. enquanto ela posava nua diante dele. Por fim, ele disse: ‘É linda demais. Vamos guardá-la como presente’. Vocês não fazem ideia da consternação que esse comedimento gerou na Creche Real. Discrição e autocontrole, afinal de contas, eram as ameaças mais letais a todas nós.”

O artigo a seguir se baseia em minhas reflexões e nas de meus amigos Jonathan Thiago e Marcos Carvalho. CONTÉM SPOILERS DO LIVRO UM.

Ok, um excerto de Irulan que toma toda uma página do livro merece ser esmiuçado, então vamos lá.

Primeiramente, Hasimir Fenring tem um sobrenome reconhecível para quem é detalhista. Se trata do sobrenome da irmã Bene Gesserit (cônjuge de Hasimir) que deixou um bilhete escondido para lady Jessica na estufa da mansão de Arrakina. “Espero que aproveite esta estufa tanto quanto eu”, disse ela no bilhete, mostrando que havia morado na mansão antes da chegada dos Atreides. Na análise do capitulo 10 já havíamos nos perguntado como esse tal conde Fenring teria morado na mansão de Arrakina sendo que na época o planeta Arrakis era governado pelos Harkonnen. Agora, descobrindo que os Fenring possuem amizade com o imperador padixá (parceiro dos Harkonnen), podemos considerar uma resposta. Resta um questionamento narrativo pois já que Jessica não conseguiu “aproveitar” a estufa praticamente (por conta do pouco tempo morando na mansão e da fuga desesperada), há a possibilidade de ela aproveitá-la ideologicamente, o que talvez ela já faz ao imaginar uma Arrakis dominada por plantas e água. Fica aí o enigma que Frank Herbert imprimiu nesse trecho do bilhete escondido.

Em segundo lugar. O que diabos seria um “eunuco genético”? Bom, já descobrimos que os Harkonnen, ao que tudo indica, são humanos geneticamente modificados, o que mostra que a bioengenharia é um conceito de elevada relevância no mundo futurista de Duna e que, através dela, a Seleção Artificial foi elevada ao nível humano. Assim sendo, os tais “eunucos genéticos” podem ser humanos frutos de experimentos biológicos que falharam, criando uma cadeia de erro genético e, por consequência, uma raça (ou apenas uma condição humana esporádica de transtorno deficiente, tal qual o nanismo) de homens (e mulheres também talvez?) que nascem sem a capacidade de procriar e/ou com privação fisiológica de se relacionarem sexualmente.
Por outro lado, tal condição pode muito bem ter sido engendrada também, para que pessoas fossem deliberadamente separadas de nascimento para servirem a postos específicos na estrutura social desse mundo futurista e, para tal, devendo essencialmente ser desconectadas de qualquer prazer carnal que as possam desviar de suas incumbências.

Em terceiro lugar. Aqui vem mais uma parte da discussão sobre a organização social do mundo de Duna, que já iniciamos em análises anteriores ao citarmos que há uma dualidade equilibrada e forçosamente organizada entre o poder imperial e a união instável das grandes casas do Landsraad.
Ao dizer que o imperador não pode conceber um herdeiro com uma concubina-escrava por seguir um acordo promulgado com a Guilda Espacial e a classe Bene Gesserit (sem contabilizar a participação e concordância do Landsraad no acordo), Irulan só reforça a instabilidade política disfarçada de organização homogênea que é a estrutura social do mundo de Duna.
Refletindo sobre o que objetivamente mantém tais esferas de poder tão imensas, variadas e oponentes juntas, chegamos à conclusão de que a Guilda Espacial, com seu monopolizado transporte de viajantes e recursos (como a valiosa especiaria), é o elo que se relaciona com todos os pilares desse verdadeiro castelo de areia. Só nos resta saber um pouco mais de onde se formou a guilda e como esta organização alcançou tamanha magnificência logística nesse mundo.

Bem, os vermes voltam a ser assunto importante e aqui temos algumas informações bem bombásticas relacionadas à teorizações anteriores. Enquanto fogem de um verme da areia, Paul Atreides e lady Jessica ficam bem próximos de um dos enormes monstros que, ao abrir a boca, exala um imperioso bafo de canela, próprio da especiaria, o melangé. Paul se pergunta o que os vermes teriam a ver com a especiaria, em recordação a uma conversa com o planetólogo dr. Kynes. Em análises anteriores levantamos esse questionamento quando colocamos em dúvida se os vermes são animais nativos de Arrakis ou para Arrakis foram trazidos de outro planeta (Terra talvez?) para servirem a algum experimento. E o tamanho amedrontador dos vermes? Não seria resultado do consumo de especiaria a alterar-lhes a biologia de seus organismos? Os fremen, por exemplo, são seres humanos de capacidades físicas superiores (sobrevivem com o mínimo de água e detonam soldados sardaukar na maior facilidade) por consumirem o melangé em demasia.
Mas o principal sobre os vermes nesse capítulo resgata uma teoria absurda e extraordinária que desenvolvi lá atrás, em artigos dos primeiros capítulos. Antes, vale ressaltar que no capítulo 27, Paul foi a primeira pessoa, em todo o livro até então, a se referir aos vermes da areia sem expressar temor. “Não devemos temê-los e sim respeitá-los”, disse o filho do duque Leto, indo contra o senso comum de “apenas fugir, evitar ao máximo os terríveis monstros”. Quando o verme da areia que persegue os dois se ergue, sua atenção é desviada por um barulho que Paul interpreta como um chamado. O verme vai embora e Paul revela sua interpretação à mãe. Naturalmente, Jessica não compreende o que faria uma pessoa em sã consciência chamar um verme, então Frank Herbert narra o seguinte:

“Ele (Paul) teve uma visão em sua mente: algo a ver com os bastões farpados e extensíveis dentro da mochila, os ‘ganchos de criador’.”

“Criador” é como os fremen se referem aos vermes. Eu havia teorizado (e por isso meus amigos me pediram calma na viagem mental) se talvez não houvesse uma forma de humanos controlarem os vermes da areia, por meio de manipulação por artefatos tecnológicos (o que ganchos de criador muito pode parecer ser) ou até mesmo por atribuição psíquica (considerando a magnitude das habilidades de um futuro Muad’Dib). Nessa teoria Paul seria o grande descobridor dessa realidade oculta até então.
Enfim, ainda é cedo para bater o martelo mas a minha teoria (por mais louca que seja) permanece de pé, firme!

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Bruno Birth
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